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Parar o relógio e viver intensamente

Levar uma vida de rotina não libera ninguém de experimentar aventuras O tempo é o que é. Está em nossas mãos decidir como queremos desfrutá-lo

O protagonista do filme Uma questão de tempo pertence a uma família cujos membros têm um dom especial: podem viajar a lugares e momentos em que estiveram anteriormente. Essa peculiaridade lhes permite desfazer decisões e corrigir erros para melhorar suas vidas. Até o fim do filme, o personagem percebe que sua vida foi boa exatamente do jeito como ela foi e que não deseja voltar para o passado.

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Talvez seja este o maior anseio de qualquer um de nós. Chegar ao fim de nossas vidas e poder dizer a nós mesmos: “Foi bom assim. Se eu voltasse a viver, não mudaria nada”. A pergunta é se alcançar tal nível de satisfação não depende tanto do número e da variedade de experiências quanto da intensidade com a qual elas foram vividas.

O magnífico filme Up, da Walt Disney-Pixar, reflete muito bem esse sentimento, quando o personagem principal, um idoso viúvo, que não conseguiu fornecer a sua falecida esposa nenhuma das aventuras que sonharam quando eram crianças, descobre que sua mulher montou um álbum de fotos de todas as viagens que iriam realizar com fotografias de suas vidas em casa e deixou um recado escrito: “Obrigado pela aventura”. Ela apreciou o que viveu com o marido, pouco ou muito, como um grande acontecimento. É uma sequência preciosa que nos ensina que o importante é o sentido que queremos dar às nossas vivências, nem tanto o que acontece em si. É possível levar uma vida rotineira e vivê-la intensamente.

No entanto, é muito difícil fazer valer essa atitude. A oferta de possibilidades alternativas, destinos turísticos, as inumeráveis possíveis relações pessoais e caminhos que as redes sociais abrem exercem uma enorme pressão sobre o indivíduo de hoje em dia. As relações da sociedade líquida, como defendeu o sociólogo Zygmunt Bauman, provam que o ser humano opta cada vez mais por não solidificar as relações, não as materializar e nem as manter, em nome de uma possibilidade eternamente variável.

Do meu ponto de vista, passamos de uma sociedade líquida para outra multidimensional ou poliédrica. Quando realizamos uma atividade, buscamos fazer outra ao mesmo tempo. É habitual que os fabricantes de esteiras instalem nelas uma televisão para acompanharem o jogo de futebol ou as notícias, enquanto se pratica esporte; vemos televisão em casa enquanto conversamos ou navegamos com o celular. As próprias emissoras de televisão colocam na tela, durante as discussões e entrevistas, o que os espectadores tuítam sobre o que está sendo dito. Parece que viver uma única realidade é insuficiente.

Já é habitual ver casais em um restaurante que combinam a conversa entre si com outra por meio do celular com terceiros. Não se trata de uma crítica, como “o passado era melhor”. O que esse exemplo quer explicar é que, quando se instala no ser humano uma insuficiência constante sobre o presente, ancora-se a ele uma crença deficitária da vida, e, portanto, a provável conclusão de que a sua existência não foi plena. Um desejo peremptório por multiplicar o presente desemboca em uma insatisfação com o passado.

Esquecemos o que significa presente. Os presentes têm que ser desfrutados, saboreados e apreciados. Viver intensamente obriga a parar o relógio, a não pensar em outra coisa que não seja o que se está experimentando. O tempo é o que é. A única coisa que está em nossas mãos é decidir como queremos desfrutá-lo. Tempo de qualidade, não quantidade de tempo.

Vamos pensar nas crianças. Quando são pequenos e brincam com alguma coisa, fazem apenas isso. É verdade que a aparição de um novo estímulo pode fazê-los abandonar o que têm em mãos e se dirigir a outro assunto com muita facilidade. Mas é devido à curiosidade. Sua percepção de tempo não existe. Seu presente é absoluto, e a ele se entregam com os cinco sentidos.

No âmbito profissional, as consequências desse conceito, a partir de nossas decisões, são transcendentais, porque não podemos mudar de ocupação a cada dois meses. Publiquei há muitos anos um livro chamado O vendedor de tempo. O protagonista empacotava minutos em frasquinhos e os colocava à venda. As pessoas ficavam loucas e enchiam as ruas para comprá-los. Na verdade, o tempo que adquiriam era seu, era o mesmo que viveriam, mas comprá-lo com seu próprio dinheiro lhes dava liberdade para usá-lo em outras coisas. As decisões profissionais são vendas de espaço que nos pertence, e com ele que negociamos. Não em frasquinhos, mas em grandes contêineres. Nós nos comprometemos cada vez que firmamos um contrato, assumimos um cargo, um projeto, uma função ou tarefa.

Por isso temos que ser exigentes. As transações de tempo próprio, pessoal ou profissional são a principal causa para chegarmos ao fim de nossas vidas pensando que deveríamos ter vivido de outra maneira. Para evitar que isso aconteça, é bom se perguntar frequentemente: “O que eu faria se não tivesse medo? O que eu faria se soubesse dizer não? ”.

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