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Política de incentivo ao parto normal esbarra em resistência de médicos

Norma para deter 'epidemia' de cirurgias também se choca com resistência de mulheres

Astaffolani (Wikimedia Common (Arquivo))

As novas regras criadas pelo Brasil para tentar diminuir a “epidemia” de cesarianas no país, um dos campeões mundiais desse tipo de cirurgia, começaram a vigorar neste mês entrando em choque com um intenso lobby de parte dos médicos, que preferem o procedimento por ser mais rápido e viável financeiramente, e com a resistência de mulheres, por medo do parto normal ou por comodidade.

No Brasil, 55,6% dos partos acabam em cesáreas, enquanto a taxa deveria ser de, no máximo, 15%, segundo os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), por causa dos maiores riscos para bebês e mulheres. No setor privado a situação é pior: só 16 de cada 100 nascimentos são por parto normal. Com a nova norma, criada em janeiro deste ano, o país se aproxima das legislações de França e Reino Unido, onde as cesáreas também são desestimuladas.

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Pela resolução normativa 368, da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), os prestadores de serviços médicos privados agora têm que seguir um protocolo para fazer as cirurgias. As operadoras tiveram seis meses para se adequar às novas obrigações, entre elas a de informar as taxas de cesáreas feitas pelos seus hospitais e médicos credenciados sempre que solicitado. Também passa a ser necessário disponibilizar o “cartão da gestante”, onde é feito todo o registro da gestação, e se condiciona o pagamento do parto pela operadora aos médicos que apresentarem um partograma, documento onde se informa todo o desenvolvimento do trabalho de parto. Caso não seja possível realizá-lo, o médico fica obrigado a preencher um relatório médico, justificando a cesariana.

Como funciona a cesárea na França e no Reino Unido

T. B.

Na França, em 2012 a Alta Autoridade de Saúde (HAS, em francês), publicou um guia com recomendações para os casos de indicações de cesáreas. Nele, em um item sobre as "cesarianas sob demanda", o órgão afirma que "o pedido materno não é por si só uma indicação de cesárea". E diz que, nos casos em que a gestante insistir no procedimento, se avalie os motivos e os inclua em um dossiê médico. O documento recomenda ainda que a mulher seja encaminhada para acompanhamento psicológico e seja informada sobre as medidas de controle da dor no parto normal. "As informações passadas à gestante devem incluir os riscos associados à cesárea, em particular o de placenta prévia nas próximas gravidezes". Placenta prévia é uma anomalia que ocorre quando, em uma gestação, a placenta não se forma no local correto. No país, o médico também pode se recusar a realizar o procedimento por pedido da gestante, mas deve encaminhá-la para outro profissional. A França também possui uma taxa de cirurgia acima do recomendado pela OMS, ainda que muito mais baixa que a do Brasil: 20%; em metade dos casos, a operação é programada.

Na Inglaterra, entraram em vigor em 2011 novas regras que afirmam que a mulher poderá ter uma operação, mesmo sem indicação médica, caso queira (antes a regra dizia que o desejo da mulher não era um fator de indicação para o procedimento e os médicos poderiam negar). No entanto, ela também deverá ser orientada sobre os riscos e deve ter orientação de psicólogos no caso de fobia do parto, especialmente causada pelo medo da dor, algo que afeta entre 6% e 10% das gestantes do país. A taxa de cesáreas no país é de 25% - 9% delas são agendadas.

O objetivo desta última regra –principal alvo das críticas– é evitar as cesáreas agendadas, aquelas feitas antes de a mulher entrar em trabalho de parto e, portanto, antes de o bebê estar necessariamente formado por completo e pronto para nascer. Muitas mães que preferem agendar seus partos –seja por medo do parto normal ou pela comodidade de poder escolher a data de nascimento do filho e reservá-la na maternidade– têm reclamado que, com medo de terem o pagamento negado pelas operadoras, muitos médicos estão se recusando a fazer a cesárea por meio do convênio médico. Um dos nós da questão é justamente esse: se antes os médicos argumentavam que era inviável financeiramente fazer partos normais com horas de duração recebendo o que pagavam os planos de saúde, agora muitos têm exigido pagamento particular para agendar o procedimento, pelo qual cobram até 8.000 reais, de acordo com reportagem publicada pela Folha de S.Paulo.

Não há, entretanto, nenhuma proibição pelas novas regras de que cesarianas agendadas sejam feitas –seja porque muitas vezes o procedimento é necessário por motivos médicos, seja porque o código de ética médica afirma que o médico é obrigado a garantir ao paciente o direito de decidir sobre seu bem-estar. "A operadora não pode negar atendimento, portanto, se a gestante enfrentar algum problema nesse sentido, deve reclamar com a operadora e registrar a reclamação na ANS", disse ao EL PAÍS José Carlos de Souza Abrahão, diretor-presidente da ANS (leia entrevista completa). Para especialistas, não há justificativa para que as operadoras deixem de pagar pelo parto agendado. Eles dizem que o que a regra busca fazer é informar a mulher sobre os problemas relacionados com partos feitos antes da hora.

Muitas das operações são agendadas para logo depois da 37a semana de gestação, data em que o bebê deixa de ser considerado prematuro – a regra agora determina que elas aconteçam, no mínimo, na 39a semana. “Não é algo matemático. Completou 37 semanas e o bebê está pronto. Alguns estão prontos com 38 semanas, outros com 42”, diz a pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Silvana Granado, uma das coordenadoras da pesquisa Nascer no Brasil, um levantamento que avaliou o que leva as mulheres a cada tipo de parto. “O pulmão amadurece por último e o bebê que sai antes de estar pronto perde um tempo de maturação importante. Isso fez aumentar muito o número de doenças respiratórias”, acrescenta ela.

As mulheres que mesmo depois de serem informadas dos riscos optarem pela cesariana terão que assinar um termo afirmando que estão tomando a decisão de forma consciente. A Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (SOGESP) preparou um modelo do termo para ajudar os médicos. Nele, a gestante declara ter sido informada de que a cesárea representa “em condições normais maiores riscos para a mãe, sendo os mais comuns infecção, hemorragia, histerectomia [retirada do útero] e desconforto respiratório para o recém-nascido”.

"A gente não é contra as cesáreas. Elas salvam vidas de mulheres e bebês. Elas só não podem ser banalizadas como ocorre no Brasil", diz a pesquisadora da Fiocruz. "O mais importante dessas regras é que elas ajudam a promover a discussão e trazem a informação para a mulher."

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