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Recuo no discurso e marcha ré em medidas deixadas por Dilma

Na primeira semana, ministro da Saúde diz que reverá o SUS, depois volta atrás. Portarias de programa de moradia e de demarcações de terra são revogadas

Protesto em São Paulo contra o presidente interino.
Protesto em São Paulo contra o presidente interino. NELSON ALMEIDA (AFP)
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O Governo interino de Michel Temer ainda não completou uma semana, mas, se por um lado recebe elogios do mercado pelas escolhas feitas na área econômica, por outro enfrenta críticas pelas posições tomadas na área social, justamente o campo mais forte do PT de Dilma Rousseff e aquele com grande capacidade de promover protestos de rua. 

Desde a última sexta-feira, primeiro dia oficial de trabalho do novo Governo, portarias assinadas pelos ministros de Rousseff nos últimos meses estão sendo revistas. Funcionários de ministérios afirmam que um pente-fino começou a ser realizado pelas equipes dos novos ministros para revisar tudo o que foi determinado pelo Governo anterior na véspera da votação da admissibilidade do impeachment no Congresso. Neste período, a presidenta, agora afastada, fez um aceno para entidades e movimentos sociais, atendendo a diversas demandas antigas, na esperança de aumentar seu apoio nas ruas.

Os movimentos de moradia, por exemplo, pediam desde o início da segunda gestão dela para que fosse ampliada a parcela do Programa Minha Casa, Minha Vida construída por intermédio das entidades e não diretamente pelas construtoras. Os movimentos sociais argumentavam que as unidades feitas pelas construtoras eram muito pequenas e de pior qualidade e que as habitações destinadas para as faixas mais pobres acabavam sendo construídas em locais muito periféricos, para que o valor pago, mais baixo, compensasse para as empresas. Rousseff atendeu ao pedido por meio de duas portarias publicadas no Diário Oficial nos dias 10 e 12 de maio. Elas viabilizariam a construção de 33.000 unidades habitacionais pelas entidades.

No entanto, nesta terça-feira, menos de uma semana depois, o que foi comemorado pelos movimentos sociais acabou sendo revogado pelo novo Ministro das Cidades, Bruno Araújo. Em duas portarias publicadas no Diário Oficial ele justifica que a decisão foi tomada "considerando a necessidade de readequação dos recursos orçamentários da União relativos ao programa". Diante da mudança, entidades que lutam pela moradia já começaram a se organizar para se manifestar. "Nosso temor é muito grande. Isso atinge todas as entidades, por isso planejamos uma ação unificada", explica Raimundo Bomfim, coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP). "Isso só mostra que [o Governo Temer] não tem muito apreço por esse programa e que os cortes sociais já começaram."

Outra área que deve ter suas ações revistas será a de demarcação de terras indígenas. Uma das grandes críticas feitas a Rousseff desde sua primeira gestão era a demora na realização das demarcações. O Governo era acusado de, em troca de apoio no Congresso, ceder aos representantes do agronegócio, que buscam evitar a delimitação de terras dos índios -a bancada ruralista tenta, por exemplo, aprovar na Câmara a PEC 215, que muda a atribuição da demarcação de terras indígenas da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), ligada ao Ministério da Justiça, para o próprio Congresso. Antes de assumir o Governo, Temer recebeu os ruralistas, que afirmaram que tinham como prioridade barrar as demarcações, segundo afirmaram os jornais locais.

Para atender aos pedidos das comunidades indígenas, desde primeiro de abril o Governo federal deu andamento a cerca de 30 processos de áreas para a demarcação. Na última sexta-feira, o jornal O Globo fez uma reportagem em que afirmou que o Governo Temer iniciou um pente-fino em todas as portarias feitas pelo Governo afastado desde, justamente, primeiro de abril. Em entrevista à Folha de S.Paulo na segunda-feirao novo ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou que vai reanalisar todas as portarias deste ano "de todas as áreas" e que nenhuma revisão de demarcação será feita "sem um diálogo com as partes envolvidas". O Instituto Socioambiental (ISA), entidade que cuida dos direitos indígenas, já se pronunciou e afirmou que qualquer revogação é "ilegal".

No Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário, o clima entre os funcionários e militantes de movimentos sociais é de preocupação. Eles temem que pente-fino acabe por chegar na revogação da portaria que cria o Conselho Nacional dos Povos e Comunidades Tradicionais, responsável por acompanhar a realização de políticas públicas para indígenas, quilombolas, povos de matriz africana, ciganos, entre outros. A portaria foi divulgada no último dia 9, depois de seis meses de discussões, que acabaram por transformar em conselho uma comissão já existente desde 2006, ampliando suas atribuições. As principais demandas atendidas por esse grupo são referentes ao reconhecimento de identidade e de território. Preocupadas pela possibilidade de extinção, não confirmada pelo Governo, ao menos quatro entidades divulgaram notas se posicionando contra a "desconstrução" do conselho.

Os movimentos sociais também criticam a mudança feita pelo novo Governo ao transferir do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), ligado ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, para o recém-criado Ministério da Educação e Cultura, a atribuição de delimitar as terras dos remanescentes das comunidades quilombolas. Será deste ministério, agora, a obrigação de determinar as demarcações, segundo a Medida Provisória 726, que dispõe sobre a nova organização da Presidência da República. Educação e Cultura são comandadas pelo ministro Mendonça Filho, do DEM, partido pelo qual a comunidade negra nutre enorme desconfiança desde que ele recorreu ao Supremo Tribunal Federal para contestar a política de cotas raciais na Universidade de Brasília, em 2012.

A área da saúde também enfrentou sua cota de polêmicas nesta terça-feira. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o novo ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirmou que a "capacidade financeira do Governo para suprir todas as garantias que têm o cidadão não são suficientes", dando a entender que há uma necessidade de revisão no Sistema Único de Saúde (SUS). "Quanto mais gente puder ter plano [de saúde], melhor", afirmou ele, que teve como principal doador individual de sua campanha para deputado, em 2014, um sócio do grupo Aliança, uma administradora de planos de saúde. Depois da repercussão, ele voltou atrás. No início da tarde, divulgou uma nota em que reafirmou o compromisso com o SUS e disse que ele é "uma cláusula da Constituição e um direito garantido". “Eu não tenho nenhuma pretensão de redimensionar o SUS", ressaltou.

Barros foi o segundo ministro de Temer a ter de voltar atrás após uma declaração polêmica, nesta primeira semana de Governo. Na segunda-feira, Moraes, da Justiça, também causou polêmica em uma entrevista à Folha de S.Paulo ao afirmar que o cargo de procurador-geral, que investiga o Governo, poderia ser escolhido pelo presidente. Nos últimos anos de comando petista, ele tem sido escolhido por votação da categoria. Diante das críticas, acabou desautorizado pelo próprio presidente interino e divulgou nota dizendo que apenas se referiu a uma prerrogativa constitucional.

As primeiras movimentações do Governo na área social foram usadas pela base petista para aumentar o tom das críticas a Temer no Congresso. Na tribuna da Câmara, a deputada Angela Albino, do PCdoB disse que o presidente interino é desleal ao descumprir o programa da chapa pela qual foi eleito. "É um golpe dentro do golpe", afirmou. Já a senadora Ana Amélia, do PP, partido da base de Temer, creditou as declarações dos ministros à rapidez com que a equipe teve de ser montada. "Há tempo para tudo, Tem que dar uma ajustada na orquestra que está um pouquinho desafinada", disse.

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