“Ela tinha 43 anos e queria ter um filho com ele”

O mediador da inseminação da esposa de um cubano preso nos EUA explica como o gesto ajudou no degelo com Cuba

Adriana Pérez e o agente cubano Gerardo Hernández em Havana.A. E. (EFE)

O degelo entre os Estados Unidos e a China nos anos setenta remete à diplomacia do pingue-pongue: as visitas recíprocas de equipes de tênis de mesa norte-americanas e chinesas abriram caminho para a visita do presidente Richard Nixon a Pequim. A reconciliação entre os EUA e Cuba deixa para a posteridade outro gesto que contribuiu para desanuviar o ambiente: a diplomacia da gravidez. A inseminação artificial da esposa de um cubano preso nos EUA foi um pequeno detalhe que facilitou o clima de entendimento, que na quarta-feira passada resultou na troca de prisioneiros e no anúncio da abertura de relações diplomáticas entre Washington e Havana.

Gerardo Hernández é um dos cubanos condenados à prisão perpétua em 2011 na Flórida por espionagem. Ele e dois companheiros foram trocados na quarta-feira por Alan Gross, o cooperante norte-americano condenado por subversão, e um espião dos EUA –o cubano Rolando Sarraff Trujillo, segundo vários indícios—presos na ilha há cinco e 20 anos, respectivamente.

Quando Hernández voltou a Cuba chamaram a atenção as imagens de sua esposa, Adriana Pérez, visivelmente grávida. De quem é o filho? “Meu”, disse Hernández, segundo o The New York Times, que revelou a história. Como isso foi possível, se ele estava em uma prisão nos EUA e ela em Cuba?

O responsável pelo milagre é Tim Rieser, de 62 anos, até então um desconhecido assessor do veterano senador democrata Patrick Leahy. Sem os trâmites e conexões de Rieser, a reaproximação com Havana teria sido muito mais árdua, e o casal Hernández-Pérez não estaria esperado um bebê. “[A gravidez] ajudou a criar um clima melhor entre os Governos para as negociações”, afirmou Rieser ao EL PAÍS.

O assessor, que trabalha desde 1985 para o senador e se encarrega de um amplo portfólio de assuntos orçamentários no exterior, lembra bem do encontro com a esposa de Hernández em fevereiro de 2013, em Havana.

Nessa viagem à ilha, ele e o senador Leahy se reuniram com o presidente cubano Raúl Castro, com quem haviam se encontrado um ano antes e conheciam há muito tempo, como a seu irmão Fidel. “[A esposa do preso] fez uma súplica, chorando, ao senador Leahy e à sua esposa”, recorda Rieser. “Tinha 43 anos, queria desesperadamente ter um filho e não alimentava nenhuma expectativa de que o marido chegasse a sair da prisão”.

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Leahy e sua esposa simpatizaram com a causa de Pérez e decidiram ajudá-la. Já fazia três anos que o Governo cubano mencionava o caso em seus encontros oficiais com os EUA.

“Foi puramente um gesto humanitário. Não pedimos nada em troca, mas desejávamos que os cubanos fossem recíprocos e melhorassem as condições de Gross”, disse Rieser.

Como tantas vezes, a missão caiu nas mãos desse especialista em operações discretas que permitem resolver questões que vão desde a situação dos direitos humanos no Egito até o orçamento do Departamento de Estado, passando pela luta contra as minas terrestres.

Na volta de Rieser aos EUA, o Escritório de Prisões lhe comunicou que era impossível autorizar uma visita de Pérez à prisão de seu marido na Califórnia na qual tiveram contato direto. Após descobrir um caso anterior bem sucedido, o assessor se mobilizou para conseguir a aprovação para uma inseminação artificial.

Os trâmites foram difíceis, mas finalmente conseguiu a autorização dos Departamentos de Estado e de Justiça para que uma amostra do esperma de Hernández fosse levada para o Panamá para inseminar sua esposa.

Rieser desconhece quem se encarregou de recolher e transportar a amostra, mas sugere terem sido diplomatas cubanos nos EUA. “Entenderam”, explica em alusão ao Departamento de Estado e Justiça, “que era puramente uma solicitação humanitária, e que poderia ajudar em nossos esforços para melhorar as condições de Gross”.

Leahy (à esquerda) com RieserSenado EUA

Pérez engravidou há oito meses e meio, e realizará seu desejo de dar à luz ao lado de seu marido, algo impensável pouco tempo antes. Paralelamente, as condições do ajudante detido em 2009 prosperaram: começou a dormir com a luz apagada, e teve acesso a um computador e a um telefone.

No último ano, Rieser viajou duas vezes para Cuba e falou semanalmente por telefone com Gross, três anos mais velho do que ele. Seu objetivo era suavizar o desânimo do homem, que em abril sugeriu que poderia suicidar-se e cuja saúde deteriorava-se rapidamente.

O senador Leahy viajou na quarta-feira no avião que pegou Gross em Cuba e o trouxe de volta aos EUA. Rieser o esperava na base militar em que aterrissou. Os dois se abraçaram. Agora que os dois vivem nos arredores de Washington, prevê manter o contato com Gross.

Rieser, sempre modesto e mais confortável na sombra do que debaixo dos holofotes, minimiza seu trabalho pessoal para aplainar a reconciliação entre Washington e Havana. “Nada disso teria sido possível sem o senador Leahy, sem suas conversas com o presidente Obama”.

Diplomacia médica

Os trabalhos para melhorar o clima de entendimento entre Cuba e os Estados Unidos foram conseguindo pequenas vitórias. No ano passado, Tim Rieser, o assessor democrata fundamental no acordo, conseguiu a aprovação do Escritório de Prisões e do Departamento de Estado para que Ramón Labañino – um dos espiões presos nos EUA desde 1998 – recebesse a partir de 2013 um medicamento para suavizar a artrite que sofre nos joelhos, e que não estava autorizado nas prisões dos EUA.

O pedido não foi feito em Havana, mas em Washington. Representantes da Seção de Interesses de Cuba pediram “ajuda” a Rieser. “Levou vários meses, porque a burocracia leva tempo. Mas tínhamos receitas de médicos em Cuba e nos EUA que diziam que o medicamento poderia ajudá-lo”, recorda.

A entrega de medicamentos foi fundamental para que Cuba aceitasse, a pedido de Rieser, que médicos norte-americanos visitassem no ano passado Alan Gross em sua cela, preso na ilha desde 2009 e cuja saúde era frágil. A morte de Gross teria acabado com qualquer aproximação de Washington com Havana, segundo aviso do secretário dos EUA, John Kerry, para seu homólogo cubano, no verão.

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