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Reações à infidelidade

Sentimentos habituais incluem perdão, culpa, desconfiança e ressentimento crônico Para superar a dor inicial da traição, é preciso compreender e assumir a natureza humana

Ilustração de Anna Parini

Ligou o computador, como faz toda manhã. Na tela apareceu inesperadamente a conta de correio eletrônico do seu marido. “Lembro cada beijo.” A frase, no campo de assunto de um e-mail, saltou para cima da mulher. Invadiu-lhe uma sensação nova, dolorosa, ao ler essas e muitas outras mensagens trocadas entre ele e uma desconhecida. Esses e-mails a colocaram em um planeta que girava de forma diferente. Um detalhe cronológico foi o que mais envenenou sua mente. A história parecia ter começado quando seu filho tinha seis meses.

A fidelidade é um invento da evolução humana. Apareceu com o mesmo objetivo que todas as nossas condutas: assegurar a continuidade dos genes. Os humanos nascem muito indefesos, vivemos uma infância prolongada porque precisamos de muito tempo até nos virarmos sozinhos. De modo que a fêmea cavernícola necessitava de um macho ao seu lado para proteger as crias. E surgiu a fidelidade.

Do ponto de vista biológico, a fidelidade está virtualmente assegurada quando se está apaixonado. Nessa etapa, ser fiel não é mérito algum, é o que pede o corpo. Quando essa química hormonal acaba, mesmo se amamos profundamente essa pessoa, necessitamos dos valores, da programação social e da vontade para permanecermos fiéis.

O relacionamento não se apoia sobre a permanência do amor e da sexualidade, e sim sobre a permanência da ternura Kostas Axelo

Se as paredes dos consultórios de psicologia falassem, certamente poderiam explicar muita coisa sobre a infidelidade. Não só contariam sobre o sofrimento do sujeito enganado, mas também sobre a dor do infiel e da terceira pessoa.

Ao descobrir uma infidelidade, as reações são muito diferentes. Há inclusive quem se alegre (pode ser uma boa desculpa para romper a relação sem remorso, por exemplo). Apesar da disparidade, existem similitudes emocionais entre alguns traídos:

Perda da inocência. “Meu cônjuge nunca me trairá.” Quanta gente já precisou engolir essas palavras? E quantos permanecem convencidos disso enquanto a realidade ri dos iludidos? Existe um fenômeno psicológico que explica isso: o “otimismo não realista”. Ocorre quando avaliamos ter menos chances do que outras pessoas de sermos vítimas de um fato desagradável. Temos a tendência a nos sentirmos invulneráveis. E, no assunto relacionamento, também. Por isso, quando uma pessoa fica sabendo da traição, o golpe é tão duramente inesperado. Ela percebe que esse amor não era tão especial, que é como o do comum dos mortais.

A infidelidade levanta uma tampa que deixa todos os nossos complexos virem à tona

A pessoa olha para o cônjuge e não o reconhece. Não sabemos quem temos pela frente. Não há certeza nem mesmo sobre a história vivida a dois, olha-se para trás e tudo é reavaliado. “Convidou para jantar naquele dia porque sentia culpa”, “me enganava quando dizia que eu era o amor da sua vida”… Tudo é interpretado de outra forma, mais real, sem edulcoração.

O sofrimento dá boas lições a quem sabe prestar atenção. Nesse caso, uma delas é perceber que o ego precisa aterrissar das alturas. Precaver-se da necessidade de eliminar o pensamento isso-nunca-me-acontecerá. Se conseguimos baixar o ego lá de cima sem nos machucar demais, nos tornamos mais humildes; mais sábios. E isso ajuda a confrontar não só a infidelidade, mas também futuros golpes, tanto do mundo conjugal como de outros âmbitos.

Interpretações simplistas. Nós, humanos, precisamos entender tudo. E a incrível complexidade emocional acarretada pela infidelidade também precisa ser devidamente enquadrada numa caixinha. E isso não só é absurdo, por ser impossível, como ainda por cima faz sofrer. A primeira pergunta é: por quê? Por sexo, por diversão, por amor, por oxigênio…? É normal fazer essa pergunta, mas é preciso saber que às vezes nem o próprio infiel sabe por que traiu. Queremos encontrar a lógica no mundo emocional, onde ela não existe.

FILMES

Atração Fatal

Adrian Lyne

As Pontes de Madison

Clint Eastwood

O Destino Bate à Sua Porta

Bob Rafelson

Como Água Para Chocolate

Alfonso Arau

LIVROS

Fidelidad e infidelidad en las relaciones de pareja

Javier Martín Camacho

(Dunken Ediciones, 2004, edição espanhola).

