Como um grupo de desconhecidos do Rio ‘salvou’ um jovem desaparecido
Grupo de vizinhos promove uma campanha 'maratoniana' para unir um jovem a sua mãe Victor Soares, de 20 anos, havia desaparecido em São Paulo havia cinco meses
Victor Soares, de 20 anos, vagou durante dias pelas ruas do bairro do Catete, na zona Sul do Rio, sob o olhar esquivo de todos. Andava descalço, sujo da cabeça aos pés, sem camisa e dormia onde desabava como um peso morto, às vezes no meio da rua, às vezes nu e escondido entre carros estacionados. Ele pedia comida e dinheiro para, dizia, entrar em uma lan house e contatar sua família. Victor poderia ter sido mais um das centenas de moradores de rua que habitam as calçadas cariocas, mas uma vizinha, Paula Menezes, resolveu quebrar a indiferença dois dias antes do Natal e postou uma foto dele no Facebook.
“Pessoal, quem esta sendo acordado com os gritos de alucinações desse rapaz? Liguei para o 1746 da Prefeitura, falaram que pode levar até 15 dias para recolher e se ele quiser ir também... Liguei para o SAMU porque ele grita e bate a cabeça no chão, mas eles vieram e falaram que não vão ficar circulando a ambulância procurando o rapaz desorientado e que isso é trabalho social. Liguei para o 190 porque ele estava nu e agressivo para as pessoas que circulam no bairro, e eles falaram para ligar para o SAMU”, denunciava o post de Paula num grupo de moradores do bairro com mais de 11.000 participantes.
A partir desse dia, dezenas de pessoas desconhecidas, mas membros dessa comunidade virtual, começaram a alimentar o rapaz e acompanhar seus passos, do Flamengo até Glória. Ele, que trabalhava consertando elevadores, mas sofre de problemas psiquiátricos ainda sem diagnóstico, fugia como uma enguia de qualquer aproximação que o mantivesse quieto num lugar. No sábado, Juliane Jacinto, outra moradora do bairro, colocou na internet os poucos dados que tinham conseguido até então e descobriu o perfil de Victor no Facebook. E o da sua mãe, Rejane. Descobriu assim que ela vivia desesperada havia cinco meses, quando ele teve o que parecia um surto psicótico e desapareceu da casa familiar em São Paulo. Era a segunda vez que acontecia. Rejane, de 43 anos, chegou a imprimir 2.000 cartazes com o rosto de Victor e os espalhou pela megalópole sem sucesso. Ela não acreditava que um enorme grupo de pessoas que até pouco tempo atrás falava apenas sobre assaltos, cachorros perdidos ou podas de árvores tivesse encontrado e monitorado seu garoto durante quase duas semanas. Comprou uma passagem de ônibus e correu para o Rio, sem saber muito bem como o rapaz percorreu esses 400 quilômetros.
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Enquanto ela chegava, espontaneamente, os membros do grupo postaram minuto a minuto o paradeiro de Victor. Ninguém era capaz de segurá-lo à força mas, depois de tudo, não podiam perdê-lo antes da mãe chegar. O post sobre o descobrimento da mãe do rapaz somou quase 500 comentários relatando a odisseia de acompanhá-lo à distância rua por rua.
Nesta segunda, Juliane foi a primeira a segui-lo já com a mãe pronta para encontrá-lo, mas perdeu o fôlego o perseguindo até as ladeiras de Santa Teresa. Caiu a noite e Victor não apareceu. Rejane lamentava estar desfalecida e frustrada, enquanto um grupo de moradores contava a história de Victor para os seguranças dos supermercados, os donos das bancas de jornal, os rapazes do moto-taxi e para o pessoal da subprefeitura que prometeu mobilizar até os bombeiros se Victor aparecesse... Todos se juntaram em um grupo de WhatsApp com o objetivo de alertar a volta do jovem. E todos, inclusive a mãe (acolhida na casa da vizinha Paula), foram dormir esperando o amanhecer para retomar as buscas.
Mas, perto da meia noite, os celulares começaram a apitar. Alguém tinha visto o rapaz de novo vagando pela rua do Catete, e meia dúzia de moradores largou os pijamas para sair das suas casas e segui-lo, a pé, de moto e de taxi. Victor caminhava sem rumo, mas rápido demais, tanto que estavam quase o perdendo de novo. O jovem então acelerou ainda mais o ritmo na altura da estação de metrô da Glória, na esquina com a rua Benjamin Constant. Era a esquina dos motoqueiros que integravam o grupo de buscas. Dois deles, alertados pelo grupo do Watshapp, se jogaram sobre ele e o derrubaram no chão, em uma cena cinematográfica. O rapaz, alheio à maratona organizada ao seu redor, gritava e chorava de medo. Até que sua mãe apareceu. E, enquanto eles se fundiam num abraço interminável, e os bombeiros chegavam para levá-lo ao hospital, aquele grupo de pessoas saboreou entre lágrimas e pulinhos de alegria a vitória de deixar de ser desconhecidos.
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