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carnaval
Coluna
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Alalaô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô!

Não é a primeira vez que o carnaval do Rio de Janeiro serve de vitrine para tentar melhorar a imagem de países corruptos, como a Guiné Equatorial

Obiang, o presidente da Guiné Equatorial, assiste ao desfile da Beija Flor, no sambódromo do Rio.
Obiang, o presidente da Guiné Equatorial, assiste ao desfile da Beija Flor, no sambódromo do Rio.Felipe Dana (AP)

Ex-colônia da Espanha, em 1968 a Guiné Equatorial, um território descontínuo de 28 mil quilômetros quadrados, formado por ilhas e um pequeno enclave continental na África Ocidental, tornou-se independente. Apoiado pelo ditador espanhol Francisco Franco, o general Francisco Macías Nguema venceu as eleições com a promessa de tirar o povo da miséria. No entanto, cinco anos depois declarou-se presidente vitalício e assumiu os cargos de primeiro-ministro e ministro do Exército, Justiça e Finanças.

O regime de opressão de seu governo diminuiu a população do país pela metade – parte imigrou, parte se exilou e parte foi assassinada (cálculos conservadores elevam esse número a cerca de 50 mil pessoas mortas em uma década). Entre suas bizarrices estão a interdição do uso da palavra “intelectual” e a proibição da pesca num país literalmente imerso nas águas do Oceano Atlântico. Em 1979, seu sobrinho, Teodoro Obiang, liderou um golpe de estado: Macías Nguema refugiou-se na floresta e lá destruiu as reservas monetárias nacionais. Quando pego, foi condenado à morte após julgamento sumário. Os guineenses tinham tanto medo dele que nenhum membro do exército aceitou participar do fuzilamento, serviço executado por soldados marroquinos.

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No entanto, como observou Karl Marx em seu O 18 Brumário de Luís Bonaparte, citando e revisando Hegel, “todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem (...) duas vezes. (...) a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.

Em 1996, o país, até então exportador de cacau, café e madeira para a Europa, descobriu uma imensa jazida de petróleo e em poucos anos tornou-se o terceiro maior produtor da África, quase meio barril diário por habitante, o que elevou a renda per capita a 20 mil dólares por ano, maior que a de qualquer nação da América Latina e de alguns países da Europa. No entanto, 98% dessa riqueza se concentra nas mãos da elite governante, sendo que três quartos da população encontram-se abaixo da linha da pobreza.

O ranking da Transparência Internacional coloca a Guiné Equatorial em 12º lugar entre os mais corruptos do mundo. Embora haja eleições, não existe oposição – o presidente sempre obtém mais de 95% do total dos votos. A expectativa de vida é de apenas 50 anos e somente 43% da população tem acesso à água potável e 52% a redes de esgoto. A taxa de mortalidade infantil é de 75 por mil habitantes (a do Brasil é de 20), existem dois leitos hospitalares para cada mil habitantes e a taxa de desemprego da população economicamente ativa sobe a 22% (no Brasil gira em torno de 6%).

A esta altura, você, leitor, deve estar se perguntando: onde este articulista deseja chegar? Pois bem, às 23:10 de segunda-feira, uma das mais prestigiosas escolas de samba do Rio de Janeiro, a Beija-Flor de Nilópolis, entrou no sambódromo sustentando o enredo “Um griô conta a história: um olhar sobre a África e o despertar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a trilha da nossa felicidade”, patrocinado por Teodoro Obiang, que pagou, segundo reportagem de O Globo, 10 milhões de reais (cerca de três milhões e meio de dólares) para ver exaltado o seu país. Muito dinheiro para a população miserável da Guiné Equatorial, mas apenas alguns trocados para o ditador, cuja fortuna pessoal, incalculável, é estimada na casa dos 600 milhões de dólares.

O ranking da Transparência Internacional coloca a Guiné Equatorial em 12º lugar entre os mais corruptos do mundo

Seu primogênito, e vice-presidente, Teodoro Nguema Obiang Mangue, conhecido como Teodorin, acumula inúmeros problemas com a Justiça, ao redor do mundo. Em 2013, teve que sair correndo do Brasil, onde, em Salvador, saiu no bloco Ilê Aiyê (que, curiosamente, tinha como tema de desfile “Guiné Equatorial – da herança pré-colonial à geração atual”), para escapar de um mandado de prisão expedido pela Justiça francesa, que o acusa de lavagem de dinheiro e desvio de recursos públicos estrangeiros. Em fins do ano passado, para fugir de um processo na justiça norte-americana, ele fez um acordo no valor de 30 milhões de dólares e ainda entregou uma mansão em Malibu e seis estátuas, em tamanho natural, de Michael Jackson. No Brasil, há suspeitas de que Teodorin possua apartamentos em São Paulo (na região dos Jardins) e no Rio de Janeiro (em Ipanema).

Não é a primeira vez, e nem será a última, que o carnaval do Rio de Janeiro, um dos espetáculos de maior visibilidade do mundo, serve de vitrine para tentar melhorar a imagem de países corruptos. Em 2006 e 2012, a estatal de petróleo da Venezuela e o governo de Angola, respectivamente, patrocinaram a escola de samba Unidos de Vila Isabel: os dois países disputam, segundo a Transparência Internacional, o sétimo lugar entre as nações mais corruptas – conseguem se situar abaixo da Guiné Equatorial... Mazelas do terceiro mundo, comentará o leitor esclarecido, dando de ombros. O que eu tenho com isso, perguntará a maioria, enfadada, preparando-se para finalmente começar o ano de 2015 nesta terra abençoada por Deus e bonita por natureza.

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