Por que é importante que o poder público use software livre
Governos de todo o mundo usam software livre cada vez mais. Suas vantagens: permite editar e melhorar aplicativos e programas... e é mais barato
Embora a muitos soe como klingon [o idioma criado para os filmes da série Star Trek], o software livre é a base de inúmeros aplicativos e programas informáticos, como Wordpress, Android, Open Office e Mozilla Firefox, sem os quais seria complicado vivermos. O software livre também ganha cada vez mais importância na administração pública. Vários países vem optando por utilizá-lo na tentativa de economizar dinheiro e aumentar a segurança dos sistemas. A ideia vai se estendendo pouco a pouco, e por isso, quando a Prefeitura de Madri perguntou aos cidadãos como gastar seu orçamento, um dos projetos participativos mais votados foi no sentido de adotar o software livre.
O Brasil foi um dos pioneiros na sua utilização para fins de administração pública. Em 2003, o Governo Federal colocou o software livre no centro de sua estratégia de TI, e foi iniciado um processo de migração de sistemas de correio eletrônico, servidores de Internet, sistemas de informação, dentre outros. Em novembro de 2016, no entanto, o Governo voltou atrás nesta política e determinou a compra de licenças de softwares Microsoft. O objetivo seria padronizar a tecnologia dos softwares utilizados pela administração pública federal, mudar o modelo de contratação para licenciamento e economizar com a compra em escala. A medida foi considerada um balde de água fria na comunidade de desenvolvimento de software livre no Brasil. Mas por que é tão importante que os órgãos públicos funcionem com estes sistemas livres e abertos?
As administrações que utilizam software livre se beneficiam de algumas vantagens: é uma alternativa mais barata – não se paga uma licença pelo produto, embora sim pelo suporte – e acarreta menos dependência com relação ao fornecedor. A qualidade final do programa aumenta, porque é verificado por muitos desenvolvedores que se dedicam a oferecer seu “grãozinho de areia”. É o que explica o espanhol Pedro Martínez-Juliá, que trabalha no Instituto Nacional de Informação e Comunicações de Tecnologia do Japão.
Segundo Martínez-Juliá, “esse modelo se encaixa perfeitamente naquilo que uma administração pública deve privilegiar: enriquecer, na medida do possível, a sociedade que está sendo administrada”. E acrescenta: “Qualquer coisa financiada com recursos públicos deve estar à disposição do público que contribui com ditos recursos, o que não se consegue com software proprietário e sua licença restritiva, e sim com software livre e sua licença permissiva”.
Também é um método mais transparente, porque os usuários externos podem detectar falhas e sugerir mudanças. Segundo a Secretaria Geral de Administração Digital, “por estar disponível o código que há por trás dos aplicativos, estes podem ser auditados por terceiros em busca de problemas de segurança ou falhas em seu desenvolvimento, o que resulta numa maior segurança”.
Do que estamos falando exatamente?
Para esclarecermos: um programa é um software livre quando qualquer pessoa pode acessar, modificar e distribuir seu código-fonte, ou seja, as instruções que o computador deve seguir para executar um programa ou carregar um site. Poderíamos dizer que, com o software livre, você pode editar um programa criado por outra pessoa para adaptá-lo às suas necessidades. “Embora haja certas diferenças, em linhas gerais a filosofia é a mesma de quando se usa uma licença creative commons para textos, música ou imagens”, explica David Cabo, diretor da Fundação Civio. “Qualquer pessoa pode baixar uma foto creative commons do Flickr e usá-la em um livro sem pedir permissão, desde que respeite certas regras, como dar crédito ao autor.”
Criar aplicativos com código aberto permite que qualquer usuário com conhecimentos de programação possa participar do desenvolvimento desse programa. “Todos se beneficiam porque se evita duplicar esforços”, diz Cabo. O código aberto teve um enorme impacto na indústria do desenvolvimento de software dos anos oitenta. “No princípio se desprezava a ideia como sendo algo que não era sustentável, mas hoje em dia está muito presente. Nos últimos anos estamos vendo como as administrações públicas também começam a adotar esta filosofia, não só como usuários, mas também como geradores de software livre.”
O modelo está triunfando
Tudo isto é muito bom, mas quantas administrações usam? Enquanto o Brasil anda na contramão, Alemanha, França, Espanha e Itália vem adotando o software-livre na área pública. Na Ásia, China e Coreia do Norte também tem como estratégia a utilização de software livre.
Segundo dados da Secretaria Geral de Administração Digital da Espanha, 45% dos aplicativos e programas que rodam nas corporações locais é de software livre, assim como 8% dos sistemas operacionais. As regiões de Extremadura, Andaluzia, Comunidade Valenciana, Castela-La Mancha, Madri, Catalunha, Galícia, Cantábria, País Basco, Canárias e Melilla já têm seus próprios sistemas de código aberto.
Essa caminhada começou em 2009, quando o Governo espanhol criou o Centro Nacional de Referência de Aplicação das Tecnologias da Informação e a Comunicação (CENATIC), para promover os sistemas de fontes abertas. Segundo o estudo mais recente desse órgão, as administrações públicas apostam num modelo muito mais aberto e colaborativo, embora seja necessário “capacitar os profissionais para que sejam os verdadeiros artífices dessa mudança de modelo”.
Os especialistas concordam que a transformação digital impulsionou o desenvolvimento dessa forma de programar, a qual acreditam que chegou para ficar. “Para mim, o futuro do software livre não é discutível”, afirma Martínez-Juliá, taxativo. “É algo que existe à margem da moda, da economia e da própria administração pública. Ninguém vai impedir nenhum desenvolvedor de oferecer seu código, por isso sempre existirá software livre.”
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