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Editoriais
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Uma Espanha moderna

Há quarenta anos aconteceram as primeiras eleições livres e a democracia foi recuperada

Mulher vota em urna de uma seção eleitoral de San Illán, em Madri.
Mulher vota em urna de uma seção eleitoral de San Illán, em Madri.Joaquin Amestoy

Hoje faz 40 anos que aconteceram na Espanha as primeiras eleições democráticas depois da ditadura. Um pleito do qual participaram partidos de todas as concepções ideológicas, que determinou um ponto de não retorno na evolução democrática do país. Esta culminaria em uma Constituição muito avançada; na afirmação de um Estado de direito e não meramente um estado de leis; na sucessão no poder de diferentes partidos rivais; e na concepção e implementação de um modelo de poder territorial de verdadeiro autogoverno político, igualmente acessível a todas as comunidades, mas diferenciado em termos de velocidade e abrangência de competências, de acordo com a vontade política e as características de cada uma delas.

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Estas quatro décadas estabeleceram e consolidaram a etapa democrática mais profunda e duradoura de toda a nossa história recente. Os princípios de uma pessoa, um voto; a consagração dos direitos individuais fundamentais segundo as altas exigências da Declaração das Nações Unidas e da Convenção Europeia dos Direitos Humanos; do reconhecimento das identidades coletivas e seus consequentes direitos linguísticos e culturais; da separação de poderes; do governo da maioria e do respeito pelas minorias, permitiram que este país perturbado por uma história recente tempestuosa se juntasse ao grupo das democracias mais avançadas.

Tudo isso não foi conseguido facilmente. A transição da ditadura para a democracia despertou a aversão dos ultras, nostálgicos, golpistas e terroristas de novo cunho. Muitos cidadãos deram suas vidas pela causa da reconciliação dos antigos inimigos e pelas liberdades de todos. Mas não por isso esse processo –apesar dos seus momentos mais difíceis– deixou de ser visto como um modelo (essencialmente pacífico na sua concepção e implementação) para muitos que quiseram trilhar um caminho semelhante.

Apesar das imperfeições e dos erros que toda construção humana implica, é profundamente injusto para as gerações que a tornaram possível que desde o extremismo antissistema ou do centrifugismo territorial se humilhe, depreze ou minimize as conquistas alcançadas. E também para as gerações mais jovens, que têm direito a se reconhecer na página mais brilhante da história espanhola dos últimos séculos.

Nem a democracia espanhola é “o regime de 1978”, como às vezes se propala para associá-la implicitamente à autocracia anterior (o “regime” por excelência, o do caudillo); nem está danificada em suas normas, instituições ou desempenhos; a transição democrática foi para todos, não para uma das duas Espanhas, e não deve ser fragmentada.

A Espanha está hoje justamente equiparada com as melhores democracias ocidentais. E, finalmente, bem colocada na Europa comunitária, entre os melhores países do mundo. É claro que essa realidade não nos deve levar à complacência para com o que foi alcançado. Mas tampouco a denegri-lo ou menosprezá-lo. A Espanha democrática de hoje conseguiu resolver, canalizar ou diluir alguns dos grandes problemas sistêmicos de sua história anterior.

De fato, de uma economia atrasada e pobre passamos a uma economia moderna e próspera (embora seja conveniente melhorar e equilibrar o modelo de crescimento). Os problemas sociais tradicionais passaram a ser digeridos ou tratados e colocados em seus limites racionais: a coesão social e territorial próprias de um Estado de bem-estar, embora com altos e baixos e reveses, consolidou-se.

Além disso, a questão do fanatismo religioso e da ingerência da Igreja Católica sobre o poder civil, assim como a atávica insurgência militar, desapareceram. A igualdade de gênero e a liberdade sexual deram passos gigantescos, entre os países pioneiros. E os focos de violência terrorista foram, depois de muito esforço e sacrifício, dominados. Será que tudo isso não é digno de reconhecimento público e de satisfação (para não dizer orgulho) coletiva?

Que tenhamos pela frente, não obstante, desafios mal resolvidos e questões pendentes –como acontece com muitas outras democracias– deve ser um estímulo para a mudança, não um motivo de depressão coletiva, nem de emenda à totalidade. A rigidez da vida política e de algumas instituições, especialmente os partidos políticos, a escassa inovação nas relações econômico-sociais; a verticalidade administrativa; a extensão dos segmentos sociais submetidos à miséria, à pobreza energética e à desigualdade crescente; a aspereza e o súbito acirramento da questão catalã... Tudo isso deve nos empurrar para pressionar mais as autoridades e os representantes políticos em prol de um catálogo de amplas reformas, incluindo a constitucional, necessária para atualizar aquele magnífico texto para que agora possa nos dar outros 40 anos de conquistas tão meritórias em liberdade.

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