_
_
_
_
Verne

Coisas que aprendi viajando sozinha

Estes conselhos podem ajudá-la a dar o primeiro passo para viajar sozinha

Lola Hierro
Sozinha, com os pensamentos, no castelo de Eilean Doam, Escócia. Outubro de 2013.
Sozinha, com os pensamentos, no castelo de Eilean Doam, Escócia. Outubro de 2013.

Recebo muitos e-mails de mulheres que querem viajar sozinhas mas não se atrevem porque têm perguntas às quais não encontram respostas. E me perguntam o que fazer. Eu também tive dúvidas, e continuo tendo. Viajei sozinha pela primeira vez aos 20 anos, e agora, aos 31, também fiquei um pouco afobada quando decidi partir por um mês à Etiópia, na minha primeira aventura pela África subsaariana. E nesta ocasião, como em algumas anteriores, não faltou quem me fizesse duvidar de mim mesma. “É perigoso. Você vai sozinha sendo mulher? E o que vai fazer se acontecer alguma coisa com você no meio de tanta pobreza? Deveria ir com um companheiro...”

Mais informações
Como viajar com o seu cachorro
As melhores praias da Europa
Quais são as 10 melhores ruas da Europa?
Toda a Europa com uma passagem
Que tipo de viajante você é?

Dá raiva ver que num país como a Espanha, onde nossas antecessoras lutaram tanto pela igualdade de direitos, a capacidade de uma mulher de viajar sozinha ainda seja questionada. Mas como você deve saber, no século V já batíamos pés pelo mundo: naquela época, uma freira chamada Egeria viajou de onde hoje é El Bierzo, na Espanha, até a Mesopotâmia sem sofrer nenhum percalço. E narrou as experiências num diário. Do mesmo jeito que sempre houve escritoras, pintoras, cientistas... surpresa! Também houve viajantes e exploradoras.

Viajar hoje é mais fácil do que nunca porque temos inúmeras comodidades. O primeiro passo, o que faz você cruzar a porta da sua casa, é o mais difícil. Mas se você tem dúvidas ou precisa de apoio moral para tomar uma decisão, vou lhe contar algumas coisas que aprendi viajando sozinha e que talvez vão ajudá-la a se jogar de uma vez por todas. Sabe qual a primeira coisa que você aprenderá quando fizer isso? A acreditar em si mesma, pois terá mostrado que pode cumprir aquilo que propõe.

1. Ir do menos ao mais

Se você nunca viajou sozinha e tem um pouco de medo, tente primeiro um destino fácil, como um passeio por algumas cidades do interior. Uma vez vencido o medo inicial, você se soltará. E talvez, em menos tempo do que imagina, ficará surpresa ao ver-se numa aldeia remota do Laos celebrando o ano novo regado a whisky de arroz destilado artesanalmente.

Lola Hierro

2. Levar pouca bagagem

Invejo as mochilas ultraleves de muitos amigos que vão em frente com uma escova de dente, um sabonete, duas mudas de roupa e algo mais. Nós temos mais necessidades: o depilador elétrico, o secador, a chapinha, a maquiagem... mas deixe de lado todas essas coisas e fique com o essencial. Até porque vai dar no mesmo levar essa tralha, pois na estrada você acabará se desfazendo do excesso. Portanto, é sério: melhor deixar em casa essa chapinha alisadora tão bonita que a sua irmã lhe deu se não quiser que ela acabe em algum hostel da Tailândia.

3. Precaução, amiga

Este é um conselho 100% para mulheres. Há produtos que não são fáceis de encontrar dependendo do lugar. Os preservativos e os absorventes podem até existir, mas encontrar absorvente interno é uma missão impossível em países com a Índia. Por garantia, leve um bom carregamento se acha que vão fazer falta e lembre que talvez precisará tirar algo da mochila para incluir essas coisas que são realmente importantes. O mesmo vale para os medicamentos: de paracetamol a pílula contraceptiva ou qualquer tratamento que esteja fazendo, certifique-se de levar um kit completo. Vai salvá-la de muitos apuros.

