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China inunda suas redes sociais com quase 490 milhões de mensagens falsas por ano

Estudo de Harvard indica que se trata de uma forma de propaganda do regime para distrair os internautas de temas sensíveis

É amplamente sabido que a China conta com um complexo sistema de censura que bloqueia certos sites da Internet e elimina comentários indesejados em fóruns de discussões. E também que existe uma legião de internautas encarregados de rebater argumentos contrários ao regime no espaço cibernético. Os resultados de um estudo sobre estes últimos, realizado por pesquisadores da Universidade Harvard, mostram que o Governo, além disso, bombardeia as redes sociais com 488 milhões de comentários por ano, para distrair os cidadãos das más notícias e de temas sensíveis.

Computadores em uso numa LAN house de Pequim, em imagem de arquivo.
Computadores em uso numa LAN house de Pequim, em imagem de arquivo.EFE

A investigação se baseou em documentos dos anos 2013 e 2014 vazados do Departamento de Propaganda de um distrito da cidade chinesa de Ganzhou, situada na província de Jiangxi (sudeste). O documento proporciona informações detalhadas sobre como se comportam e qual é a estratégia desses funcionários, que segundo várias estimativas, poderiam rondar os dois milhões e são popularmente conhecidos como “o Partido dos 50 Centavos”, já que essas pessoas receberiam 50 centavos de yuan (27 centavos de real) a cada comentário favorável ao regime.

Até agora, acreditava-se que esses defensores do Partido Comunista Chinês só se envolviam em discussões com outros usuários para apoiar o Governo, os líderes chineses ou as suas políticas em momentos delicados, mas o estudo indica que a grande maioria evita os temas polêmicos e se dedica simplesmente a distrair os demais com mensagens que exaltam os feitos do país.

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“Temos a esperança de que o novo secretário do Partido possa promover políticas que beneficiem as pessoas em diferentes aspectos, sobretudo em matéria de educação e saúde”; “Muitos mártires revolucionários lutaram com valentia para criar a vida que temos hoje. Respeitem esses heróis”; “Carregarei a bandeira vermelha manchada com o sangue dos nossos antepassados e seguirei o caminho do Partido Comunista da China sem hesitação!”. Essas são algumas das publicações que esses operários da propaganda deixaram nas redes sociais.

“A distração é uma estratégia útil e inteligente no controle da informação. Em quase qualquer discussão, utilizar um argumento raramente é eficaz para pôr fim a outro argumento contrário. Deixar que essa opinião morra, ou mudar de assunto, geralmente funciona muito melhor do que discutir para tentar que o outro se retrate (algo que os novos pais aprendem rapidamente)”, dizem os autores do estudo.

A principal ameaça  percebida pelo regime chinês na era moderna não são os ataques militares de inimigos estrangeiros, e sim rebeliões internas

Contrariando a crença de que essas mensagens são publicadas por cidadãos comuns contratados pelo Governo para esse fim, os pesquisadores concluíram que a grande maioria dos textos é escrita por funcionários do departamento de Propaganda e também de outros órgãos, como a Justiça, a Previdência Social e a Fazenda.

Segundo os pesquisadores, a estratégia de se autoelogiar, não atacar os demais e evitar o conflito “parece decorrer do fato de que a principal ameaça percebida pelo regime chinês na era moderna não são os ataques militares de inimigos estrangeiros, e sim as rebeliões do seu próprio povo”.

O momento e as circunstâncias da publicação dessas mensagens, aliás, não são aleatórios. A análise dos anos 2013 e 2014 mostra que a maior atividade ocorre em feriados, durante reuniões políticas importantes ou após protestos intensos em algum ponto do país. Por exemplo: depois de o presidente Xi Jinping bater na tecla do “sonho chinês” (maio de 2013); após revoltas na conflitiva região de Xinjiang (julho de 2013); durante a sessão da Assembleia Nacional Popular (fevereiro 2014). Os picos foram durante o feriado do Qingming (abril, o equivalente a Finados) e no Dia dos Mártires (outubro), com ondas de mensagens louvando o papel dos “heróis da revolução”.

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