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A cara oculta dos millennials: inseguros e viciados em trabalho

Adeus ao respeito aos protocolos e à visão da experiência como capacidade. Bem vindo a sentir-se indispensável e mártir

Mulher experimenta seu novo Galaxy S8.
Mulher experimenta seu novo Galaxy S8.BRENDAN MCDERMID (REUTERS)

Nós, os millennials, pioneiros na revolução tecnológica que mudou tudo, criamos uma nova forma de nos relacionar, transformamos os hábitos de consumo e também nossa atitude em relação ao trabalho. Entre hashtags e retuítes, transferimos a insegurança e o narcisismo que dizem termos para o nosso ambiente profissional. Diferentemente das gerações anteriores, para as quais a experiência demonstrava capacidade, e o mais importante eram a hierarquia e os protocolos, agora muitos dos jovens entre 19 e 30 anos questionam as regras, empreendem e se sentem autênticos mártires do seu trabalho. Consideram-se indispensáveis, e 57% deles precisam que seus chefes e seus companheiros estejam conscientes do seu compromisso e esforço, a tal ponto que se sentem culpados por tirar férias. Estas são algumas das conclusões do estudo Os Mártires do Trabalho, publicado pela organização Project: Time Off, com a participação de quase 6.000 profissionais em tempo integral.

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Embora nosso compromisso com o emprego seja uma característica comum às gerações anteriores, há algo que nos diferencia dos baby boomers e da Geração X: nosso egocentrismo. Tomás Chamorro, professor de psicologia profissional nas Universidades de Londres e Columbia, diz que, nos anos 1950, 12% dos alunos do ensino médio concordavam com a seguinte afirmação: “Sou uma pessoa importante”; na década de 1990, esse índice subiu para 80%. “É absolutamente factível que essas diferenças sejam atribuídas a diferentes níveis de narcisismo. Achar-se o centro do mundo, insubstituível e que ninguém pode fazer seu trabalho é uma percepção errônea da realidade e dá sinais do senso de grandiosidade tão característico dos millennials”, afirma Chamorro.

Quando levamos essa situação emocional ao mercado trabalhista, começa o drama. “Estamos pondo esses garotos em ambientes corporativos que não estão lhes ajudando a aprender a cooperar nem a superar a necessidade de recompensa instantânea”, afirma o autor de livros sobres os millenials, Simon Sinek numa entrevista. Nós, millennials, somos mais de 140 caracteres do que de emails detalhados, e isso também se reflete em nosso ofício. Crescemos na sociedade do imediatismo: compramos na Amazon, e o pacote chega ao dia seguinte, vemos Game of Thrones de uma só vez, paqueramos via Tinder, sem ter nenhum trabalho. “Vocês podem conseguir tudo o que quiserem na hora, tudo, menos a satisfação profissional e as relações significativas. Esses processos são lentos, serpenteantes, incômodos e desordenados”, observa Sinek. Não sabemos administrar a espera e, quando nos obrigam a ela, surge em nossa cabeça um enorme #WTF, e nos sentimos intranquilos e pequenos.

Laura Ponsa, de 27 anos, millennial convicta e publicitária com emprego há um ano, sente-se completamente identificada com essa situação. "Cresci achando que depois de estudar eu poderia escolher onde trabalhar, e com a crise me custou muito mais do que eu imaginava encontrar um emprego com boas condições”, diz. “Depois de assinar o contrato, eu nem sequer tinha perguntado pelas minhas férias, simplesmente foi algo em que não pensei. Quando soube que teria um mês, achei muito. Até agora, vinha emendando um contrato no outro e não tive tempo nem dinheiro para descansar.”

Seu compromisso em cumprir pressões – autoimpostas, admite – algumas vezes a levou a se sentir mal por pedir dias de folga, mas ela salienta que não se considera narcisista. “Eu achava que minha chefa pensaria que eu estava me esquivando e não era suficientemente boa.” Katie Denis, responsável pelo estudo que retrata os millennials como mártires, explica essa sensação: “Muitos procuravam trabalho durante a recessão, e agora têm mais medo de perderem o emprego; para eles o normal é se desenvolver numa economia frágil”. Afirma que tiramos menos férias porque nos sentimos inseguros e temos medo de que assim pareçamos ser facilmente substituíveis. “20% temem que isso lhe custe o emprego”, afirma Denis.

Os nativos digitais queremos “gerar impacto” – nos sentirmos úteis, deixarmos um rastro, sermos imprescindíveis –, o wi-fi é a nossa fonte de vida, e hiperventilamos se a bateria das nossas telas cai a menos de 10% e ainda nos faltam horas para chegar em casa. Nossos interesses contrastam com os de nossos pais, membros da Geração X e do baby boom, quando as necessidades tinham mais a ver com subsistir, tentar viver melhor ou simplesmente ter vida pessoal. “Tivemos tudo, e tivemos mais fácil, não precisamos nos preocupar em sobreviver, e isso nos deixa muitíssimo tempo para pensar e nos afogar em uma ansiedade vital que não sabemos administrar”, diz Laura Ponsa.

Embora nosso presente pareça ruinoso, há solução e, segundo Sinek, boa parte dela está nas mãos da indústria. “Agora temos a responsabilidade de compensar o déficit e de ajudar esta geração assombrosa a construir sua confiança, a aprender a serem pacientes e a desenvolverem suas habilidades sociais”, conclui. Enquanto isso, nós, os millennials, tuitamos, compartilhamos vídeos virais e esperamos com inquietação nossa dose diária de curtidas para apaziguar essa coisa que mexe com a gente cada vez que subimos uma foto no Instagram. Também somos críticos e comprometidos, e a geração mais preparada e com mais desemprego da história. Os nativos digitais representarão 70% da força de trabalho do mundo em 2025, mas, para conseguir esses empregos, parece que nos propusemos a sacrificar nosso descanso e a bateria de todos os nossos dispositivos móveis.

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