4. Não se fantasiar

Não precisa se vestir de Indiana Jones ou outro personagem do gênero. Uma coisa é levar roupa confortável e poupar bugigangas na mala; outra bem diferente é fazer papel de ridículo. Se no seu dia-a-dia você não usa botas de montanha, por que usá-las se não vai escalar nenhuma? Eu volto à Tanzânia neste verão e, como não pretendo subir o Kilimanjaro, vou com jeans e sapatinhos baixos.

5. Viver desconectada do mundo

Só percebi minha dependência das redes sociais quando me vi no meio da Etiópia sem um risquinho de sinal de cobertura. Fiquei ansiosa. E não era tanto por medo do tédio, e sim por medo de estar sozinha. Se for visitar um destino remoto, tenha em mente que talvez não possa usar o celular/tablet ou notebook para ver filmes, ler ou escrever um relato. Parece clichê, mas quando você não tem outra opção a não ser falar consigo mesma durante dias, tomar decisões sozinha e não poder culpar ninguém por seus erros, você acaba se conhecendo muitíssimo melhor. E isso faz muito bem.

Em lugares como este NÃO há Internet. Cratera do Ngorongoro, Tanzania. Abril de 2015.
Em lugares como este NÃO há Internet. Cratera do Ngorongoro, Tanzania. Abril de 2015.

6. Seja um pouco precavida

Viajar sem destino soa romântico, mas na hora da verdade não é nada prático. A não ser que tenha experiência de mil anos viajando sozinha e muitíssimos recursos —e neste caso não estaria lendo este artigo. Não é preciso planejar o trajeto milimetricamente, pois isso tiraria boa parte do encanto. Mas há medidas clássicas, como se informar sobre o contexto econômico e político do lugar que vai visitar, sobre as vacinas e os vistos necessários, os costumes e as facilidades e dificuldades que as mulheres têm ao transitar por esses lugares. Coletar essa informação vai economizar muito tempo e dinheiro.

7. Assumir que nenhuma viagem é perfeita

Nem é como você tinha previsto, apesar do que o ponto anterior diz sobre a previsão e desses blogs de meninas que viajam e dão a impressão de que a vida delas é uma fazendinha de pôneis. Mas nem por isso a viagem é pior. É preciso abrir a cabeça e não ficar zangada nem deprimida se as coisas não saem como planejado. Talvez o desfecho acaba sendo melhor do que a gente esperava. E se você não pode evitar um revés na vida, pelo menos resta a satisfação de ter subido de nível na escala da autossuficiência.

8. Relativizar

Quando você já deu uns bons passeios e viveu contextos muito diferentes, aprende a colocar as coisas no seu devido lugar. É positivo deixar de se preocupar com assuntos que antes lhe pareciam cruciais, como a última declaração do político da vez ou o meio quilo a mais que você arrasta desde o Natal. Sua mente ficará mais limpa e terá espaço para outros assuntos que andavam esquecidos e que de fato merecem a sua atenção. Já pensou em quanto tempo passou desde que você teve uma longa conversa com sua mãe ou visitou seu sobrinho? Na Etiópia, por exemplo, falei pelo Skype com meu irmão mais do que conversei com ele em todos os meses anteriores.

9. Manter a calma

Pode lhe acontecer de tudo durante uma viagem, e enfrentar as coisas ruins sem companhia é bem mais difícil. Mas no final os problemas sempre são resolvidos, de uma maneira ou de outra. Viajar sozinha nos ensina a encarar os problemas com serenidade. Até porque não temos outra escolha. Se a sua bagagem é extraviada durante um voo, você encontra paciência no aeroporto para conseguir que a localizem e compra o necessário para sobreviver. Se roubam tudo o que tem, você vai à embaixada para que lhe socorram. Se fica perdida, aprende a se relacionar com os seus semelhantes e pedir ajuda. Tudo tem solução, menos a morte.

