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Entenda as mudanças polêmicas no pacote anticorrupção da Câmara

Deputados aboliram pontos-chave do texto e incluíram ponto prejudica juízes e promotores

O procurador Deltan Dallagnol.
O procurador Deltan Dallagnol.V. Platonow (Ag. Br.)
G. A.

Os deputados federais aprovaram na madrugada desta quarta-feira um texto que na prática derruba o projeto das Dez Medidas Contra a Corrupção, apresentado pelo Ministério Público Federal. Após sofrer algumas alterações na comissão especial que debatia o tema, inclusive com a adição de alguns pontos propostos pelo relator Onyx Lorenzoni (DEM-RS), o plenário da Câmara aboliu medidas consideradas chave no projeto. As mudanças foram tão profundas que a força-tarefa da Operação Lava Jato ameaçou renunciar coletivamente caso o texto seja aprovado pelo Senado. Entre os principais pontos do projeto do MPF que foram abolidos estão propostas para evitar a impunidade de políticos e empresários, como a tipificação do crime de enriquecimento ilícito e mudanças na lei de prescrição e penas. O confisco de bens obtidos de forma ilegal, sugerido pelos procuradores, também foi derrubado pelo plenário.

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A aprovação das medidas originais seria, para os procuradores, a maior herança da Lava Jato para o Brasil: alterações legislativas que contribuiriam no combate aos malfeitos no setor público. Com elas, seria possível, por exemplo, aumentar penas para delitos com desvios de dinheiro público, ou ainda, investigar crimes para além do período de prescrição previsto. Veja abaixo quais eram as propostas originais e o que aconteceu com elas na Câmara.

1 – Prevenção à corrupção, transparência e proteção à fonte de informação

O que queria o Ministério Público Federal -– Propôs a utilização de testes de integridade envolvendo funcionários públicos com o objetivo de avaliar a conduta moral dos agentes. Na prática, seriam pegadinhas para testar a honestidade dos funcionários. O resultado destes exames poderia ser utilizado depois em processos criminais contra o funcionário.

O que foi aprovado na Comissão – Em seu texto, o relator Onyx Lorenzoni veda a utilização destes testes em processos criminais, e permite apenas o uso dos resultados em processos cíveis e administrativos. Além disso, o deputado quer que a aplicação deste tipo de exame só ocorra após os funcionários terem passado por um curso e estarem cientes de sua realização.

Como ficou após votação no plenário da Câmara – Este ponto foi totalmente abolido.

Neste mesmo item, o Ministério Público Federal incluía outra proposta, e acatada pelo relator, diz respeito a dar transparência às estatísticas de processos envolvendo corrupção. Este ponto visa permitir comparar o andamento de processos nos diferentes tribunais, para comparar qual é mais ágil.

Como ficou após votação no plenário da Câmara - Este ponto foi acatado pelos deputados.

2 - Tipificação do Crime de Enriquecimento Ilícito

O que queria o MPF - A inserção do crime de enriquecimento ilícito no código penal.

O que foi aprovado na Comissão – A medida foi aceita praticamente na íntegra pelo relator. De acordo com o texto, as penas para esse crime são de 3 a 8 anos de prisão, com o confisco dos bens. O deputado suprimiu, no entanto, o uso da expressão “confisco de bens”, “por não ser o confisco pena prevista no código penal”. Lorenzoni também inclui, entra as sanções para o crime, o pagamento de multas.

Como ficou após votação no plenário da Câmara – Um destaque apresentado pelo Partido da República (PR) retirou do texto todas as regras sobre extinção de domínio de bens e propriedades do réu, mesmo que tenham sido obtidas de forma ilícita. Outro destaque, do bloco PP-PTB-PSC, retirou a tipificação do crime de enriquecimento ilícito. Na prática, a medida proposta pelo MPF foi anulada.

3 - Aumento das penas e inserção na Lei de Crimes Hediondos dos crimes de corrupção de altos valores (acima de 88.000 reais)

O que queria o MPF – A alteração da pena do crime de estelionato (fraudes no setor público), que atualmente é de 1 a 5 anos de prisão e pagamento de multa, para 2 a 8 anos de prisão, mais multa. É considerado estelionato toda fraude contra patrimônio, que garanta vantagem ilícita ao seu autor. Além disso, prevê o aumento da pena caso o crime tenha sido cometido contra instituições populares ou beneficentes, como entidades que prestam serviços na área de saúde, por exemplo.

