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MEDO À LIBERDADE
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Do céu ao inferno em 45 dias

Após um momento de glória, o México atravessa o momento mais amargo em décadas

Quando Enrique Peña Nieto assistiu em 26 de setembro à comemoração do Dia Mundial do Turismo em Guadalajara (Jalisco), ainda ressoavam em seus ouvidos os elogios pelas reformas que haviam lhe dado o prêmio de “estadista do ano”. Como iria imaginar que, a 300 quilômetros da capital do país, que lhe custa tanto governar, começava a acontecer um dos episódios que marcarão seu mandato de maneira definitiva. Em Iguala, 43 jovens foram sequestrados na noite daquela sexta-feira e outras seis pessoas, assassinadas.

Não existe nenhum grande veículo de imprensa internacional que não tenha publicado a história e não existe ninguém que possa ignorar um fato evidente: o México atravessa (depois de ter vivido seu momento de maior glória em anos) o período mais amargo e triste das últimas décadas. Existem muitas razões que explicam essa sensação e muitas novas realidades. Assim como nos tempos da “insustentável leveza do ser”, Milan Kundera mostrava como era fácil esmagar a liberdade com tanques, os governantes atuais deveriam saber que as redes sociais dificultam o exercício do poder. No caso mexicano, além da desigualdade social comum a outros países da América Latina, a violência e o pacto para não pedir responsabilidades políticas para o presidente anterior transformou Peña Nieto em credor não somente de seus próprios mortos e desparecidos, mas também dos herdados do mandato de Felipe Calderón. O custo foi alto, por exemplo o turismo em Acapulco (um dos principais focos do país) caiu 60%. Como se não fosse pouco, o Governo parece esquecer que sua maior dificuldade durante a última eleição presidencial foram os mesmos estudantes que agora vão para as ruas e pedem justiça.

Não existe Governo no mundo que tenha conseguido resistir bem aos novos desafios. Pesa muito a consciência de fim de ciclo e de ser parte, corrupto ou não, de um sistema endemicamente corrompido que oferece desigualdade, insatisfação e incapacidade. No continente (e o tempo agora já desapareceu do cenário político), o erro foi não articular soluções que diminuíssem as diferenças sociais que carcomem as entranhas e impossibilitam governar em muitos países. A democracia formal se consolidou na região. Mas a influência sobre as pessoas não pode manter-se quando diariamente, lembrando só o que acontece na Espanha, são vistos camburões cheios de políticos corruptos em um sistema que parece incapaz já não só de evitar essas práticas, como de sancioná-las. O escândalo é maior a cada dia que passa.

Com um Executivo mexicano sem autoridade moral, sem ter feito um corte claro e sem ter entendido a grande lição das guerras sujas da ditaduras militares sul-americanas, o quadro é muito difícil de ser composto. Primeiro, existe um convencimento majoritário de que a corrupção é generalizada e mediatiza toda a vida nacional. Segundo, é inconcebível que, na busca pelos estudantes, sejam encontrados outros 70 cadáveres em diversas valas. Isso somente leva à conclusão de que no México não existe um registro nacional de desparecidos e de encontrados, nem investigação sobre as vítimas.

A invasão das ruas e das redes sociais remete ao mesmo exemplo da fracassada primavera árabe: a nova política e o clamor social servem para derrubar, mas não ainda para construir. E agora? Será muito difícil restaurar um mínimo de confiança. Talvez o problema da política, de Iguala, de Peña Nieto, da Petrobras e de Dilma Rousseff é que tentam arrumar e preservar, enquanto os novos tempos exigem mudanças. Ou seja, derrubar e voltar a construir a casa. Não vivemos um fenômeno desconhecido na história política: esses ventos e aqueles barros trouxeram o lodo do fascismo e o aniquilamento dos sistemas políticos que eram espaços de liberdade.

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Com seu ambicioso plano de reformas, o Governo de Peña Nieto mexeu em interesses estruturais e muito poderosos. Nunca saberemos qual parte do clamor das ruas é resposta dos poderes fáticos a essa tentativa de mudar tudo. O que sabemos é que, depois de desaparecer com 43 normalistas e demorar quase 40 dias para dar explicações, é muito difícil convencer a população não só a obedecer as leis e pagar impostos, como em ter fé em um sistema que vive um referendo cada vez que uma tuitada começa a circular e, o que é pior, mostra diariamente a perda do rumo da iniciativa política.

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