_
_
_
_
_

Como uma cidade de 3.000 habitantes conquistou o maior IDH de educação do Brasil

Águas de São Pedro quer ser mais que um balneário medicinal. Busca ser reconhecida pela qualidade do ensino

Se a interiorana Águas de São Pedro recebesse a Maratona Internacional de São Paulo, os atletas teriam de percorrer o município inteiro seis vezes para completar a prova. A cidade, um balneário turístico de águas medicinais, é a segunda menor em extensão territorial do país, com 3,6 quilômetros quadrados, atrás apenas de Santa Cruz de Minas, em Minas Gerais. Com cerca de 3.000 habitantes, grande parte de aposentados, Águas de São Pedro figura um outro dado, no mínimo, curioso. É o município com o maior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) na área da educação do país, indicador apurado pela Organização das Nações Unidas (ONU): 0,825 (em uma escala de zero a um). O IDH de educação mede a quantidade de anos de estudo dos adultos e a expectativa de anos de escolaridade das crianças. Não é apenas nesse quesito que a cidade se destaca, contudo. No ranking geral da ONU, a cidade tem o segundo maior IDH do país (incluindo índices de saúde, educação e renda). Águas de São Pedro perde somente para São Caetano do Sul (SP) em IDH municipal.

Na cidade, que no passado era só um bairro da vizinha São Pedro, é possível encontrar mais ônibus escolar do que municipal. Aliás, literalmente só existe um ônibus circular para os água-pedrenses. E ele é gratuito. Todos se conhecem, e é esta é uma das maiores vantagens de gerenciar a única escola da cidade, a Emef Maria Luiza Fornasier Franzin, segundo João Paulo Pontes, coordenador pedagógico. “Se o aluno falta, vamos buscá-lo em casa, vamos onde os pais trabalham, vamos em qualquer lugar que a criança possa estar - e geralmente já sabemos onde seria”, conta. Ele garante que, graças a isso, o índice de evasão escolar é nulo.

Mais informações
Alunos do lado de fora: como a escola Amorim Lima virou referência no país
Conheça os games da sala de aula que ajudam até a detectar transtornos
Ela criou um aplicativo na escola para lidar com doença rara do pai

Claro que a estratégia não é aplicável nas grandes cidades, mas muitas das outras ações que a escola pratica, e que lhe garantem destaque no ranking educacional, podem servir de exemplo para realidades geográficas diferentes. A escola, por exemplo, trabalha com aulas em período integral, um sistema que é bastante difundido em colégios de primeiro mundo e amplamente defendido por movimentos ligados à educação no Brasil. De manhã, aulas do currículo padrão. À tarde, aulas de línguas, artes marciais, dança, pilates, futebol, robótica e até culinária - a favorita dos alunos, conforme destaca Pontes.

A escola que possui o maior IDH de educação do país está longe de parecer uma instituição do futuro. Pelos corredores, não voam drones feitos pelos alunos, nem robôs. Acima de tudo, parece com uma escola pública tradicional, com carteiras enfileiradas e lousa. Mas o cenário engana. uma das apostas para se manter na liderança do ranking é o uso da tecnologia como ferramenta de ensino.

Os 767 alunos possuem um netbook para realizar as tarefas. “A tecnologia nos permite integrar conteúdos de disciplinas diferentes, de trabalhar aulas mais multidisciplinares, e a tornar o aprendizado um pouco mais interessante para os alunos, pois a forma como o conteúdo é apresentado conversa melhor com a realidade deles”, acredita Pontes.

Um exemplo está na aula de matemática do professor Victor Pereira, de 26 anos. Os alunos do quinto ano do fundamental, sentados em grupos, resolvem juntos no computador exercícios de fração e dízima periódica. Na plataforma gratuita do MIT, a Khan Academy, montam pizzas, trabalho que vai ficando mais difícil conforme forem resolvendo os desafios. “Cada grupo trabalha no seu ritmo e até ajuda os colegas que não conseguem passar de fase. Me chamam raramente para ajudar. Ainda que estejam no computador, estão concentrados, se divertindo. E ninguém para para ver o Facebook”, afirma. Para o professor, a vantagem da tecnologia está em deixar um conteúdo abstrato mais visível para o aluno. Também é possível trabalhar com crianças em estágios diferentes de conhecimento numa mesma sala. “A aprendizagem acaba se adaptando à necessidade do aluno, sem atropelá-lo”, complementa.

