“O zika vírus se tornará endêmico, como a dengue”
O biólogo Luciano Pamplona diz que o 'Aedes aegypti' não poderá ser erradicado
O biólogo Luciano Pamplona Cavalcanti, especialista em epidemiologia, contraiu no ano passado a doença que é foco do seu estudo: o zika vírus. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará e secretário-geral da Sociedade Brasileira de Dengue e Arboviroses, Cavalcanti observa que a doença que assombra o mundo veio para ficar e pode controlada, mas nunca erradicada. Por isso, diz, a conscientização das pessoas é fundamental. Na semana passada, o Governo anunciou que 220.000 militares irão às ruas em uma espécie de Dia D contra o mosquito, para mobilizar a população a combater os focos do Aedes aegypti.
Pergunta. Por que ainda temos epidemias recorrentes de dengue no país?
Resposta. O Aedes aegypti está no nosso ambiente há bastante tempo, desde o século passado, e vem nos últimos anos se adaptando de forma muito eficiente aos hábitos domiciliares. Quando a gente pega textos escritos sobre o mosquito há 50 anos, o Aedes aegypti é chamado de mosquito urbano. Hoje ele é considerado um mosquito doméstico. Ele está completamente adaptado a nossas condições urbanas. Isso torna o controle muito mais difícil, porque depende de medidas que sejam desenvolvidas diariamente. Isso, junto ao aumento das viagens e a uma maior circulação de pessoas, faz com que a gente tenha uma maior diversidade de vírus e tenha as epidemias.
P. Por que ele se transformou em um mosquito doméstico? Como se adaptou desta forma?
R. Ele é um mosquito que se reproduz em água parada. O fato de as pessoas terem que acumular água, que é um hábito no Brasil [por causa das épocas de seca], trouxe esse mosquito para próximo de casa. Para ele é muito mais seguro estar dentro de casa do que estar na rua, por causa do vento e da chuva. Se dentro da casa da gente ele tem depósito com água para colocar seus ovos e o sangue das pessoas para se alimentar, ele não sai de dentro de casa. Por isso hoje o controle é muito mais difícil. Porque é preciso visitar casa a casa. No século passado, os agentes passavam nas ruas com o fumacê [fumegando as ruas], focavam em terrenos baldios.
É possível ver essa adaptação claramente. O mosquito se alimenta de sangue e de néctar. Tem um exame que a gente faz no estômago dele e hoje, em qualquer lugar do mundo que você investiga, só acha sangue humano. Ou seja, ele não está nem mais se alimentando de néctar, só de sangue. Isso porque está dentro de casa.
P. Quais são os hábitos do mosquito?
R. Ele tem predomínio por atividades no início da manhã e no final da tarde, tem preferência de picar entre 4h e 6h da manhã e entre 16h e 19h da noite. São as horas em que há menos atividade de sol e menos calor. Mas isso é um predomínio. Você imagine que as famílias hoje costumam sair de manhã e voltar de noite. Então o mosquito fica trancado dentro da casa e vai ficar com fome. Quando a pessoa chega, ele não vai dizer: ‘não, eu prefiro de manhã, então não vou picar’.
P. O Brasil convive com epidemias há muito tempo. Não está falhando no combate ao mosquito?
R. Existem duas abordagens diferentes quanto a isso. A do Governo e a da população. O programa de controle de dengue do Brasil é um dos mais modernos do mundo. O protocolo do Ministério da Saúde é copiado por vários países. O problema é que entre o que se escreve e o que é possível fazer no sistema de saúde tem uma distância. Nenhum programa do mundo vai conseguir controlar o Aedes aegypti sozinho, sem um apoio forte da população. Além disso, os mosquitos ficaram mais resistentes aos larvicidas e já se esgotou a maior parte deles. Os que existem hoje duram menos tempo funcionando eficientemente.
