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ONG aponta extorsão de traficantes e cultura do extermínio na polícia do Rio

Relatório da Human Right Watch mergulha na violência policial do Estado Olímpico e relata rotina de execuções

María Martín

Danilo* formou-se policial na última década e começou a trabalhar em um batalhão de uma área da região metropolitana do Rio de Janeiro com altos índices de criminalidade. Ele conta que matar suspeitos de serem membros de facções criminosas era uma rotina entre os colegas: “Matar bandido é o que era exigido como bom resultado por meus superiores”.

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O depoimento é apenas um entre as mais 30 entrevistas a policiais elaboradas pela ONG internacional Human Rights Watch para entender as causas e consequências de um cenário em que mais de 8.000 pessoas morreram nas mãos da polícia fluminense na última década. A maioria das mortes, diz o relatório, pode estar justificada pela legítima defesa quando policiais e narcotraficantes enfrentam-se a tiros, mas outras têm características de execuções extrajudiciais. Entre as causas, o estudo destaca a corrupção e a impunidade e aponta como consequências um circulo de violência que atinge também os policiais. “Traficante sabe que, se for preso, não vai ser respeitado, então ele não respeita. Ele vai matar, com crueldade”, ilustra Danilo na sua entrevista.

A organização analisou 64 casos ocorridos desde 2007, nos quais morreram 116 pessoas. Neles havia fortes indícios de execução das vítimas por parte dos policiais. As conclusões do estudo não só apontam uma cultura de extermínio de alguns policiais militares mas também o descaso por parte da Polícia Civil para investigar os crimes – em 52 dos 64 casos examinados não havia registro algum de que peritos analisaram a cena do crime.

As críticas também contemplam a inércia do Ministério Público Estadual na hora de fiscalizar as investigações e processar os policiais. O MP disse à Human Rights Watch que apresentou denúncia em apenas quatro – ou 0,1 por cento – dos 3.441 casos de homicídios cometidos pela polícia que foram registrados entre 2010 e 2015. Nos 64 casos investigados, os promotores de Justiça sequer apresentaram denúncias em 36 deles, “apesar de evidências críveis de que a polícia havia acobertado um caso de uso ilegal da força”, denuncia o relatório. Apenas oito casos foram julgados e só quatro resultaram na condenação dos policiais envolvidos.

Procurado, o MP negou os dados que a própria instituição enviou à ONG e afirmou que de 2010 a 2015 ofereceu denúncia em 278 dos 988 casos investigados pela polícia – nesse período houve 3.441 homicídios cometidos por policiais. A Secretaria de Segurança Pública não se manifestou e a assessoria da Polícia Civil afirmou que aguarda a publicação do relatório para "ter condições de se manifestar."

O policial Danilo também disse na entrevista que o objetivo de algumas operações das quais participou era matar supostos traficantes de drogas porque os oficiais acreditavam que essas ações eram necessárias para combater o crime. Em outros casos, no entanto, policiais executavam pessoas para manter suas atividades corruptas. Nesse sentido, Danilo disse à ONG que alguns policiais sequestravam traficantes, recebiam o resgate e depois os executavam, e outros executavam pessoas para serem conhecidos como “assassinos” entre os traficantes, podendo assim extorquir mais dinheiro deles. Ele disse que seu batalhão recebia toda semana cerca de 120.000 reais de traficantes de drogas “para não entrarmos nas favelas, ou para avisarmos antes de entrar”. Esse acordo é tão comum no Rio de Janeiro, disse, que tem até nome: “o arrego”.

Só em 2015, a polícia fluminense matou 645 pessoas, três quartos delas, negras. É o número mais alto desde 2010, quando começou no Estado uma tendência à baixa desse tipo de crimes.

O relatório contempla também a violência que vitima policiais na guerra ao narcotráfico, mas aponta que para cada agente morto em serviço no Rio de Janeiro, a polícia matou 24,8 pessoas, mais que o dobro que na da África do Sul e uma média três vezes maior que a dos EUA. A grande maioria dessas mortes é justificada por confrontos armados com traficantes, mas a HRW rebate a explicação padrão para acobertar crimes: “A polícia do Rio matou cinco pessoas para cada uma que feriu de 2013 a 2015, é o oposto do que se esperaria em confrontos”.

Em vários dos casos estudados os policiais que atiram contra a vítima tentaram forjar a cena do crime para simular o tão recorrente confronto. A prática, por exemplo, foi flagrada por vizinhos da favela da Previdência, no centro do Rio, em setembro do ano passado. Após dispararem contra um jovem de 17 anos, os policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) adulteraram a cena colocando uma pistola na mão do jovem enquanto agonizava e dispararam com ela para o alto.

Adriana mostra a foto do seu filho, um dos jovens assassinados por policiais em Costa Barros. A mulher tentou se suicidar várias vezes depois da morte do filho. Os quatro policiais envolvidos na chacina aguardam o julgamento em liberdade.
Adriana mostra a foto do seu filho, um dos jovens assassinados por policiais em Costa Barros. A mulher tentou se suicidar várias vezes depois da morte do filho. Os quatro policiais envolvidos na chacina aguardam o julgamento em liberdade.César Muñoz / HRW

Foi o que aconteceu também em novembro no caso da chacina de Costa Barros, um subúrbio do Rio, quando policiais atiraram com seus fuzis uma centena de vezes contra o carro onde viajavam cinco jovens que iam lanchar. Testemunhas acusaram os policiais de colocar uma arma junto a uma das vítimas, mas a perícia descartou que houvesse vestígios de pólvora nas mãos de todos os assassinados. Os nove policiais envolvidos nesses dois casos aguardam em liberdade seu julgamento.

A prática, segundo as 88 entrevistas realizadas pela HRW a policias, peritos, promotores, defensores públicos e familiares das vítimas, tende a ser generalizada. A organização conversou com o Procurador-geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Marfan Martins Vieira, que disse que “grande parte deles [dos homicídios cometidos pela polícia] é uma fraude escancarada, são simulacros de confronto”. O Promotor de Justiça Alexandre Themístocles de Vasconcelos – que atua em duas regiões do Rio com altos índices de homicídios cometidos pela polícia – disse à ONG que “na grande maioria dos casos não há confronto”. Dois coronéis da reserva da polícia militar relataram que oficiais que se envolvem em confrontos são valorizados em alguns batalhões. “Eles acreditam que o bom policial é aquele que elimina o inimigo”, disse o coronel da reserva Ubiratan Angelo, ex-comandante geral da polícia militar. “Existe uma cultura que valoriza o confronto”, afirmou o Coronel da reserva Robson Rodrigues

Danilo que, em certa ocasião, participou de uma emboscada em uma favela, na qual mataram dois homens e um outro que ficou ferido foi executado por um colega, afirma que nunca denunciaria. “Essas pessoas não têm escrúpulos”, disse ele sobre seus colegas policiais. Ele contou que também temia ser morto por policiais corruptos ao não levar dinheiro do tráfico de drogas para seus superiores. No Rio de Janeiro, disse Danilo, “o bom policial tem medo”.

 *O nome do policial foi trocado pela organização por segurança.

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