O texto propõe uma gradação para as penas do crime de estelionato quando o crime envolver dinheiro público. Nestes casos, a pena seria de 4 a 10 anos de prisão se o prejuízo for igual ou superior a cem salários mínimos (equivalente a 88.000 reais hoje). Se o montante desviado for superior a 1.000 salários mínimos (ou seja, 880.000) , a pena saltaria para 6 a 12 anos de prisão. Um último caso, para prejuízos ao erário acima de 10.000 salários mínimos (8,8 milhões), teria pena de 8 a 14 anos de prisão. Atualmente a pena é de 1 a 5 anos de prisão. Penas inferiores a quatro anos podem ser cumpridas desde o início em regime aberto, caso o condenado não seja reincidente.

Pelo texto do MPF, outros crimes, como peculato, inserção de dados falsos em sistema de informações, concussão, corrupção passiva e corrupção ativa teriam a pena mínima aumentada para mais de quatro anos, de forma que o condenado, mesmo que réu primário, não poderá cumprir pena em regime aberto. Além disso, estes crimes passam a ser considerados hediondos – hoje são tratados como crimes comuns — quando a vantagem obtida no crime for superior a cem salários mínimos, o que dificulta a progressão da pena para o regime aberto ou para o livramento condicional.

O que foi aprovado na Comissão - O relator da matéria se posicionou favoravelmente à proposta do MPF, fazendo pequenas ressalvas que não alteram o conteúdo da proposta.

Como ficou após votação no plenário da Câmara - A medida foi mantida como aprovada na comissão.

4 - Aperfeiçoamento do Sistema Recursal Penal

O que queria o MPF - A extinção dos recursos considerados protelatórios, ou seja, cuja finalidade é apenas atrasar o processo e tentar fazer com que o crime cometido prescreva (deixe de ser punido) dentro de um prazo limite, que varia de acordo com o crime . Além disso, a promotoria quer a fixação de um prazo para que juízes peçam vista [mais tempo para examinar] de um processo.

O que foi aprovado na Comissão - Em seu relatório, Lorenzoni afirma que o Código de Processo Civil já limita o tempo do pedido de vista em 10 dias – prorrogáveis por mais 10. Quanto aos embargos, ele acatou a restrição aos recursos protelatórios do réu.

Como ficou após votação no plenário da Câmara - A medida foi mantida como aprovada na comissão.

5 - Maior Eficiência na Ação de Improbidade Administrativa

O que queria o MPF - Agilizar o processo judicial envolvendo ações de improbidade administrativa (crime contra a administração pública), extinguindo algumas fases consideradas irrelevantes – como a notificação preliminar, por exemplo. Esta etapa é um primeiro aviso de que haverá um processo, que é atualmente seguida por outro aviso.

Outro ponto da medida é conferir legitimidade ao MPF para celebrar acordo de leniência (quando o réu colabora com a investigação em troca de redução de pena) com pessoas físicas e jurídicas, sem depender de outros órgãos do Judiciário e dos demais poderes.

O que foi aprovado na Comissão - O relator Lorenzoni acatou a extinção da notificação preliminar. Quanto à autonomia do MPF para acordos de leniência, o relatório do deputado é nebuloso.

Como ficou após votação no plenário da CâmaraUm destaque do bloco PP-PTB-PSC suprimiu do texto aprovado na comissão a extinção da etapa da notificação preliminar. Um destaque do PT retirou do texto todos os artigos envolvendo a reformulação das regras relativas aos acordos de leniência. Na prática, a medida do MPF foi anulada.

6 - Ajustes na Prescrição Pena

O que queria o MPF - Modificações nos prazos de prescrições de pena do sistema judicial brasileiro. O MPF queria endurecer os prazos que permitem que crimes de colarinho branco (corrupção, estelionato e lavagem de dinheiro), complexos para investigar e processar, acabem impunes. Entre as medidas propostas estão o fim da prescrição retroativa. Se esta medida fosse aprovada, crimes cometidos no passado podem ser punidos. O MP propõe, também, o aumento do prazo para que as penas prescrevam – esse prazo varia de acordo com o crime. No caso da Lava Jato, por exemplo, os procuradores alegam que alguns crimes ocorridos antes de 2003 não podem ser investigados, uma vez que as penas já teriam prescrito.

O que foi aprovado na Comissão - O relator Lorenzoni acatou todas as sugestões em seu relatório.

Como ficou após votação no plenário da CâmaraUm destaque do PT retirou mudanças nas regras de prescrição dos crimes, como a sua contagem a partir do oferecimento da denúncia e não do seu recebimento e a prescrição retroativa. Na prática, a medida do MPF foi anulada.