Aula de artes, que faz parte do projeto escola em tempo integral.
Aula de artes, que faz parte do projeto escola em tempo integral.Divulgação

O computador - ou o smartphone, dispositivo que a escola também utiliza como material de pesquisa em aula - pode ser levado para além dos muros do colégio. “Toda semana levo os alunos para o mini-horto da cidade, que fica ao lado da escola, para atividades ao ar livre. Na última atividade que fizeram, eles tinham que caçar QR Codes que eu espalhei pelas árvores para resolver equações”, complementa o professor.

Para o ano que vem, a escola pretende implementar um modelo de aprendizado por projeto, inspirada na Escola da Ponte, de Portugal, que, desde os anos 1970, tornou-se referência em educação com uma filosofia mais construtivista de ensino. “Hoje, falta muito as escolas perguntarem para os alunos o que eles querem aprender”, defende o coordenador pedagógico. Segundo ele, o ensino no Brasil ainda se pauta no tradicional modelo de explicar um conteúdo e, só depois, assimilá-lo à realidade. No aprendizado por projeto, inverte-se a lógica. “Partimos de um projeto prático para ensinar conceitos do currículo básico, o que faz com que o aluno entenda o porquê de estar aprendendo determinados assuntos”, destaca João Paulo Ponte.

Mas ser a única escola da cidade também tem o seu lado negativo. “Não há outra opção de escola para os filhos, então toda a estratégia pedagógica precisa ser muito mais cautelosa. As inovações precisam ser implantadas aos poucos”, afirma Ponte. O coordenador não informou números, mas garantiu que desde que passou a liderar o ranking de IDH educacional, em 2010, a escola está recebendo pedidos de matrículas de cidades ao redor, como São Pedro.

Do 61º ao pódio

Desde 1991, quando a ONU começou a divulgar o IDH municipal do Brasil, Águas de São Pedro passou do 61º lugar até o primeiro, em 2010. Foram três edições até hoje, uma a cada dez anos. Segundo a secretária de educação do município, Dalva Aparecida da Silva, o fato de ter 3.000 habitantes não justifica o ranking. Ainda assim, reconhece que não é em toda cidade que os pais podem bater na porta do prefeito - já que todos moram muito perto - e reclamar se tiver algum problema na escola. "A comunidade é muito ativa, sempre faz cobrança de melhorias, e isso faz toda a diferença na gestão do ensino", afirma Dalva. Sem detalhar valores, a secretária também atribui o desempenho da cidade a parcerias que faz com instituições privadas, como o Senac, o Instituto Tellus e a Fundação Telefônica. "Por meio dessas parcerias conseguimos equipar a escola com tecnologia e promover atividades diversas para os alunos na parte da tarde. Aula em tempo integral agora é obrigatória por lei municipal", explica.

Sem informar valores, Dalva afirma que os investimentos em educação levaram o índice de analfabetismo do município a zero. "Nenhuma criança está fora da escola. Temos vagas para todos e até para um contingente que vem dos municípios vizinhos, principalmente da área rural da cidade de São Pedro", diz. O água-pedrense pode estudar desde a creche até a pós-graduação no município, mas, conforme destaca Dalva, a cidade não oferece tantos atrativos assim para os jovens. "A escola tem esse papel de apresentar opções para eles. Aqui, ele pode se ocupar com muitas atividades, desde judô até robótica".

Pente fino nas contas

As contas de Águas de São Pedro foram rejeitadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) de São Paulo em 2013. Entre os motivos, dois ligados à educação: contratação de professores temporários e verba do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).

De acordo com relatório do TCE, a prefeitura não teria gasto uma verba mínima determinada por lei, de 95% do Fundeb. Em 2013, o município gastou 94%. João Paulo Ponte, que na ocasião era conselheiro do Fundeb, explica que o problema está no que o TCE considera gastos com educação. Ao todo, 60% do fundo deve ir para o pagamento dos professores e 40% para manutenção da estrutura escolar. "O combustível do cortador de grama do campo de futebol dos alunos, por exemplo, veio desses 40%. Mas para o TCE, isso não é considerado gasto com manutenção escolar", afirma.

A escola também adquiriu um terreno no final da rua para construir o parquinho de atividades físicas dos alunos do fundamental 1. "Optamos por deixar aberto para a comunidade usar fora do período escolar também, então o TCE entendeu que não era para gastar verba do Fundeb", complementa Ponte.

No caso da contratação irregular de professores temporários, sem abertura de concurso público, a secretária de educação, Dalva Aparecida da Silva, justifica pela urgência. "Alguns professores pediram demissão e precisávamos de novos para terminar o ano letivo. Para abrir concurso, precisa de aprovação da Câmara, de edital. Demora muitos meses. Assim que tivemos o aval, abrimos o concurso para preencher aquelas vagas", diz.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_