_
_
_
_
_
Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Os americanos brancos estão morrendo

Um estudo documenta por que a mortalidade nos EUA é maior entre brancos de baixa escolaridade

Tabitha Palmer, 45, e Anthony Palmer, 59, exemplos de eleitores brancos de Trump em Johnstown, Pensilvânia.
Tabitha Palmer, 45, e Anthony Palmer, 59, exemplos de eleitores brancos de Trump em Johnstown, Pensilvânia.Getty

Nos Estados Unidos, os homens brancos de meia idade e com baixa escolaridade estão morrendo a um ritmo inédito. De fato, sua taxa de mortalidade é maior do que a dos hispanos ou negros da mesma idade e de seu mesmo nível educacional. A mortalidade dos brancos com menos escolaridade é também muito mais alta agora do que tinha sido até início deste século. Este é um fenômeno exclusivamente norte-americano, que não acontece em outros países desenvolvidos.

Mais informações
A guinada ao autoritarismo nos deixa doentes
Trump, que prometeu mudar Washington, se choca com a realidade
A América que votou em Trump teme os efeitos de sua reforma da saúde

Esta é uma das conclusões de um importante estudo que acaba de ser apresentado em Washington pelo Prêmio Nobel de Economia Angus Deaton e por Anne Case, eminente economista da universidade de Princeton (e esposa de Deaton).

Já em 2015, os dois economistas tinham causado comoção com um estudo que pela primeira vez documentava o trágico aumento das mortes entre os norte-americanos brancos sem nível universitário. Enquanto em 1999 seu índice de mortalidade era 30% mais baixo do que o dos negros com as mesmas características, para o ano 2015 a mortalidade dos brancos era 30% mais alta que a dos afro-americanos. Essas mudanças nos EUA revertem décadas de progresso. Durante o século passado, e ainda hoje, a mortalidade em nível mundial vem caindo a 2% ao ano, em todos os países e em todas as categorias demográficas. Mas os norte-americanos brancos sem muito preparo acadêmico são exceção. O que aconteceu? Neste grupo, os suicídios e as mortes por overdose de drogas e alcoolismo aumentaram drasticamente. O câncer e as doenças cardíacas também aumentaram, assim como a obesidade. Desde 2000, as mortes por estas causas entre os brancos não hispânicos, entre 50 e 54 anos de idade, duplicaram. E em 2015 morriam a uma taxa duas vezes mais alta do que a das mulheres brancas com as mesmas características (e quatro vezes mais do que os homens brancos que foram à universidade).

Uma explicação comum para essa tragédia é o desemprego que afetou duramente este grupo de trabalhadores, tanto devido à crise como pela globalização e a automatização da produção, que estão fazendo desaparecer os postos de trabalho de baixa qualificação.

Deaton e Case não duvidam que o desemprego e a consequente queda nos rendimentos são fatores importantes. Mas, segundo eles, não é explicação suficiente e afirmam que a maior mortalidade dos brancos nos EUA têm “causas mais profundas”. Como se explica então que os hispânicos e negros que também perderam seus empregos e rendimentos viram sua longevidade aumentar? E por que com os trabalhadores europeus que foram vítimas dos embates da grande recessão de 2008 e das políticas de austeridade não ocorrem as tendências letais que afetam os trabalhadores brancos norte-americanos? E mais: na Europa a longevidade de quem tem menos anos de estudo (e menor rendimentos) continuou aumentando —e a uma velocidade maior— do que a dos europeus com maior nível educacional.

O Nobel de Economia Angus Deaton e a economista Anne Case documentam o trágico aumento de mortes entre norte-americanos brancos de baixa escolaridade

Segundo os dois economistas, as causas mais profundas deste fenômeno têm a ver com o que eles chamam de “desvantagens acumulativas”. São condições debilitantes e hábitos disfuncionais que este grupo humano foi acumulando durante toda a vida como reação a profundas transformações econômicas e sociais. Com frequência começou com o abandono dos estudos secundários e a entrada precoce no mercado de trabalho em épocas de empregos abundantes e salários atraentes. Mas essa “bonança profissional” foi se extinguindo e outras mudanças na sociedade —o papel das mulheres, o aumento dos divórcios e a fragmentação familiar, a mobilidade geográfica— dificultaram a vida para os homens brancos, e os tornaram mais vulneráveis, o que Deaton e Case descrevem como “mortes por desesperança”. São homens que não veem um futuro melhor nem para eles nem para sua família.

Esta desesperança causa grande sofrimento. Nos EUA, a metade dos homens desempregados toma remédios contra dor e dois terços consomem opioides. O abuso dessas drogas se transformou em uma gravíssima epidemia. Em 2015, mais norte-americanos morreram de overdose de drogas do que por armas de fogo e acidentes de trânsito. A grande maioria das vítimas? Homens brancos.

As causas mais profundas são as "desvantagens acumulativas": o fim da bonança profissional e outros fatores disseminaram a "morte por desesperança"

Duas perguntas finais. Primeira: Por que os homens brancos de origem hispânica, pouca educação formal e má situação econômica morrem menos? Porque têm mais esperanças quanto ao que o futuro lhes reserva. Eles não estão esperando uma situação econômica melhor do que a que tiveram no passado. Nunca tiveram. Para eles o futuro só pode ser melhor. E para seus filhos mais ainda.

Segunda: Qual é a reação política dos brancos norte-americanos com altos índices de mortalidade? Votar em Donald Trump. Mais de 60% deles fez isso.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_