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“Pau que dá em Chico dá em Francisco”, diz Janot sobre Lava Jato

Procurador-geral, que investiga políticos no escândalo, é reconduzido a cargo pelo Senado

O procurador Rodrigo Janot, na sabatina no Senado.
O procurador Rodrigo Janot, na sabatina no Senado.Fernando Bizerra Jr. (EFE)

Em uma das vias que dá acesso ao Congresso Nacional uma faixa tentava chamar a atenção do procurador-geral da República, Rodrigo Janot: “Janot, e os outros membros da quadrilha?” Ao lado da frase, uma foto do procurador com uma venda nos olhos e quatro imagens de senadores investigados pela Operação Lava Jato.

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O protesto, no dia em que Janot foi sabatinado e aprovado pelo plenário do Senado para permanecer mais dois anos no cargo, deu a tônica não só da maratona de mais de dez horas para sua recondução ao posto máximo Ministério Público como também será a prova de fogo do seu próximo mandato, até setembro de 2017. A faixa é uma referência à onda de rumores nos bastidores políticos de que, para continuar como chefe da Procuradoria, Janot teria feito um acordo com o Governo Dilma Rousseff (PT) e com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), ele próprio um investigado na Lava Jato, para amenizar as investigações contra alguns dos suspeitos de envolvimento no esquema de desvio de recursos da Petrobras.

“Nego veementemente a possibilidade de qualquer acordo que possa interferir nas investigações (...) A essa altura da minha vida eu não deixaria os trilhos da minha atuação técnica no Ministério Público para entrar em um processo que eu não domino, não conheço, que é o caminho da política”, disse o mineiro Janot, 58 anos de vida, 31 como procurador federal, quando indagado na sabatina sobre esse “acordão”, que ele o chamou de "factóide".

Desde que os nomes dos 49 políticos investigados pela Lava Jato surgiram em março, na “Lista do Janot”, apenas dois foram denunciados, o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e o senador Fernando Collor (PTB-AL), ambos na semana passada.

Provocado várias vezes pelo investigado Collor, durante sua sabatina, Janot respondeu que as investigações contra os políticos na Lava Jato significam que a Constituição está sendo seguida e recorreu a um ditado popular para se explicar. “O que tem sido chamado de espetacularização da Lava Jato nada mais é do que a aplicação de princípio fundamental de uma República: todos são iguais perante a lei. Pau que dá em Chico dá em Francisco”.

Em um outro momento, quando indagado pelo senador Lasier Martins (PDT-RS) sobre a razão de ter denunciado, até agora, apenas Cunha e Collor, Janot respondeu que as investigações contra eles estavam mais maduras do que as demais: “Não houve seletividade para apresentar essas denúncias. Os critérios foram técnicos”.

Nas quase dez horas e meia de sabatina, Janot viu também a defesa da igreja Assembleia de Deus, suspeita de lavar parte da propina recebida pelo investigado Eduardo Cunha, e uma disputa política entre dilmistas e os oposicionistas. Membros da bancada evangélica, Marcelo Crivella (PRB-RJ) e Magno Malta (PR-ES), reclamaram da citação dessa igreja como suspeita de ter sido usada por parte do esquema criminoso.

Não houve seletividade para apresentar essas denúncias. Os critérios foram técnicos Rodrigo Janot

Já tucanos como Aécio Neves (MG) e Aloysio Nunes (SP) tentaram pressionar Janot para que ele dissesse se "os chefes da quadrilha" que pilhou a Petrobras estavam sendo investigados. A tentativa era arrancar do procurador declarações que implicassem a presidenta Dilma ou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no esquema, o que ele não disse.

No outro lado do embate, petistas como Lindbergh Farias (RJ), que também um dos 49 investigados no escândalo, e Vanessa Graziotin (PCdoB-AM) diziam que o Governo Dilma respeitava as instituições e, ao contrário dos Governos de tucanos, havia indicado o procurador mais votado entre os seus pares para chefiar o Ministério Público.

A todo momento, para tentar se mostrar imparcial, Janot dizia que suas apurações deveriam ser técnicas. Até citou não ver problemas em pedir o arquivamento de investigações em que não há provas robustas. “A caneta que assina uma denúncia é a mesmíssima que assina um arquivamento. Durante dois anos foram pedidos 269 arquivamentos de inquéritos democraticamente distribuídos de todos os partidos”, explicou.

Instituições fortes

A recondução de Janot para a Procuradoria-Geral, após meses de especulações sobre possíveis manobras dos investigados na Lava Jato para evitá-la, foi comemorada por especialistas como mais um índice do fortalecimento das instituições brasileiras. “O Janot é hoje um agente perturbador dos poderosos do Brasil. Esse poder dominante sempre cometeu seus crimes e não eram perturbados pelo Ministério Público. Agora são”, ponderou o jurista e ex-magistrado Luiz Flávio Gomes.

Para esse ex-juiz, um fator-chave para a recondução do procurador foi a existência de uma certa pressão popular. “Se a sociedade estivesse acomodada, tranquila, a presidente poderia não tê-lo indicado e o Senado não o aprovaria. Vivemos um momento de transição para um país com instituições fortes. Para mim, o velho país já morreu e o novo ainda não nasceu. Mas é algo que ainda não está consolidado”, ponderou.

O presidente do Instituto Giovanni Falcone, contitucionalista Wálter Maierovitch, elogiou a escolha por Janot. “Retirar o Janot da Procuradoria era o mesmo que tirar o Messi do time, em um jogo indefinido em que ele está brilhando. Estamos em um momento em que a sociedade brasileira está com outra cara, uma cara anticorrupção”, disse.

Maierovitch diz, no entanto, que o procurador precisará agora demonstrar, com suas ações, o ditado sobre Chico e Francisco para afastar de vez o fantasma de que foi privilegiado por um acordo político. “O Janot negou que houvesse um acordão. Mas tem de provar isso denunciando todos contra quem houver provas”, concluiu.

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