10. Confiar nas pessoas

Nem todos querem estuprar/matar/roubar/enganar você. Se viaja sozinha, vai acabar se relacionando, pois não pode passar toda a viagem sem abrir o bico. Temos uma visão muito distorcida do que existe lá fora, e nos educaram com a conversa de que não aceitemos balas de desconhecidos. Ao viajar sozinha, você verá que muita gente se aproximará com o único interesse de conhecê-la ou ajudá-la, nada mais. E dou fé: graças às balas que aceitei, vivi experiências maravilhosas e conheci pessoas que hoje estão entre os meus amigos mais queridos.

11. Deixar os preconceitos em casa

A vida não é só como vemos nos noticiários. A África não é pobre e nada mais. Para começar, não é um país, e sim 54 (55 se contamos o Saara). Alguns têm guerras, fome e pobreza, mas outros não. Os muçulmanos não são terroristas. E há punks na Birmânia, não só monges budistas. Prepare-se para abrir bem os olhos e absorver tudo o que o mundo quiser lhe mostrar. Somos 7 bilhões de pessoas fazendo coisas ao mesmo tempo. Existe muito mais variedade do que nosso entorno nos fez pensar.

12. Livre-se de homens inconvenientes

Embora tenhamos deixado claro que nem todo mundo vai querer roubar/matar/violar ou enganar você, também é certo que uma mulher sozinha chama muito mais a atenção do que outra que não está. Sobretudo em países onde não é comum que as mulheres sejam independentes. Além disso, existem homens chatos em todo lugar. Se o seu instinto avisa que é para desconfiar, o melhor é ignorar todos esses cantos de sereio. Mas também existem outros truques. É útil usar óculos escuros para evitar o contato visual, por exemplo, e fones de ouvido como se estivesse escutando música. Quando usar o transporte público, ponha-se a ler e escrever. Inventar um marido é muito comum: no Marrocos e na Índia, eu e meu companheiro de viagem usamos alianças. E lembre-se: se você tiver que espantar algum desses caras, seja educada mas firme.

13. Misturar-se é mais fácil quando você é mulher

Em geral, aproximar-se de todo mundo é mais simples quando você vai por sua conta do que estando com um par ou em grupo. Nós, mulheres, ainda temos que nos resignar por sermos consideradas sexo frágil, mas podemos encontrar vantagens nesse suposto caráter indefeso. Ao vê-la sozinha, muita gente vai querer lhe oferecer ajuda, convidá-la para suas casas, auxiliá-la a encontrar o que precise ou se ocupará de você. Além disso, em países onde as mulheres têm uma independência muito restringida e não falam com homens, você poderá aproveitar a sua condição feminina para derrubar esse muro e se aproximar delas.

14. Não é mais corajoso quem mais viaja sozinho

Estamos imersos numa época que exalta o individualismo, e parece que todos temos que demonstrar como gostamos de ir sozinhos pela vida, como se isso nos tornasse mais fortes, corajosos e valiosos, dignos de admiração. Mas isso nem sempre vale para todo mundo e não funciona em todos os momentos da vida. Viajar sozinha me ensinou que não gosto de estar sozinha sempre, ou tanto como pensava. Existem momentos em que o corpo talvez lhe peça, mas há outros em que simplesmente você não está a fim, não gosta, fica deprimida e entediada. E tudo bem. Ninguém é obrigado a viajar sozinho se não tem vontade. Isso é manter as aparências. O melhor é ser sincero consigo mesmo antes de embarcar em qualquer aventura e pensar bem se é o que deseja ou se simplesmente não é a hora. Talvez não seja mais corajoso aquele que passou mais tempo viajando sozinho pelo mundo, e sim o que tem o valor de se olhar no espelho e reconhecer partes de sua personalidade que não queria ver até agora.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_