Uma das explicações simplórias que se dá à infidelidade é a falta de amor. Entretanto, não há nenhuma pesquisa que demonstre que tal premissa seja sempre correta. Conforme conta o psicólogo Martín Camacho em seu livro sobre a infidelidade, todas as seguintes opções são possíveis: casais que se amam e não se traem; casais que se amam e se traem; casais que não se amam e se traem; e casais que não se amam e não se traem. O amor e a fidelidade nem sempre andam de mãos dadas. Assim, devemos avaliar e pesar separadamente a importância que dá a cada um dos desses aspectos.

Culpa. O simplismo mental leva também a buscar um único responsável. A culpa provoca a estreiteza do nosso olhar. Às vezes, acusa-se o infiel; em outros casos, culpa-se a terceira pessoa; e, em outros, culpamo-nos a nós mesmos. A culpa se coloca inclusive em características concretas: “Ele(a) foi embora com outra(o) porque estou gorda(o)”. São explicações limitadas, que além do mais funcionam como uma faca amolada sobre a autoestima.

A infidelidade não dói só pela traição, ela cega porque levanta uma tampa que deixa todos os nossos complexos virem à tona. O peso, as habilidades sexuais, a capacidade de amar, a inteligência… Com esses complexos liberados, muitas pessoas traídas fogem para frente. Rapidamente procuram outra pessoa ou perdoam imediatamente quem as traiu, sentem pressa em voltar a tampar a caixa de Pandora. Desperdiçar essa ocasião de encarar nossos complexos e de trabalhá-los é perder uma grande oportunidade de aprendizagem.

A revanche. Uma reação à traição é a vingança. Pagar na mesma moeda. Não são poucos os traídos que se lançam à procura um(a) amante para ir à forra. Quando as emoções se remexem tanto, as premissas ocultas detrás delas emergem e podem levar a lugares interessantes. O problema possivelmente foi como se viveu, como se entendeu o relacionamento: como um investimento de futuro. Demos para obter algo em troca. Dois enganos: investir e esperar. Os sábios dizem que o fruto das ações está nelas mesmas. Se você ama esperando algo em troca, já está equivocado.

No fundo, a pessoa se sente enganada não tanto porque seu cônjuge saiu com outra pessoa, e nós não, mas porque ele foi feliz, ao passo que a outra parte estava “investindo na relação”. A melhor vingança não é ir atrás de um substituto, e sim ser feliz.

Paranoias e espionagem. Ao perceber que a pessoa que está à sua frente é capaz de mentir, foca-se a realidade de forma diferente. Muitos detalhes, filigranas, se transformam em ímãs para a nossa atenção. Pode-se viver uma paranoia, e o pior é olhar para frente e enxergar um panorama de desconfiança perpétua. Controlar pode virar uma obsessão. O cônjuge promete que nunca mais será infiel, mas não basta. A realidade é que o futuro ninguém sabe. A eterna vigilância é uma opção que nos desgraçará. A única saída é a confiança… no outro? Não. Em nós. Confiar em que, se no futuro a traição voltar a ocorrer, saberemos assimilar. Assim, em lugar de investir em estratégias de vigilância, a melhor saída é investir em nós mesmos, nos pontos fortes de cada um. Se a desconfiança se tornou insuportável, sempre resta a opção de romper. O essencial é que a infidelidade ajude a crescer, seja juntos ou separados.

Oásis. Os humanos são engraçados. Alguns casais dizem que o melhor sexo acontece depois da descoberta de uma infidelidade. Veem como um renascimento do amor. A culpa do infiel, misturada ao medo de que a relação se rompa, mais as longas DRs... Tudo isso forma um coquetel emocional e afrodisíaco. Nos casos em que existe essa aproximação sincera, a relação, longe de se romper, se fortalece, desde que essa nova proximidade seja regada e não fique numa simples miragem.

O perdão. É o único final feliz de uma infidelidade. Perdoar não significa obrigatoriamente se reconciliar. Pode-se perdoar e continuar; perdoar e romper. Desculpar significa dar um presente a nós mesmos. Tirar o ressentimento de cima. O ressentimento não superado faz da infidelidade uma dor crônica. Perdoar significa virar a página. Não é algo que se possa fazer instantaneamente. Da dor inicial ninguém escapa. Para superar o ressentimento, para virar a página, deve-se subir um degrau, olhar a situação de cima. Abrir o ângulo de visão, compreender a natureza humana, e sobretudo assumi-la. A vida é assim, complexa, emocional, inesperada.

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