Com executivos soltos, Lava Jato avançará mais lenta e entre incertezas
Prisão domiciliar tira velocidade do processo e reforça aposta em anulação da operação


"Um sopro de esperança", "o processo de volta aos trilhos", "divisor de águas", "uma correção de rumos", celebraram defensores que atuam na Operação Lava Jato quando questionados pelo EL PAÍS sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de transferir à prisão domiciliar oito executivos e um dono de empreiteira presos em Curitiba desde novembro. O alívio se justifica: a decisão da Segunda Turma do STF foi encarada como a grande vitória dos criminalistas até agora e marca um novo capítulo no caso Petrobras, que, a partir de agora, deve avançar de forma mais devagar e em meio a incertezas quanto à validade das provas colhidas por meio dos acordos de delação premiada e sobre a possibilidade da prescrição de algumas ações penais.
Os advogados de defesa da Lava Jato reclamam há meses sobre a forma como a operação vem sendo conduzida pelo juiz Sergio Moro, em Curitiba. Para eles, os acordos de delação vinham sendo utilizados como uma forma de "tortura legal", já que, até esta semana, os acusados só ganharam a liberdade depois de concordar em colaborar com a Justiça — foram fechados 15 acordos. Após conduzir o caso com independência, Moro teve na decisão do STF o primeiro grande contraponto a sua conduta. Agora, advogados como Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende três senadores e a ex-governadora Roseana Sarney na Lava Jato, que já apostavam na possibilidade de anular provas colhidas por meio das delações, reforçam essa convicção. Segundo ele, essa é apenas uma das várias arbitrariedades cometidas por Moro no processo.
Na decisão desta terça-feira, o ministro Teori Zavascki destacou que "seria extrema arbitrariedade manter a prisão preventiva como mecanismo para extrair do preso uma colaboração premiada, que, segundo a Lei, deve ser voluntária". Zavascki teve o cuidado, contudo, de ressalvar que "certamente passou longe da cogitação do juiz de primeiro grau [Moro] e dos Tribunais que examinaram o presente caso" prender os empreiteiros para pressioná-los a colaborar. Mas, ao longo da operação, o procurador da República Manoel Pestana chegou a defender as prisões preventivas porque “passarinho pra cantar precisa estar preso”.
Segundo o professor da FGV Direito Rio Thiago Bottino, o voto de Zavascki, que foi seguido pelos colegas Gilmar Mendes e Antonio Dias Toffoli, passa uma mensagem clara, de que o STF não se deixa pressionar pelo Ministério Público ou pela opinião pública, e também de que não permitirá esse procedimento de pressão para acordos de delação. E, apesar de Zavascki dizer que não enxerga essa intenção na conduta de Moro, as provas colhidas como fruto de delação podem vir a ser anuladas caso os advogados consigam provar que os acusados só aceitaram colaborar sob pressão. Após a vitória dos advogados no STF, aliás, os questionamentos da defesa à Corte Suprema devem aumentar.
Para o criminalista Fernando Castelo Branco, que representa uma empresa estrangeira no caso, as consequências diretas da soltura dos empreiteiros devem ser maior lentidão no processo e o decréscimo na quantidade de novas delações, o que pode servir como prova de que o prêmio pela colaboração estava sendo usado como fator de opressão. "Isso pode levar até a eventuais alegações de nulidade, o que, independente de interesses na causa, seria muito triste, um desserviço para o Estado democrático brasileiro", diz Castelo Branco. Não bastasse o revés, o juiz Sergio Moro se viu forçado a soltar na semana passada a cunhada do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, por possivelmente tê-la confundido com a mulher de Vaccari em vídeo que provaria conduta suspeita.
Nulidade
A anulação de uma grande operação policial está longe de ser novidade no Brasil. Nos últimos anos, caíram em instâncias superiores investigações como Castelo de Areia e Satiagraha, a primeira por ter sido baseada em denúncia anônima, e a segunda pela participação indevida — na avaliação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, posteriormente, do STF — da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Essas e outras sete operações anuladas, como Chacal, Boi Barrica e Banestado, são analisadas em uma dissertação de mestrado do procurador da República Diogo Castor de Mattos, que compõe a força-tarefa da Lava Jato, como noticiou o site jurídico Jota.
No estudo, intitulado “A seletividade penal na utilização abusiva do habeas corpus dos crimes do colarinho branco” e defendido no fim de fevereiro no Programa de Mestrado em Ciência Jurídica da Universidade da Estadual do Norte do Paraná, Mattos identifica nas decisões uma afronta ao interesse público e violações do princípio da proporcionalidade “por admitir anulação de ações penais inteiras envolvendo gravíssimos crimes que desviaram milhões de reais em recursos públicos por máculas aparentemente insignificantes”.
A decisão do STF e o histórico recente de anulações levam a questionamentos sobre o futuro da Lava Jato, mas o professor de processo penal da Universidade de São Paulo (USP) Gustavo Badaró diz que é prematuro falar em anulação. "A decisão do STF mostra que o sistema jurídico brasileiro está em pleno funcionamento. O tribunal superior apenas teve um entendimento diferente daquele das instâncias inferiores", diz Badaró, acrescentando que, em um ambiente polarizado, quem estiver de um lado vai aproveitar para dizer que a operação deve ser anulada, enquanto, do outro lado, a prisão domiciliar dos empreiteiros servirá para afirmar que tudo sempre acaba em pizza.
A questão, agora, é saber quantos entendimentos diferentes do juiz Moro o STF terá daqui para a frente, com a tendência de um aumento dos questionamentos dos defensores ao Supremo. No início de abril, a defesa do diretor da Galvão Engenharia Erton Medeiros pediu que o STF anule o acordo de delação premiada do doleiro Alberto Youssef. O acordo foi avalizado no próprio STF em dezembro, por Zavascki, e, segundo os advogados de Medeiros, seria ilegal, pois desconsiderou uma quebra de acordo do próprio doleiro no escândalo do Banestado, em que ele teria omitido informações para a investigação.
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