7 - Ajustes na Prova Ilícita e nas nulidades processuais

O que queria o MPF - Dificultar a anulação de provas obtidas pela Polícia e pela procuradoria na Justiça. De acordo com o texto, no Brasil o mecanismo de anulação “conduz a decisões seletivas que resultam em impunidade”, e as alterações propostas limitam o caso em que a prova é considerada ilícita. Várias operações contra a corrupção no país já naufragaram devido à coleta irregular de provas.

O que foi aprovado na Comissão - O relator não adotou a sugestão do MPF, e propôs que provas ilícitas sejam separadas do processo, não anulando todo o caso.

Como ficou após votação no plenário da CâmaraManteve-se o entendimento do relator.

8 - Responsabilização dos partidos e criminalização do caixa 2 (deixar de contabilizar ou declarar recursos recebidos em campanha)

O que queria o MPF - Esta medida criminaliza o caixa dois eleitoral e responsabiliza os partidos pela prática. O projeto criminaliza tanto o caixa dois eleitoral – doações a campanhas políticas não declaradas ao fisco – quanto a lavagem de dinheiro com finalidades políticas. A pena proposta é de 2 a 5 anos de prisão. O MPF também quer o poder para solicitar o cancelamento do registro de um partido político.

O que foi aprovado na Comissão - O relator Lorenzoni acatou parcialmente este ponto, afirmando que o partido político não pode ser equiparado a uma empresa e responsabilizado como tal. Ele reduziu as multas e penas previstas, e vetou o pedido do MPF de solicitar extinção de partidos.

Como ficou após votação no plenário da Câmara – Acuados após a divulgação de uma proposta de anistia para o caixa dois, os deputados mantiveram o que foi aprovado em comissão.

9 - Prisão preventiva para assegurar a devolução do dinheiro desviado e multa aos bancos por descumprimento de decisão judicial

O que queria o MPF - Incluir mais uma possibilidade para justificar prisões preventivas. Atualmente elas só podem ser efetuadas quando há risco de fuga do suspeito ou destruição de provas, ou quando o detido representa ameaça à ordem pública. A medida quer autorizar a prisão preventiva com a finalidade de identificar e localizar o produto do crime. A procuradoria também pede multa aos bancos em caso de lentidão no cumprimento de ordens judiciais.

O que foi aprovado na Comissão - Lorenzoni se posicionou contrário à nova modalidade de prisão preventiva, mas acatou a multa para os bancos.

Como ficou após votação no plenário da Câmara – Foi mantido o texto aprovado na Comissão.

10 - Recuperação do lucro derivado do crime: confisco alargado e ação de extinção de domínio

O que queria o MPF - O texto estabelecia a perda de bens cuja origem tenha sido um crime grave. Isso se aplicaria a tráfico de droga e armas, tráfico de influência, corrupção ativa ou passiva e apropriação de bens públicos, entre outros.

O que foi aprovado na Comissão - O relator se mostrou favorável à medida.

Como ficou após votação no plenário da Câmara - A medida foi derruba por emenda.

11- Reportante (“whistleblower”) – Medida do relator

O que queria o relator - Esta medida, proposta por Lorenzoni, prevê facilitar e incentivar que cidadãos e servidores públicos apresentem, de forma anônima e segura, denúncias de corrupção ou fraudes. Inclusive com o recebimento de incentivos financeiros caso a denúncia leve à recuperação de dinheiro público.

Como ficou após votação no plenário da Câmara - A medida foi derruba por emenda.

12 - Acordo penal - Medida do relator

O que queria o relator - Outra medida proposta pelo relator busca, em suas palavras, "humanizar a pena", com regimes especiais de cumprimento da mesma. Entre os pontos abordados está a negociação de prisões domiciliares para desafogar o sistema penitenciário.

Como ficou após votação no plenário da Câmara – Um destaque apresentado pelo PSOL retirou todo o trecho sobre o acordo penal.

13 - Tipificação do crime de responsabilidade para promotores, procuradores e juízes - Medida sugerida pelo PDT

O líder da bancada do PDT, Weverton Rocha (MA), foi o responsável por apresentar a emenda que prevê uma sanção penal para procuradores, promotores e juízes em casos de abuso de autoridade. Eles estariam sujeitos a uma pena prevista de seis meses a dois anos de prisão e pagamento de multa. A força-tarefa da Lava Jato ameaçou renunciar coletivamente caso a matéria seja aprovada no Senado.

 

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