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Olhares para o futuro e o passado inauguram o ano do cinema equatoriano

'Quito 2023', de ficção científica, e 'Saudade', um retrato íntimo, entediam e surpreendem os espectadores

Cena das gravações da ficção científica 'Quito 2023'
Cena das gravações da ficção científica 'Quito 2023'

O longa-metragem de ficção científica que abriu a produção nacional neste ano não resultou muito sugestivo. O filme Quito 2023, que estreou em fevereiro, mostrou a história de um grupo de rebeldes que quer acabar com uma ditadura militar que parece a dos anos 70 ou 80, mas pertence ao ano 2023. O roteiro desiludiu muitos espectadores que foram às salas de cinema animados pela lembrança dos 13 filmes equatorianos que estiveram em cartaz no ano passado. E esta desilusão que a estreia do cinema nacional produziu talvez tenha afugentado o público (e os donos das salas de cinema) que voltam a desconfiar da produção local.

Quito 2023 pode passar por uma boa tentativa de arrecadar dinheiro (a produtora El Imaginario Colectivo conseguiu 220.000 dólares) para fazer um projeto audiovisual. Os resultados de bilheteria foram irrisórios, mal tiveram 10.000 espectadores nas três semanas que esteve nas principais salas de cinema do país. O projeto não nasce de uma escola de cinema formal mas sim da boa vontade de alguns amigos: um engenheiro de sistemas (César Izurieta, o diretor) e a uma pessoa que vinha do mundo do marketing e das relações internacionais (Juan Fernando Moscoso, o roteirista). O primeiro quis fazer um filme de ficção científica sobre uma muralha que mantém as pessoas presas e o segundo escreveu essa ficção distópica da capital do Equador em apenas 21 dias.

Sorte do cinema equatoriano que estreou em março o filme Saudade, e as salas de cinema voltaram  a encher. As diferenças com o filme de ficção científica começam a partir do tempo dedicado ao roteiro.

Juan Carlos Donoso, diretor e roteirista de Saudade, escreveu nove rascunhos e demorou seis anos para concluir o roteiro. Este jovem de 30 anos, além disso, vem desse celeiro de cineastas que passaram pela Universidade San Francisco de Quito e foram formados por outros diretores que já provaram seu talento como Tania Hermida, de quem Donoso editou seu segundo longa-metragem (Em nome da filha), e Iván Mora, que foi seu professor de direção e com quem participou no projeto Sem outono, sem primavera.

Saudade é a obra prima de Donoso e conta a história de um grupo de amigos que vive em livre-arbítrio enquanto o país sofre a grave crise financeira gerada pela crise bancária de 1999, que pouco a pouco toca todos os protagonistas do filme. Talvez o único reprovável é que documenta pouco a crise bancária e que é mais um filme autobiográfico, como a maioria das obras primas equatorianas.

Donoso defende o caráter político de seu filme e conta suas motivações pessoais para fazer o longa. Em uma entrevista a um diário local, ele diz que: “Meu artista favorito, o mexicano Gabriel Orozco, diz que ‘se a arte não é política, é muito entediante’. Eu acredito profundamente nisso. Por outro lado, eu venho de uma formação familiar muito de esquerda. Cresci nesse ambiente artístico e político, no qual, de uma forma ou outra, tive certa consciência de como funciona o mundo (...) Um pouco do filme vai nessa linha também. Acho que nós, que temos 30, 33 anos, crescemos com uma geração de militantes que se entregaram tanto pela militância, que deixaram um pouco a casa de lado. Nesse sentido, o filme também propõe o fato de que muitas vezes há de se criticar a própria  esquerda, a partir da esquerda, e uma dessas críticas é, precisamente, esse espaço do cotidiano e do íntimo”.

Saudade, que foi possível graças ao prêmio de Produção para Longa-metragem de Ficção do Conselho Nacional do Cinema, para o qual recebeu uma contribuição de 90.000 dólares da Ibermedia, está há uma semana em cartaz e até agora a crítica foi muito favorável. Internacionalmente, o filme foi visto em oito festivais de cinema e nesta semana a equipe de produção foi para os Encontros de Cinema Latino-americano de Toulouse.

Neste ano, cinco estreias ainda estão previstas (entre as quais há outra que trata da crise bancária de 1999) além de mais dez filmes que estão em pós-produção e poderiam chegar a estrear neste ano. O desafio é superar o recorde das treze estreias do ano passado e atrair mais do que os 235.000 espectadores que, segundo o Conselho Nacional de Cinema, preferiram a produção nacional em 2013. Um dos erros que não podem ser cometidos novamente é a competição entre os filmes equatorianos. No ano passado, houve um boom de estreias no fim do ano que não foi bom para somar espectadores.

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