Alalaô, ô, ô, ô, ô, ô, ô, ô!
Não é a primeira vez que o carnaval do Rio de Janeiro serve de vitrine para tentar melhorar a imagem de países corruptos, como a Guiné Equatorial
Ex-colônia da Espanha, em 1968 a Guiné Equatorial, um território descontínuo de 28 mil quilômetros quadrados, formado por ilhas e um pequeno enclave continental na África Ocidental, tornou-se independente. Apoiado pelo ditador espanhol Francisco Franco, o general Francisco Macías Nguema venceu as eleições com a promessa de tirar o povo da miséria. No entanto, cinco anos depois declarou-se presidente vitalício e assumiu os cargos de primeiro-ministro e ministro do Exército, Justiça e Finanças.
O regime de opressão de seu governo diminuiu a população do país pela metade – parte imigrou, parte se exilou e parte foi assassinada (cálculos conservadores elevam esse número a cerca de 50 mil pessoas mortas em uma década). Entre suas bizarrices estão a interdição do uso da palavra “intelectual” e a proibição da pesca num país literalmente imerso nas águas do Oceano Atlântico. Em 1979, seu sobrinho, Teodoro Obiang, liderou um golpe de estado: Macías Nguema refugiou-se na floresta e lá destruiu as reservas monetárias nacionais. Quando pego, foi condenado à morte após julgamento sumário. Os guineenses tinham tanto medo dele que nenhum membro do exército aceitou participar do fuzilamento, serviço executado por soldados marroquinos.
No entanto, como observou Karl Marx em seu O 18 Brumário de Luís Bonaparte, citando e revisando Hegel, “todos os fatos e personagens de grande importância na história do mundo ocorrem (...) duas vezes. (...) a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa”.
Em 1996, o país, até então exportador de cacau, café e madeira para a Europa, descobriu uma imensa jazida de petróleo e em poucos anos tornou-se o terceiro maior produtor da África, quase meio barril diário por habitante, o que elevou a renda per capita a 20 mil dólares por ano, maior que a de qualquer nação da América Latina e de alguns países da Europa. No entanto, 98% dessa riqueza se concentra nas mãos da elite governante, sendo que três quartos da população encontram-se abaixo da linha da pobreza.
O ranking da Transparência Internacional coloca a Guiné Equatorial em 12º lugar entre os mais corruptos do mundo. Embora haja eleições, não existe oposição – o presidente sempre obtém mais de 95% do total dos votos. A expectativa de vida é de apenas 50 anos e somente 43% da população tem acesso à água potável e 52% a redes de esgoto. A taxa de mortalidade infantil é de 75 por mil habitantes (a do Brasil é de 20), existem dois leitos hospitalares para cada mil habitantes e a taxa de desemprego da população economicamente ativa sobe a 22% (no Brasil gira em torno de 6%).
A esta altura, você, leitor, deve estar se perguntando: onde este articulista deseja chegar? Pois bem, às 23:10 de segunda-feira, uma das mais prestigiosas escolas de samba do Rio de Janeiro, a Beija-Flor de Nilópolis, entrou no sambódromo sustentando o enredo “Um griô conta a história: um olhar sobre a África e o despertar da Guiné Equatorial. Caminhemos sobre a trilha da nossa felicidade”, patrocinado por Teodoro Obiang, que pagou, segundo reportagem de O Globo, 10 milhões de reais (cerca de três milhões e meio de dólares) para ver exaltado o seu país. Muito dinheiro para a população miserável da Guiné Equatorial, mas apenas alguns trocados para o ditador, cuja fortuna pessoal, incalculável, é estimada na casa dos 600 milhões de dólares.
O ranking da Transparência Internacional coloca a Guiné Equatorial em 12º lugar entre os mais corruptos do mundo
Seu primogênito, e vice-presidente, Teodoro Nguema Obiang Mangue, conhecido como Teodorin, acumula inúmeros problemas com a Justiça, ao redor do mundo. Em 2013, teve que sair correndo do Brasil, onde, em Salvador, saiu no bloco Ilê Aiyê (que, curiosamente, tinha como tema de desfile “Guiné Equatorial – da herança pré-colonial à geração atual”), para escapar de um mandado de prisão expedido pela Justiça francesa, que o acusa de lavagem de dinheiro e desvio de recursos públicos estrangeiros. Em fins do ano passado, para fugir de um processo na justiça norte-americana, ele fez um acordo no valor de 30 milhões de dólares e ainda entregou uma mansão em Malibu e seis estátuas, em tamanho natural, de Michael Jackson. No Brasil, há suspeitas de que Teodorin possua apartamentos em São Paulo (na região dos Jardins) e no Rio de Janeiro (em Ipanema).
Não é a primeira vez, e nem será a última, que o carnaval do Rio de Janeiro, um dos espetáculos de maior visibilidade do mundo, serve de vitrine para tentar melhorar a imagem de países corruptos. Em 2006 e 2012, a estatal de petróleo da Venezuela e o governo de Angola, respectivamente, patrocinaram a escola de samba Unidos de Vila Isabel: os dois países disputam, segundo a Transparência Internacional, o sétimo lugar entre as nações mais corruptas – conseguem se situar abaixo da Guiné Equatorial... Mazelas do terceiro mundo, comentará o leitor esclarecido, dando de ombros. O que eu tenho com isso, perguntará a maioria, enfadada, preparando-se para finalmente começar o ano de 2015 nesta terra abençoada por Deus e bonita por natureza.
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