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O obscuro ocaso do carvão

O combustível fóssil vive a maior crise de sua história, encurralado pelas energias renováveis e o gás de xisto

Miguel Ángel García Vega
Mineiros rumanos empurram uma carruagem de carvão na localidade de Petrila
Mineiros rumanos empurram uma carruagem de carvão na localidade de PetrilaDANIEL MIHAILESCU (AFP)

Apaga-se a luz do carvão na Europa. Os míticos gueules noires (caras negras, mineiros) vão limpando seus rostos. Esses homens, que foram essenciais no século XIX para a prosperidade econômica e as conquistas sindicais da Inglaterra, França, Polônia, Alemanha ou Espanha, se desvanecem como sombras de ferrugem. O Reino Unido fechará suas fábricas de carvão em 2025 porque o mundo, ou pelo menos parte dele, não quer continuar queimando um combustível tão poluente. Tanto é assim que este ano o consumo nas centrais térmicas cairá no planeta, segundo o think tank norte-americano Institute for Energy Economics and Financial Analysis (IEEFA), entre 2% e 4% adicionais, depois de ter alcançado seu máximo em 2013. Ao mesmo tempo, consciente de seu futuro, Inglaterra e Espanha perderam dezenas de milhares de mineiros nas últimas décadas.

As compras dos maiores usuários (China, Japão e Índia) vão cair em longo prazo

Uma dessas caras negras é Víctor Fernández, mineiro aposentado, que atua desde 1968 no poço Santiago de Aller (Astúrias) e é responsável pela área de Mineração da Federação da Indústria e dos Trabalhadores Agrícolas da União Geral dos Trabalhadores (FITAG-UGT). “Estamos condenados ao fechamento porque a única coisa que o Governo fez foi reduzir o subsídio [este ano foi de cerca de 32 milhões de euros] e reduzir as pré-aposentadorias; a situação está insustentável”, critica. E a indústria se sente em uma galeria escura. A produção passou de 6,3 milhões de toneladas em 2011 para 3,6 milhões durante 2014 e só sobrevivem 12 explorações. Consequentemente, o trabalho rareia. Cerca de 3.100 trabalhadores compõem o setor, número distante dos 13.565 funcionários que havia em 2002. Neste cenário, a rota de fuga é tão complexa quanto o ofício. “As subvenções devem ser reduzidas de forma progressiva até 31 de dezembro de 2018, e então todas as instalações que as recebiam devem ter fechado”, diz Alberto Martín, sócio-responsável pela área de Energia da KPMG.

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O mercado impõe seus paradoxos e a Espanha continua queimando carvão. “É a segunda fonte de geração energética depois da nuclear, e representa 19,7% da cesta de energias”, relata Bruno Chao, diretor de Resources da Accenture. Inclusive a terra joga a seu favor. Os especialistas do Instituto Geológico e Mineiro da Espanha afirmam que as reservas espanholas deste combustível (3.463 milhões de toneladas equivalentes de carvão) ainda durarão 137 anos ao ritmo de produção atual. O problema é que não consegue competir em preço com o mineral norte-americano, indonésio ou colombiano. Nem tampouco pode esconder que é o combustível fóssil que libera mais gases de efeito estufa. Encurralado, voltam os discursos protecionistas. A Esquerda Unida propõe proibir as importações e usar carvão só das bacias mineiras espanholas durante um período transitório. Enquanto isso, o PSOE defende manter a produção.

Outra contradição em termos nos leva à Alemanha: o país líder em energias renováveis na Europa é um ávido consumidor de carvão. “O apagão nuclear decretado depois do acidente de Fukushima (Japão) fez com que o vazio seja preenchido pelo lignito. Muito comum no país, mas muito poluente. O futuro está no gás”, analisa Pablo García, professor da CUNEF. Como se quisesse contentar uns e outros, o Governo da chanceler Angela Merkel anunciou que fecha suas explorações de hulha em 2018.

Na Espanha, ainda é a segunda fonte de geração energética depois da nuclear

Boa parte da explicação sobre essas políticas tão erráticas está nos Estados Unidos. O país conseguiu mudar o mapa energético do planeta com o gás de fratura hidráulica, algo que lhe permitiu em apenas uma década ser energeticamente autossuficiente. A Administração Obama proíbe exportar este hidrocarboneto já que o considera estratégico para a indústria e para sua segurança energética. Em vez disso, tem milhares de toneladas de carvão de que já não precisa. O que fazer com elas? Vendê-las na Europa. “Graças ao gás de xisto, os Estados Unidos está exportando suas emissões para o Velho Continente”, aponta Gonzalo Escribano, diretor do Programa de Energia do Real Instituto Elcano. E a um preço tão baixo que afugentou os investidores. Desde 2011 o valor do combustível fóssil caiu 60%, ao mesmo tempo em que aumentavam os juros e a preocupação com as energias renováveis, o gás de xisto e a mudança climática. “O carvão é o setor com os piores resultados de todo o mundo. Os fundos de pensão, que têm o dever fiduciário de ganhar dinheiro, não investem nessas companhias. Não é um risco futuro, é um risco presente”, enfatiza Tom Sanzillo, diretor de Finanças do IEEFA, no jornal The Guardian.

As previsões aprofundam essa ferida. O combustível, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), que representou 45% do aumento da demanda energética mundial durante a última década só representará em torno de 10% do crescimento adicional até 2040. Nesta data, o consumo de carvão na UE terá caído um terço dos níveis atuais. Como se vê atualmente, todo mundo dá as costas a este recurso: os números, os grandes fundos de pensão, os bancos, as seguradoras. Mas este esquecimento não responde a uma maior consciência ambiental, e sim ao fato de que os mercados não acreditam que possam ganhar dinheiro.

Estratégia polonesa

Só a Polônia encontrou um argumento diferente na Europa para proteger sua rocha: tem medo de depender do gás russo. Pouco importa que desde 2014 as minas tenham custado 750 milhões de euros ao Estado. Desde então o país sabe que está na contracorrente. De fato, Estados Unidos (-11%), China (-5,7%), Alemanha (-3%) e Reino Unido (-16%) viram cair o consumo este ano. E os analistas traçam uma linha do horizonte escura.

“Nossas investigações mostram que os três maiores importadores de carvão do planeta para centrais térmicas (China, Japão e Índia) estão comprando menos. Os mercados mundiais deste combustível se encontram em declínio em longo prazo, simples assim”, observa um porta-voz da IEEFA. Agora tudo depende da relação entre o espaço e o tempo; ou seja, da velocidade. “A rapidez do declínio dependerá da vontade e da liderança que os governos demonstrem no sentido de guardar o grande estoque de carvão europeu que existe e substituí-lo por fontes mais limpas”, afirma Ilmi Granoff, pesquisador sênior do think tank britânico Overseas Development Institute (ODI).

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