Brasil começa a revirar intimidade de seus ídolos com novas biografias
Ao descartar censura de obras não autorizadas, Supremo reforça que “o cala boca já morreu” em nome da liberdade da expressão
Vem aí uma nova versão da biografia do cantor Roberto Carlos, escrita por Paulo César Araújo há quase 10 anos, que esteve proibida judicialmente de circular. Deve vir aí também a comentada biografia do cantor Geraldo Vandré, de Vitor Nuzzi, ao parecer dispensada por muitas editoras no passado. Serão relançadas, inclusive, a biografia do jogador Garrincha, de Ruy Castro, retirada das livrarias por conta de um acordo financeiro com as filhas do craque, e a série Perfis do Rio, de Paulo Polzonoff sobre o escritor Manuel Bandeira, igualmente recolhida. E, para quem não garantiu ainda sua cópia, em breve deverá sair a quarta edição da biografia do poeta Paulo Leminski feita por Toninho Vaz, cuja impressão tinha sido suspensa. A lista, na verdade, não tem fim.
Muitas biografias são esperadas de agora em diante no mercado editorial brasileiro, sem que nenhum biógrafo tenha que pedir autorização prévia àquele sobre quem deseja escrever. Isso porque, nesta quarta-feira, o Supremo Tribunal Eleitoral descartou, por nove votos a zero, a censura às biografias que se tentava emplacar no Brasil.
A decisão pôs fim à discussão que surgiu no país em 2012, quando a Associação Nacional dos Editores de Livros moveu uma Ação de Inconstitucionalidade questionando a permissão a herdeiros ou biografados de pedir a retirada de circulação de livros que não tenham sido autorizados por eles. Agora, quem não estiver satisfeito sobre o que se contou publicamente sobre sua vida deverá se queixar com a Justiça e, se tiver provas para sustentar suas acusações, conseguir a devida punição para os difamadores.
O argumento utilizado pelos ministros que votaram a decisão foi precisamente a liberdade de expressão, que garante constitucionalmente o direito de informar e ser informado. “É um dos mais preciosos privilégios dos cidadãos”, disse na audiência o Ministro do STF, Celso de Mello. Buscando palavras mais pragmáticas, Carmen Lúcia, primeira ministra da Casa a votar pela liberação, resumiu: “Cala a boca já morreu, quem disse foi a Constituição”.
O julgamento ganhou enorme dimensão junto à sociedade brasileira, que assistiu no passado a vários de seus ídolos se manifestarem a favor da autorização prévia. Entre os que se defendiam fortemente a privacidade dos biografados há quase três anos, quando tudo começou, estão os músicos Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque, estrelas da Música Popular Brasileira que, ao que tudo indica, devem ver em um futuro não distante versões de suas histórias de vida circulando por aí. E, claro, Roberto Carlos, que fez uma cruzada furiosa contra Roberto Carlos em detalhes – a biografia escrita pelo historiador baiano Paulo César Araújo que, amparado por uma pesquisa de anos e 175 entrevistas, menciona detalhes da vida pessoal do cantor (protegida a sete chaves), como o acidente pelo qual ele teve a perna amputada.
Tanto imbróglio valeu a pena. Uma grande maioria – não só os biógrafos, mas também profissionais do meio editorial, artistas e sobretudo leitores – comemora a decisão. Entre eles, sem dúvida, Araújo, que transformou-se em exemplo nacional ao virar réu na disputa judicial com Roberto Carlos (o escritor relata toda a experiência no livro O Réu e o Rei). “A Suprema Corte acabou hoje com esse entulho autoritário da censura prévia. Meu livro voltará. Será atualizado. A publicação anterior era de 2006, Roberto Carlos não tinha feito Esse cara sou eu. Então será uma obra ampliada e atualizada”, afirmou o escritor ao jornal O Globo, acrescentando que está aberto a negociar livremente com editores a nova edição.
Emprestando do próprio Rei o título de sua canção e acrescentando a ela a interrogação, pergunta-se: Esse cara sou eu? É possível que não, mas, para muitos, não importa. Como afirmou recentemente a cantora Maria Bethânia à Folha de S. Paulo sobre a questão: “Cada um escreve o que quer. Eu sei quem sou”.
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