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Vala com ossos de uma nova espécie humana é encontrada na África

O ‘Homo naledi’ poderia ter realizado um dos primeiros rituais funerários que conhecemos

Imagem do 'Homo naledi'.Foto: reuters_live | Vídeo: National Geographic
Nuño Domínguez

Procura-se especialistas em antropologia que sejam magros, baixos e não tenham claustrofobia. Esse era o anúncio de emprego que Lee Berger lançou nas redes sociais há dois anos. Ele queria encontrar pessoas que fossem capazes de se meter por uma fenda de 18 centímetros de largura e trazer à tona o que prometia ser um lote de fósseis humanos sem igual.

Nesta quarta-feira foram publicados os resultados mais completos dessa escavação, realizada na caverna Rising Star, a 50 quilômetros de Joannesburgo, na África do Sul. As conclusões revelam a existência de uma cova com mais de 1.500 fósseis humanos, totalizando ao menos 15 indivíduos. Os autores afirmam que são uma nova espécie dentro de nosso gênero, a qual batizaram de Homo naledi. “Naledi” quer dizer “estrela” na língua soto do sul, um dos idiomas locais.

Os descobridores acreditam que esses hominídeos foram depositados ali por seus congêneres, o que significaria um inesperado comportamento funerário nunca observado em humanos tão primitivos. Todos os restos mortais foram identificados graças ao trabalho de uma equipe totalmente composta por mulheres que conseguiram se espremer na estreita câmara durante duas expedições. O conjunto forma o maior cemitério de fósseis humanos concentrados em um só lugar em toda a África, e é um dos maiores do mundo, segundo os pesquisadores.

Os fósseis analisados no estudo
Os fósseis analisados no estudoeLIFE

Mas o mais apaixonante dessa descoberta provavelmente são as perguntas que ela deixa no ar. Os cientistas dizem não ter conseguido datar os fósseis nem sabem como todos esses corpos chegaram até o local. Para atingir a câmara na qual estavam os ossos, é preciso percorrer 80 metros dentro de uma caverna, subir uma parede e escorregar por uma fenda que os investigadores comparam com a boca de uma caixa de correio. Essa rota, na escuridão total, é a única que existe hoje. E, segundo estudos geológicos, era a única que existia quando os cadáveres foram depositados ali. Pelo tamanho dos ossos, é possível afirmar que entre os mortos havia bebês, crianças, adolescentes, adultos e idosos. Nenhum tem marcas de traumatismo por uma possível queda no fosso, tampouco apresentam sinais de terem sido devorados por algum animal ou por sua própria espécie, como ocorre no único cemitério comparável, o Abismo dos Ossos, em Atapuerca, na Espanha. Não há rastros de nenhum outro animal, exceto alguns pássaros e ratos. Na caverna não há marcas de alguma intensa subida de água que pudesse ter arrastado os ossos até ali. Além disso, partes dos corpos foram encontradas totalmente articuladas. De posse dessas informações, a única hipótese que resta é a de que alguém os deixou no local em vários momentos diferentes ao longo do tempo, segundo os autores do estudo. Um ritual funerário que até agora só se atribuía a humanos mais modernos e com maior cérebro.

“Temos quase todos os ossos do corpo representados várias vezes, o que faz com que o Homo naledi já seja praticamente o fóssil de nossa linhagem que conhecemos melhor”, comemora Lee Berger, paleoantropólogo da Universidade de Witwatersrand, na África do Sul, em uma nota divulgada à imprensa pelas instituições que participaram das escavações. Após a descoberta, em outubro de 2013, diante de um amontoado de ossos tão complexo, o paleoantropólogo começou a selecionar um forte grupo de cientistas internacionais, a maioria deles jovens, para ajudá-lo na análise de cada parte do corpo da nova espécie.

