São Paulo, o Estado-chave dessas eleições, acometido por uma seca
O maior colégio eleitoral do Brasil enfrenta uma crise histórica de abastecimento de água e segue votando no mesmo partido há 20 anos
Uma crise no abastecimento de água de um Estado inteiro nos meses que antecedem as eleições poderia ser desastroso para qualquer governante que pretendesse ser reeleito. Mas não em São Paulo, o maior colégio eleitoral do país, com 31,5 milhões de eleitores (22% do total nacional). Na última pesquisa do Instituto Datafolha, divulgada nesta quarta-feira, o governador e candidato à reeleição Geraldo Alckmin (PSDB) aparece com 49% das intenções de voto, contra 23% de Paulo Skaf (PMDB) e 10% de Alexandre Padilha (PT).
Embora Alckmin siga negando, 31 das 645 cidades paulistas já adotaram o racionamento de água por causa da crise hídrica, segundo um levantamento feito pelo jornal SPTV na semana passada. E as torneiras também estão secas em diversas outras cidades do Estado e em dezenas de bairros da capital paulista, numa espécie de racionamento silencioso. A única que se pronuncia é a população, que sai às ruas para se manifestar contra a falta d’água. Desde a semana passada, moradores de Itu (a 74 quilômetros de São Paulo) organizam protestos em frente à Câmara dos vereadores. O Governo trata de maneira seca o assunto. “Não falta água em São Paulo e não faltará”, disse Alckmin em debate nesta terça-feira na Rede Globo.
A situação no Sistema Cantareira é preocupante desde 2004, quando o Estado já era governado por Alckmin, que assumiu o cargo após a morte de Mario Covas. Na época, foi renovada a outorga que concedia o direito à Sabesp (Companhia de Saneamento Básico de São Paulo) administrar o reservatório. Para a renovação da outorga, uma das condições era que a Sabesp realizasse um estudo “para viabilizar a redução de sua dependência do sistema”, em um prazo de 30 meses. O documento foi entregue somente em outubro do ano passado, nove anos depois. E uma das conclusões desse estudo foi que “a região não dispõe de dispositivos hidráulicos capazes de garantir o suprimento de água bruta quando da ocorrência de eventos críticos de escassez”. Nesta quarta-feira, o volume útil do Cantareira continuava batendo recordes, registrando 6,7%.
“Estamos à beira de um desabastecimento por conta desse gerenciamento de risco que vem sendo feito desde 2004”, explica o especialista em hidrologia Antônio Carlos Zuffo, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Segundo Zuffo, outra condição não cumprida na época da renovação da outorga foi a necessidade de se fazer um controle chamado Curvas de Aversão a Risco (CAR). Isso significa que o volume mensal do reservatório deveria ser calculado e, baseado nesse volume, se estabelecer a quantidade de água que poderia ser retirada para a distribuição. O que, segundo Zuffo, não foi feito.
Zuffo liderou um estudo que concluiu que o aumento de produção do sistema Cantareira desconsiderou períodos históricos de pouca chuva. O cálculo de quanto se pode tirar de água do Cantareira foi feito com base na média pluviométrica da década de 1970, que teve um aumento de 20% em relação à média anterior, calculada entre os anos 1936 e 1970. Ocorre que, de lá para cá, a média diminui novamente e o cálculo não foi refeito. E essa média não deve aumentar nos próximos anos. “Acho que entraremos em um período de umas três ou quatro décadas de menos chuvas a partir de agora”, diz Zuffo.
Enquanto isso, as manobras são feitas das mais diversas formas para que as eleições não sejam afetadas. Um plano de contingência para o Cantareira, produzido pela Sabesp, foi entregue no último sábado para a Agência Nacional de Água (ANA, órgão do governo federal). Porém, nesta segunda-feira, a Sabesp encaminhou um oficio à ANA avisando que “a proposta necessitava de algumas correções” e solicitou cinco dias úteis para entregar a nova versão. O prazo termina na próxima segunda-feira, exatamente um dia após as eleições que, em São Paulo, têm chances de serem decididas logo no primeiro turno.
O problema da Cantareira não manchou a candidatura de Alckmin, que, segundo Rafael Cortez, cientista político da consultoria Tendências, lidera as intenções de votos no Estado por três fatores importantes: a alta aprovação do Governo (avaliado como ótimo ou bom para 47% dos paulistanos e como ruim ou péssimo para 14%, segundo levantamento do Datafolha de agosto), o enfraquecimento do PT no Estado, principal partido de oposição ao PSDB, e a falta de familiaridade com Paulo Skaf, que disputa o mesmo eleitorado de Alckmin, um eleitor mais conservador e que dificilmente mudará de ideia. “Para o eleitor mudar de ideia, ele precisa primeiro estar insatisfeito com a administração, e, em segundo lugar, ser convencido de que a oposição governa melhor do que a atual administração”, diz Cortez.
Alckmin lidera as pesquisas tanto na capital (50%), quanto no interior (52%). Separando por grau de instrução, o tucano também vence nas quatro categorias pesquisadas, sendo a melhor aprovação entre os eleitores com ensino superior (53%). “A eleição é um plebiscito em relação ao desempenho do Governo. Essa lógica funciona independente do Estado e dessas condições estruturais”, diz Cortez.
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