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“Aqui descobrimos 70% do universo”

Telescópio captou a constante expansão do universo, atraído por "energia escura"

Observatório Interamericano da Colina Tololo (Chile).
Observatório Interamericano da Colina Tololo (Chile).Luis Manuel Rivas
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“Muita gente me pergunta: mas como você estuda algo que não consegue ver? E eu respondo: Você já viu o vento? Já viu o vento de verdade? Não. Você viu o vento mover as folhas ou a poeira”, reflete o astrônomo norte-americano Chris Smith. Há duas décadas, sem ver absolutamente nada, sua equipe descobriu praticamente tudo. “Com este telescópio descobrimos 70% do universo”, resume Smith.

O astrônomo trabalha no telescópio Víctor Manuel Blanco, instalado em uma montanha de 2.200 metros de altitude a 80 quilômetros da cidade de La Serena, no norte do Chile. Smith, nascido no Alabama em 1964, olha à sua volta. Vê uma bola de basquete, com a qual os astrônomos se distraem quando está nublado e não podem escrutinar o céu. Também dirige o olhar para as paredes, as telas de controle e o teto. Olha para as suas mãos. “O tipo de matéria de que somos feitos corresponde a apenas 4% do universo”, ressalta.

O telescópio Blanco possui uma das câmaras digitais mais potentes do mundo, de 570 megapixels e oito toneladas

Smith é diretor do Observatório Interamericano da Colina Tololo, o complexo no qual se encontra o telescópio Blanco. Em 1998, seus astrônomos fizeram uma descoberta maiúscula. Observaram que as galáxias mais distantes estavam se afastando de nós. Na realidade, que todas as galáxias se afastavam umas das outras, cada vez mais rápido.

O que esperavam ver era justamente o contrário. Depois da grande explosão conhecida como o Big Bang, há 14 bilhões de anos, começou uma grande expansão do universo, formando-se pelo caminho tudo que conhecemos hoje. A lógica dizia que essa expansão deveria estar desacelerando, pela força da gravidade, a mesma que devolve uma bola de basquete à mão que a lançou para cima. “Mas encontramos algo estranho: a expansão do universo era cada vez mais rápida”, lembra Smith. Como se uma bola jogada para cima acabasse saindo do planeta Terra a uma velocidade cada vez maior.

A descoberta significava que, nos limites do espaço, havia algo que puxava o universo para o exterior. Os astrônomos calcularam que esse algo, batizado de energia escura, representa 70% do universo. Os outros 26% seriam matéria escura, outro enigma para a ciência. Os chefes da pesquisa – Saul Perlmutter, Adam Riess e Brian Schmidt – ganharam o Nobel de Física em 2011 por descobrir a expansão acelerada do universo.

Telescópio Blanco, no Observatório Interamericano da Colina Tololo (Chile).
Telescópio Blanco, no Observatório Interamericano da Colina Tololo (Chile).Luis Manuel Rivas

“Agora estamos tentando entender o que é a energia escura. Quando um astrônomo fala de algo escuro, como matéria escura ou energia escura, quer dizer que não sabe o que é”, brinca Smith, em um correto espanhol com sotaque chileno.

A equipe do astrônomo norte-americano se dedica agora ao Mapeamento da Energia Escura, um projeto que reúne 400 cientistas em sete países para identificar a posição de centenas de milhões de galáxias e revelar a natureza da enigmática energia escura. Smith mostra o coração dessa busca: uma das câmeras digitais mais potentes do mundo, de 570 megapixels, montada no telescópio Blanco. “É uma câmera digital que pesa oito toneladas e custa 50 milhões de dólares”, descreve o pesquisador com um sorriso.

“O futuro do universo é frio. As galáxias continuarão voando, afastando-se umas das outras", explica o astrônomo Chris Smith

O projeto, concebido para o período 2013-2018, começa a dar frutos. Em agosto, os cientistas apresentaram a medida mais precisa já realizada da estrutura em grande escala do universo atual. Os resultados corroboram a teoria de que a matéria que conhecemos, por si só, é incapaz de formar as galáxias e as estrelas. A gravidade da misteriosa matéria escura, invisível, seria necessária para formar estruturas no universo. E os primeiros dados também reforçam a hipótese de que a energia escura, desafiando a gravidade, empurra o universo para o exterior.

“É emocionante”, declarou o astrofísico Enrique Gaztañaga ao apresentar os resultados. “Mas ainda não encontramos uma pista definitiva da razão pela qual o universo está acelerando”. Gaztañaga é pesquisador do Instituto de Ciências do Espaço de Barcelona, uma das instituições espanholas que participam do projeto.

A câmera do telescópio chileno é capaz de captar imagens de galáxias situadas a 8 bilhões de anos-luz da Terra. O mapa elaborado com seus dados já cobre um trigésimo de todo o céu, mas o objetivo é abranger um oitavo. Por enquanto, ao confirmar a expansão acelerada do universo, o projeto pôs uma porção de angústia existencial sobre a mesa. “O futuro do universo é frio. As galáxias continuarão voando, afastando-se umas das outras. E, no final, desde nossa galáxia não se verão as estrelas das outras galáxias, porque estarão muito longe”, prevê Smith. “Será um universo realmente escuro”.

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