Após protesto, Beto Richa troca secretário e enfrenta crise com a PM
Mudança na pasta da Educação aprofunda problemas do Governo do Paraná Secretário de Segurança fica, mas é alvo de insatisfação de policiais e professores
A violenta repressão a um protesto dos professores e servidores do Paraná há uma semana, quando mais de 200 pessoas foram feridas em Curitiba, provocou a mudança do comando da secretaria estadual de Educação e abriu uma crise entre a cúpula da Polícia Militar e a secretaria de Segurança do Estado do governo Beto Richa. No início da tarde desta quarta-feira, o secretário da Educação, Fernando Xavier Ferreira, renunciou ao cargo. No mesmo dia, o comandante-geral da PM, Cesar Kogut, e outros quinze coronéis assinaram uma carta repudiando as declarações do secretário de Segurança, Fernando Francischini, que há dois dias deu uma declaração se eximindo da responsabilidade pela ação. Ele foi mantido no cargo pelo governador Beto Richa (PSDB), apesar da pressão popular pela sua saída e das especulações em torno de sua possível demissão.
Alegando questões pessoais, segundo a nota oficial do Governo estadual, Xavier Ferreira pediu sua renúncia e cedeu o cargo para a professora Ana Seres Trento Comin, que já era a superintendente da pasta. A dificuldade em dialogar com os diversos movimentos e constante menção a cortes de gastos no setor eram apontados como características que tornaram a permanência do agora ex-secretário insustentável no cargo. Xavier Ferreira é engenheiro e vinha do setor privado, onde ocupou o posto máximo da Telecomunicações do Paraná e foi diretor geral da Itaipu Binacional.
“A nossa determinação é manter os avanços na educação e, principalmente, o diálogo. Esse é um momento delicado, que requer equilíbrio e integração com os professores”, afirmou Beto Richa, em nota divulgada no início da tarde.
A troca de comando na secretaria de Educação era uma das exigências dos professores e servidores do setor, que nesta terça-feira fizeram um novo protesto em Curitiba. “É um homem despreparado, de perfil técnico, que está a quatro meses falando de cortes sem nenhum olhar pedagógico, e se recusa a debater com movimentos e sindicatos. Estamos abrindo campanha pela queda de ambos, e não aceitaremos bodes expiatórios”, disse ao EL PAÍS o presidente da Associação dos Professores do Paraná (APP), Hermes Silva Leão, nesta terça-feira.
Já Ana Seres Trento possui um perfil mais voltado para a área, e lecionou na escola pública por 40 anos. “Quero contar com a confiança de todos os professores, alunos e pais do Paraná. Vamos trabalhar com integração e diálogo para mostrar que é possível, não apenas sonhar, mas também executar um ensino de qualidade”, disse, em comunicado.
Primeiras respostas
O Paraná enfrenta uma grave crise financeira e institucional, agravada pelo clima de tensão sem precedentes com os servidores públicos, devido às medidas de austeridade e a projetos específicos aprovados recentemente, como o que altera a previdência de diversas categorias. Agora, a manifestação do dia 29 começa a gerar os primeiros reflexos oficiais.
As primeiras medidas vieram na forma de decreto e projetos de lei. Na segunda-feira, Beto Richa assinou um documento que pretende regulamentar o uso de munições não letais pela PM para reprimir manifestações, como bombas de gás lacrimogêneo e spray de pimenta. Segundo o texto, o seu emprego que só se justificará após “esgotadas as possibilidades de verbalização ou controle de contato [imobilização]”. O texto ainda restringe o uso de balas de borracha, que só devem ser disparadas"após esgotadas as possibilidades do controle da multidão com gás ou em momentos em que “a agressão do infrator seja iminente”. Já na Assembleia Legislativa, foram apresentados três projetos de lei que pretendem proibir uso de animais em manifestações --na semana passada, um cinegrafista foi atacado por um pit bull da PM.