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Os ossos estavam apenas parcialmente fossilizados. Alguns estavam à vista sobre o chão da caverna. A análise dos vestígios e seu contexto geológico, publicados nesta quarta-feira na revista científica eLIFE, de acesso aberto, descreve uma espécie que teria chamado a atenção se a víssemos passeando pelas ruas, mas que não é um simples chimpanzé ereto. A maioria dos especialistas acredita que o gênero Homo tem origem no gênero australopiteco, apesar de até pouco tempo atrás haver uma enorme falta de fósseis que pudessem confirmar a tese. Por sua morfologia, os naledis parecem estar justamente no limite entre os outros dois grupos. Eles mediam 1,5 metro e pesavam cerca de 45 quilos. Ainda não tinham começando a desenvolver um cérebro grande (500 centímetros cúbicos, em comparação com o mínimo de 1.200 centímetros cúbicos de um Homo sapiens). Mas já tinha um corpo estilizado e traços humanos, como a capacidade de andar ereto e dentes relativamente pequenos. Suas mãos já tinham o polegar opositor, que permite fabricar ferramentas de pedra, e seus pés eram muito parecidos com os dos humanos modernos, apenas um pouco mais achatados.

O mistério funerário

Markus Bastir, pesquisador de origem austríaca que trabalha no Museu Nacional de Ciências Naturais, em Madri, participou da análise do tórax do Homo naledi. Junto com Daniel García Martínez, Bastir usou tecnologia 3D para reconstruir todo o tórax do naledi partido dos fragmentos de costelas, vértebras e outros fósseis encontrados na caverna da África do Sul. “Nossos resultados indicam que a coluna vertebral e o tronco eram muito primitivos, como os de um australopiteco”, explica. “Além disso, as falanges de seus dedos eram curvas, uma adaptação para subir em árvores”. Essa mistura de traços é única, o que os distingue do Homo habilis (até agora considerados os primeiros membros do gênero Homo, mas através de poucos fósseis) e, segundo os cientistas, os torna dignos de serem considerados uma nova espécie.

Por causa de sua morfologia, os responsáveis pela descoberta situam o Homo naledi justamente na origem do gênero Homo, no ponto intermediário entre os australopitecos e as espécies plenamente humanas, como o Homo erectus. Isso significa que eles viveram há pelo menos 2 milhões de anos, e daria a eles um papel fundamental em direção à aparição da nossa espécie. Chris Stringer, do Museu de História Natural de Londres, que não participou do estudo, aponta outra possibilidade muito diferente: e se os restos mortais têm menos de 100.000 anos? “Significaria que o Homo naledi sobreviveu até relativamente pouco tempo atrás, igual ao que ocorreu com o Homo floresiensis, da Indonésia, que também combina cérebro e dentes pequenos”, escreveu ele em um artigo de análise sobre a descoberta na África do Sul. Nesse caso, os naledis não seriam nossos ancestrais diretos e poderiam ser um beco sem saída na história da nossa evolução.

Descoberta polêmica

O anúncio das escavações da caverna Rising Star, financiadas em parte pela National Geographic, foi feito durante uma entrevista coletiva em Londres, onde estes dias estão reunidos muitos dos maiores nomes da paleoantropologia, que participam do Congresso da Sociedade Europeia para o Estudo da Evolução Humana. É possível que a descoberta tenha ali sua primeira prova de fogo, devido às muitas perguntas deixadas sem resposta. É possível que uma espécie com o cérebro tão pequeno tivesse consciência suficiente para sepultar seus congêneres? Como eles chegaram à vala na escuridão completa? Por que não foi possível datar os fósseis com carbono, DNA ou outras técnicas, o que pelo menos indicaria uma faixa aproximada de sua idade?

Para Juan Luis Arsuaga, co-diretor dos cemitérios de Atapuerca, a descoberta é "surpreendente". Mas ele não concorda com tudo, porque acredita que a caverna pudesse ter outra entrada no passado, pela qual era possível chegar ao fundo sem necessidade de luz artificial. Isso descartaria outra das hipóteses levantadas pelo estudo: a de que os naledi teriam usado fogo para chegar até ali. Kaye Reed, da Universidade Estatal do Arizona, afirma que sem as datas para os fósseis "é impossível" situar essa nova espécie em nossa árvore evolutiva, quanto mais incluí-la no gênero Homo. Ele também duvida dos argumentos sobre o funeral, que, para ele, não são convincentes sem datas. "As descrições são boas, mas acho que as conclusões têm muito zelo. Muitos pesquisadores querem que seu fóssil mude nossa visão da evolução humana. Às vezes, o fóssil faz isso; às vezes, não", alerta. A revista National Geographic traz em sua edição de outubro uma extensa reportagem sobre as descobertas.

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