Quando a matemática do “não fazer nada” dá certo
Não agir também é uma estratégia válida em várias circunstâncias do dia-a-dia nas quais, por mais cálculos que se faça, não há melhor opção do que essa
É melhor sentar e aguardar o ônibus ou levaremos menos tempo andando até o nosso destino? Se não há nenhum lugar para estacionar o carro, é melhor continuar dando voltas ou, talvez, esperar pacientemente que alguém saia e então ocupar a sua vaga? É recomendável mudar de pista em um congestionamento se a do lado parecer mais fluida? E qual fila do supermercado é melhor quando as outras parecem ir mais rápido que a sua?
Todas essas perguntas podem parecer banais, mas, além do fato de que muita gente dedica boa parte de seu tempo lidando com elas, os matemáticos também tentaram, nas últimas décadas, analisa-las com suas ferramentas para trazer alguma luz ao tema. E, embora de forma aproximada, eles até que conseguiram explicar alguns de seus mistérios e lançar alguma luz acerca de como se produzem e qual é a melhor opção a ser adotada. A qual, muitas vezes, é simplesmente não fazer nada.
Esperando o ônibus: sentar e ter paciência
Quando o ônibus parece que não chega nunca, muitas pessoas se perguntam se não seria melhor começar a andar rumo ao destino em vez de ficar parada no ponto. “Já teria chegado faz tempo”, é a ideia mais recorrente. Mas isso depende da distância ser percorrida, da frequência do ônibus e da hora (aleatória) em que se chegou à parada.
Existem hoje em dia, em vários pontos, telas que indicam quanto tempo o veículo levará ainda para chegar (em alguns casos é possível até mesmo baixar um aplicativo no celular), mas em outros locais o dilema persiste. Assim, é interessante atentar para a descoberta feita por três matemáticos, Chen, Kominers e Sinnot, quase dez anos atrás, e que eles resumiram em algo como “os mais preguiçosos saem ganhando”.
É bem verdade que essa estratégia só funciona em casos que não sejam extremos, por exemplo quando a distância a ser percorrida é razoável e a frequência dos ônibus está dentro de parâmetros normais (não nos feriados, por exemplo, ou quando ocorre um congestionamento inesperado). A regra diz que basta ficar parado no ponto e aguardar pacientemente; quase sempre, fazendo assim a pessoa levará menos tempo para atingir o destino do que se começar a ir andando. Eles também dizem que, se andar ou esperar se transformará em um dilema, o melhor é nem sequer parar para ver se aparece um ônibus: o melhor será sair andando diretamente assim que se chegar ao ponto.
Estacionamento impossível
As estatísticas atuam a favor de quem não faz nada
O matemático Joe Pagano desenvolveu uma outra fórmula interessante que se aplica ao estacionamento de veículos nos centros comerciais lotados. Também se trata de uma situação muito comum e um tanto frustrante: dar voltas e voltas dentro de um mesmo recinto no qual o número de vagas é limitado e onde todos os carros que chegam parecem querer a mesma coisa.
Tal como em outros casos, a matemática, aqui, generaliza a situação partindo de alguns pressupostos razoáveis, como o de que a capacidade do estacionamento é adequada para um número médio de visitantes, o tempo que as pessoas passam fazendo suas compras (cerca de três horas) etc. Com esses dados em mãos, Pagano calculou que basta parar o carro em um ponto de onde se possa ver cerca de 20 carros estacionados. Dividindo-se 180 minutos (três horas) por 20, o resultado é nove. Nove minutos, assim, será o tempo médio para que uma daquelas 20 vagas se libere e possa ser ocupada (na prática, podem ser às vezes cinco minutos, em outras 15; nove é apenas uma média). Se for possível visualizar mais carros, o tempo diminui; por exemplo, de um ponto onde se possa monitorar 40 veículos, a média de espera para encontrar a tão desejada vaga cai para apenas quatro minutos e meio.
Esta ideia pode ser aplicada em outros lugares onde se conheça o tempo médio da permanência: é menos favorável em zonas residenciais (onde um veículo pode ficar parado 10 ou 12 horas em média), mas mais favorável nas imediações de uma escola ou de uma estação de metrô com muito trânsito. A estatística joga a favor de quem não faz nada: ou seja, um dos carros vai sair, embora não se saiba qual será.
Na estrada: mudar de pista não é uma opção
Outra dica que se procura passar há muito tempo aos motoristas no caso de congestionamentos na estrada é a de que a melhor estratégia é não mudar de pista, por mais que os carros ao lado pareçam estar sempre na pista dos mais rápidos, fenômeno já analisado por Redelmeier e Tibshirani, da Universidade de Toronto (Canadá), que concluíram que essa rapidez é um efeito psicológico e não corresponde à realidade.
Na hora de escolher a melhor fila, basta atentar para os carrinhos ou sacolas da frente: quanto menos melhor
O motivo mais forte para não se mudar de pista pode ser visualizado graficamente em um dos vídeos de divulgação do CP Grey e tem a ver com o motivo que, em última instância, está por trás da formação dos congestionamentos: quando os tempos de reação dos motoristas não são suficientes para se adaptar às freadas, acelerações ou entradas de novos veículos na estrada. Segundo os estudos realizados, mudar de pista equivale praticamente a se adaptar a uma entrada de um carro de uma outra pista. De modo que o motivo pelo qual o melhor é não fazer nada tem duas vertentes: é melhor não provocar mais transtornos e problemas para os demais motoristas e, além disso, não cometer o erro de mudar para outra pista que não é necessariamente mais veloz, mesmo que pareça sê-lo.
Na fila do supermercado
Na fila do caixa do supermercado o efeito psicológico de que as outras andam mais rápido se deve, em parte, ao mesmo fenômeno da estrada com as mudanças de pista. Matemáticos como Dan Meyer estudaram o que realmente acontece nas filas a fim de saber quais são os fatores críticos e a melhor forma de poupar tempo. Existem até mesmo livros sobre esse tema, como Why Does the Other Line Always Move Faster?, de David Andrews. (Leia, em espanhol, um resumo dessa obra).
Na hora de escolher a melhor fila, basta atentar para os carrinhos ou as sacolas que estão à sua frente: quanto menos melhor. Mas, se for preciso escolher entre um carrinho só lotado de produtos ou dois com menos produtos, o primeiro costuma ser preferível: grande parte do tempo no caixa é gasto na chegada, cumprimentando, pagando e se despedindo (além de um tempo fixo para cada produto cujo código de barras é passado pelo caixa). Também costumam ser melhores as filas da esquerda (a maioria das pessoas são destras e as filas mais à direita costumam ficar mais cheias). E, obviamente, nas com consumidores individuais e não famílias.
Isso posto, cabe dizer que a melhor opção sempre é a da fila única, que divide as pessoas por diversos caixas. Esse tipo de organização evita os problemas mais comuns, os chamados caixas congestionados (com problemas no pagamento ou de mercadorias sem código), e constitui, com efeito, a tendência atual nas grandes lojas e supermercados, que fizeram uma transição nesse sentido nos últimos anos. Não só por ser a melhor opção matematicamente, mas também porque, nos negócios, tempo é dinheiro.
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