P. Em algum momento o mosquito poderá ser totalmente exterminado?
R. Ele é um mosquito que está adaptado às condições domésticas. E, considerando que a gente não tem uma forma de mudar os hábitos das pessoas do dia para a noite, é muito pouco provável que a gente consiga isso. Tanto é que o objetivo do Ministério da Saúde é controlar a infestação a um nível menor de 1%. Porque os estudos mostram que se eu tenho um mosquito para cada cem casas, eu não tenho epidemia das doenças. Os casos continuarão, mas não haverá epidemia. O objetivo é controlar a infestação. Em erradicar não se fala.
P. O zika vírus se tornará endêmico, ou seja, se tornará uma realidade permanentemente do país?
R. Eu acredito que sim, apesar de a gente saber muito pouco em relação ao vírus, de ter muito pouca informação. O vírus se tornará endêmico, como a dengue, porque tem o mesmo transmissor.
P. E ele poderá se alastrar por todo o mundo? Qual o risco, por exemplo, de a Espanha ter uma epidemia?
R. Não se tem no mundo uma barreira para vírus, para mosquito. As pessoas vão e vem de um país para o outro. Estamos numa fase em que as doenças vão atravessar os continentes em qualquer período. Eu amanheço em Fortaleza e anoiteço no Japão. As pessoas se deslocam de forma muito mais rápida, o que faz com que se leve a doença de um continente para outro numa velocidade maior.
P. Mas em outros países, especialmente do hemisfério norte, não há menos condições de o mosquito se desenvolver?
R. Sim, principalmente em algumas regiões da Europa por conta do frio. O controle mais eficiente para o Aedes aegypti é a temperatura. Nessas regiões onde a temperatura é muito baixa o mosquito não tem condições de sobrevivência. Baixou de 18 °C já fica muito ruim para ele. Não é à toa que São Paulo não tem muitos casos de dengue o ano inteiro porque na época fria diminui. Nas regiões frias do país, como o Rio Grande do Sul, há muito menos dengue do que no Nordeste.
Mas o consolo que a gente tem que ter é que o zika é uma doença que não vai trazer grandes problemas, que é muito menos perigoso do que a dengue. E 80% das pessoas não têm nenhum sintoma. A doença em si, em um adulto ou em uma criança, não causa grandes problemas. Eu tive zika no ano passado. Você sente uma dor articular grande, febre baixa e pronto.
Neste momento, o zika vírus parece ser mais arriscado para gestantes. Mas existem quantos mil partos no país [pouco mais de 600.000 entre outubro e dezembro] e houve pouco mais de 3.000 casos de crianças com suspeita de microcefalia. A prevalência ainda é muito pequena. Eu não indicaria, por exemplo, deixar de viajar.
P. Mesmo as grávidas?
R. Temos mecanismos de proteção individual que resolvem. É possível usar repelente, roupas compridas no final do dia. Vários hotéis têm telas nos dormitórios. É perfeitamente possível vir ao Brasil. Agora, claro, se ela não precisar vir, pode repensar a necessidade. Dizer a uma pessoa que não viaje a um país por medo de pegar uma doença é muito sério. Neste momento, há muito receio, mas, de fato, não é nada que seja tão apavorante que se recomende não viajar. Existem doenças transmissíveis aqui, como existem no mundo todo.
P. A gente vai conseguir evitar que esse boom de microcefalia se repita no Brasil no final de 2016?
R. Eu acho que neste momento as grávidas estão muito mais atentas no sentido de proteção individual, há a recomendação de usar repelente e roupas longas no início da manhã e no final da tarde. E, naturalmente, a mobilização do ministério para o verão de 2016 vai ser muito mais forte e isso vai ajudar [a reduzir os casos de zika]. Agora, tudo indica que vamos ter um novo ciclo porque agora vamos começar a ter novos casos de zika. Temos que torcer para termos logo um diagnóstico eficiente e um tratamento adequado para a gestante para que se consiga minimizar o impacto da microcefalia. E o fato de a situação se tornar um alerta mundial também pode ajudar. Tem o CDC (Centro de Controle de Doenças e Prevenção dos Estados Unidos) que tem um know-how muito grande em produção de kits de diagnóstico. Esse apoio laboratorial será muito rico para o Brasil.
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