Beto Richa está sob pressão não somente pelo rombo nos caixas do Estado, mas também por outros escândalos de corrupção. Em Londrina, no norte do Paraná, parentes e indicações pessoais do tucano na Receita Estadual são suspeitos de ligação com diversos crimes, que vão desde corrupção ativa a abuso de menores. Por isso, a avaliação de parte da equipe do Governo estadual é de que o momento exige resposta rápida e à altura.
Segurança em crise
Quinze coronéis da Polícia Militar do Paraná, em conjunto com o atual comandante-geral, César Kogut, divulgaram uma carta em repúdio às declarações do secretário de Segurança, Fernando Francischini, que há dois dias se eximiu da responsabilidade pelas consequências da manifestação dos professores no dia 29. “Não tem justificativa. Nós lamentamos. As imagens são terríveis. Nunca se imaginava que um confronto como esse terminasse de maneira tão lastimável, com as imagens que nós vimos. Nada justifica lesões, vítimas, de ambos os lados”, declarou o secretário, mudando sua postura em relação à ação da PM. No manifesto, endereçado ao governador Beto Richa, os oficiais rebatem Fernando Francischini e alegam que o secretário participou ativamente de todas as etapas da operação, do planejamento ao plano de contenção. Apenas três policiais que detém a patente de coronel na instituição não assinaram o documento. Leia a íntegra:
CARTA AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR GOVERNADOR DO ESTADO DO PARANÁ
O Comando da Polícia Militar do Paraná, instituição sesquicentenária que labuta diariamente em prol da segurança pública do Estado do Paraná, cumprindo incansavelmente a sua missão constitucional, vem perante Vossa Excelência manifestar o seu repúdio às declarações atribuídas pela Imprensa ao Secretário de Estado da Segurança Pública, em data de 04 de maio de 2015 – e até agora não desmentidas – as quais atribuem única e tão somente à PMPR a responsabilidade pelos fatos ocorrido em 29 de abril de 2015, quando da manifestação dos professores, pelos fundamento abaixo delineados.
a) A Polícia Militar do Paraná esteve presente no dia 29 de Abril de 2015, cumprindo o seu papel constitucional de preservação da ordem pública, no intuito de garantir a ordem pública e impedir uma possível invasão à Assembleia Legislativa do Estado do Paraná, em atendimento ao interdito proibitório expedido pela Justiça paranaense, devidamente comandada, com planejamento prévio e ciente dos desdobramentos que poderia advir.
b) Que o Senhor Secretário de Segurança Pública foi alertado inúmeras vezes pelo comando da Tropa empregada e pelo Comandante-Geral sobre os possíveis desdobramentos durante a ação e que mesmo sendo utilizadas as técnicas internacionalmente reconhecidas como as indicadas para a situação, pessoas poderiam sofrer ferimentos, como realmente ocorreu, tendo sido vítimas manifestantes e policiais militares empregados na operação.
c) Que imediatamente após os fatos foi determinada a abertura de Inquérito Policial Militar para a apuração dos possíveis excessos, no sentido de serem responsabilizados todos os que tenham dado causa aos mesmos.
d O que não se pode admitir em respeito à tradição da Polícia Militar do Paraná, seus Oficiais e Praças, que seja atribuída a tão nobre corporação a pecha de irresponsável ou leviana, por não ter sido realizado um planejamento, ou mesmo que tenha sido negligente durante a operação, pois todas as ações foram tomadas seguindo o Plano de Operações elaborado, o qual foi aprovado pelo escalão superior da SESP, tendo inclusive o Senhor Secretário participado de diversas fases do planejamento, bem como é importante ressaltar que no desenrolar dos fatos o Senhor Secretário de Segurança Pública era informado dos desdobramentos.
e) O Comando e os demais integrantes da Corporação deixam claro a Vossa Excelência que nunca deixarão de cumprir o seu juramento desempenhar com honra, lealdade e sacrifício de sua própria vida, as suas obrigações, na defesa da Pátria, do Estado, da Constituição e das Leis.
Curitiba, R, 5 de Maio de 2015.
Cel. QOPM Cesar Vinícius Kogut,
Comandante-Geral da PMPR
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