Rasteira e pulo à cerca nos jogos olímpicos
O Brasil poderia fazer jogos bem mais interessantes e adequados ao caráter nacional. Delação premiada e o grampo seriam modalidades disputadas em Brasília
O Brasil, que está longe de ser uma potência olímpica, poderia fazer jogos bem mais interessantes e adequados ao caráter nacional. Em vez do badminton, a peteca propriamente dita, na sua versão mais mineira possível. Que futebol que nada. O verdadeiro e incontestável esporte canarinho é a rasteira, como na proposta de Graciliano Ramos (1892-1953), o mais russo e genial dos nossos escritores.
A rasteira como espécie de capoeira e, evidentemente, como a arte de passar a perna no outro. O importante é levar vantagem em tudo, certo? A delação premiada e o grampo seriam modalidades disputadas em Brasília.
Na classe dos relacionamentos, o pulo à cerca é disparado o mais popular, o ouro moral mais perseguido pelos amantes. Porrinha (jogo de palitos), queda de braço, vaqueijada, pega-de-boi, briga de galo e o dominó também têm chances de emplacar na maior competição do mundo.
Outras propostas deste sedentário cronista de costumes ao comitê Rio 2016:
Molhar a mão – Nunca existiu crise hídrica, em São Paulo ou qualquer parte do país, que impedisse este nosso eterno campeonato de propina. Não há vidas secas para tal arte. A mania cívico-esportiva foi adotada desde o originalíssimo esquema Pau Brasil nos tempos da Monarquia. A Lava Jato agora revela: de tanto molhar as mãos uns aos outros, políticos e empreiteiros acabarão afogados.
Golpismo com ou sem obstáculos – Teria sido praticado pela primeira vez com o “Golpe da Maioridade”, que levou o mancebo Pedro II, com 15 anos incompletos ao trono, em 1840. Começava o Segundo Império. Outro golpe, em 1889, fundaria a República. E assim, aos trancos e barrancos, como dizia o professor Darcy Ribeiro, vamos seguindo hoje em dia em Brasília.
Pole dance – A dança enroscada ao poste é um clássico das boates de striptease. Mais artística do que qualquer variação da ginástica. Existe uma federação internacional do ramo que já reinvidicou oficialmente a inclusão da modalidade nas olimpíada carioca. Na torcida. As meninas do Vagão Plaza, casa erótica de São Paulo, são favoritíssimas ao ouro dessa prática que reúne o melhor do caráter apolíneo e do dionisíaco ao mesmo tempo.
Malabarismo de semáforo – É no sinal fechado que muitos brasileiros revelam sua arte da viração. Teriam, no entanto, adversários competentes na área: o time de mochileiros argentinos. Um clássico à vista na disputa pela hegemonia na América Latina.
Corrida ao busão – Outra grande modalidade na categoria sobrevivência nos Tristes Trópicos. Vale a disparada, nos cem metros rasos, em busca do ônibus quase perdido. Os motoristas devem ser treinados com os condutores cariocas, os mais velozes do Oeste na arte de “queimar” paradas. Um desafio até para o Usain Bolt.
Rasteira – Graciliano Ramos defendeu este esporte, espécie de capoeira mais rudimentar, em reação ao avanço do futebol no país:
“A rasteira! Este, sim, é o esporte nacional por excelência! Todos nós vivemos mais ou menos a atirar rasteira uns nos outros. Logo na aula primária habituamo-nos a apelar para as pernas quando nos falta a confiança no cérebro — e a rasteira nos salva. Na vida prática, é claro que aumenta a natural tendência que possuímos para nos utilizarmos eficientemente da canela. No comércio, na indústria, nas letras e nas artes, no jornalismo, no teatro, nas cavações, a rasteira triunfa.”
O caro leitor pode enviar sugestões para ampliar esta nossa modesta proposta olímpica. Voltaremos em breve ao assunto. Uma rasteira, um aperto de mão com fair play e até a próxima.
Xico Sá, escritor e jornalista, é autor de Big Jato (Companhia das Letras), entre outros livros. É comentarista dos programas “Papo de Segunda” (GNT) e “Redação Sportv”.
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