_
_
_
_
Opinião
Texto em que o autor defende ideias e chega a conclusões basadas na sua interpretação dos fatos e dados ao seu dispor

Made in China

Há algum tempo, os chineses eram uma epidemia ou uma ameaça. Hoje não é mais assim.

Há algum tempo, os chineses eram uma epidemia ou uma ameaça. Hoje não é mais assim.

Agora tenho certeza de que o mundo no qual viverão nossos filhos – caso eles não morram por conta da poluição, da mudança climática ou do estrondo das armas – será um mundo formado pelos dois eixos fundamentais: Estados Unidos e China.

Conheço o gigante asiático desde 1979. Quando a gloriosa revolução do camarada Mao completou 60 anos, em 2009, tive a oportunidade de viver nesse país por um mês. Naquele momento, o então vice-presidente – e agora presidente chinês, Xi Jinping – explicou-me que uma das grandes lições da história (depois que a queda do Muro deixou 1 bilhão de pessoas sem deus) era encontrar um elemento de substituição espiritual entre o papel do Partido Comunista e a necessidade de que a população tivesse espiritualidade.

Isso é exatamente o que pensou o tenente-coronel Vladimir Putin. Ele nunca soube que precisava de tanto perdão, nem que estava abraçado a uma cruz dupla – a da Igreja Ortodoxa Russa – que se transformou em uma parte fundamental da Rússia, herdeira da União Soviética que o viu nascer, o formou e lhe ensinou tudo o que ele sabe.

Nos dias de hoje, a China tem uma presença que transborda em todo o planeta. Em 2008, poucos meses antes de Pequim sediar os Jogos Olímpicos, ter espiritualidade para os chineses significava apoiar o xintoísmo. Por quê? Porque a outra alternativa oriental – a budista, que é igual ao “Made in China” – era suspeita aos olhos do Estado, por causa do problema do Dalai Lama e do Tibete.

Naquele momento, havia uma grande pergunta no ar: como fazer para que a riqueza – os Mercedes Benz e “a miséria” da Prada – fosse para todos?

Quatro anos depois, voltei a Pequim. Ao saber que no final de 2013 os chineses terão colocado 200 bilhões de dólares na América Latina, compreendi algumas coisas.

Veja você: as previsões da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal) sobre a necessidade de gerar infraestrutura nessa região oscilam entre os 500 bilhões e 600 bilhões de dólares. Pois fique sabendo: os chineses preveem – entre 2013 e 2017 – chegar a um investimento líquido superior a 500 bilhões de dólares.

São simplesmente jogadores de primeiro time, os quais, além disso, vão mudando suas linhas. Toda a América Latina, com os trens da Bolívia, as linhas de metrô de Cristina Kirchner, os trens de Peña Nieto, o istmo de Tehuantepec – todos falam chinês e comem com pauzinhos.

Por isso, a grande pergunta é: vivemos em um mundo multilateral? Não. Vivemos em um bilateral. Por um lado, temos os chineses, e pelo outro lado, os norte-americanos.

No caso do México e sua população, a implicação é dupla. É melhor se acostumar, porque é lá que Deus os colocou, ou os deuses: com o grande dragão inundando o mercado e as listras e as estrelas como os vizinhos do norte.

Mas, o que vai acontecer na China? Nada. Compreendi alguma coisa muito importante na minha última visita à Cidade Proibida. Há cinco anos, os chineses tinham a imensa dúvida de como fazer com que todos tivessem direito ao sucesso. Pois bem, compreenderam que isso é impossível.

Então fizeram duas coisas: em primeiro lugar, se basearem no seu mercado interno, que é gigantesco – não apenas devido à população de 1,6 bilhão de habitantes, mas porque eles comem de tudo – e, em segundo lugar, como acontece no filme “Jogos Vorazes”, o Governo comprovou que “todos” terem sucesso não pode ser, mas que “qualquer um”, sim. E para que seja “qualquer um”, entre “todos”, nada melhor do que lutarem entre si e que vença o melhor.

Sob esse ponto de vista, a transformação de como fazer “duas economias em um país” comandado pelo Partido Comunista Chinês é simples. Se tiver dúvidas, aí estão todas as normas que acabam de ser aprovadas.

Senhoras e senhores: começou a luta interna. Vocês querem ter um Mercedes Benz e fazer parte dos 400 milhões de habitantes que deram o “salto adiante”? Lutem entre vocês, fazendo a seleção. É uma consideração fundamental.

Por esse motivo, com o surgimento do mercado interno, a China não precisa mais deslocar 100.000 chineses para um país quando tiver de enfrentar grandes subsídios. Eles vão jogar na Ásia, e esse é o jogo da primeira potência do mundo ao lado dos Estados Unidos.

O resto é um negócio da China, no sentido de saber que o tempo joga a seu favor. No final das contas, todo o dinheiro que lhes demos nos últimos 25 anos, à base de um país de escravos, eles estão nos devolvendo ao tomarem conta das nossas minas, infraestrutura, trens, aviões e metrôs.

Eles mudaram o conceito de “quanto” pelo conceito de “como e o quê”. Já não é mais um sistema baseado na quantidade, mas na qualidade, e isso os transforma em jogadores que vão competir em tecnologias próprias com o Japão, a Coreia do Sul e, finalmente, com os Estados Unidos.

Quanto à pergunta sobre “qual será a cara da próxima guerra?”. Não é mais a das galáxias, não. É a dos cabos. Não é por acaso que Edward Snowden detonou o escândalo em Hong Kong. As principais medidas de segurança dos EUA são para evitar os ciberataques que os chineses dominam – como ninguém – a partir de Hong Kong, Macau e Pequim.

O país do dragão não apenas será dono do cimento, será também o que mais e melhor escutará o conteúdo de nossas conversas e ficará a par de nossas fragilidades. No final das contas, com exceção das cruzes, com exceção do que representa o lugar onde habitam nossos deuses, todo o restante é “Made in China”.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_