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Coluna
Artigos de opinião escritos ao estilo de seu autor. Estes textos se devem basear em fatos verificados e devem ser respeitosos para com as pessoas, embora suas ações se possam criticar. Todos os artigos de opinião escritos por indivíduos exteriores à equipe do EL PAÍS devem apresentar, junto com o nome do autor (independentemente do seu maior ou menor reconhecimento), um rodapé indicando o seu cargo, título académico, filiação política (caso exista) e ocupação principal, ou a ocupação relacionada com o tópico em questão

Por que o Brasil é o melhor país do mundo

Ao invés de olharmo-nos no espelho e admitirmos o quanto somos intolerantes, xenófobos, hipócritas e ufanistas, preferimos nos esconder por detrás da dissimulada máscara de cordialidade

Há uma fábula de origem hindu, conhecida em inúmeras versões, que relata a seguinte história: certa feita, um príncipe convocou cinco cegos e colocando cada um deles para apalpar partes específicas do corpo de um elefante pediu que discorressem sobre o aspecto do animal que tinham à sua frente. O que examinou a barriga disse que se tratava de algo como uma grande panela; o que investigou as patas falou que parecia o tronco de uma árvore; o que tocou as orelhas vislumbrou um imenso leque; o que tateou o rabo descreveu uma vassoura; o que sondou a tromba, uma enorme cobra, perigosa e destruidora.

Cataguases, minha cidade-natal, embora fique a apenas 300 quilômetros do Rio de Janeiro, só conheceu um oriental em 1976. Naquele ano, instalou-se na Praça Rui Barbosa, a mais importante do lugar, um nissei vendendo churros –algo bem brasileiro, um descendente de japoneses negociando doce de procedência espanhola.... Em pouco tempo, ambos, o homem e o doce, tornaram-se a atração da cidade. Havia filas durante todo o dia de pessoas interessadas menos em comprar churros que em observar de perto aquele ser humano de olhos puxados, cabelos escorridos, pele amarelada. O vendedor de churros ganhou tanto dinheiro que logo passou à frente a carrocinha e deslocou-se para longe.

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Na segunda metade da década de 1980, meu amigo J. T. L. transferiu-se com a família (mulher e duas filhas) para Bangor, País de Gales, onde por seis anos desenvolveu sua tese de doutorado na área de engenharia florestal. Em 1989, encontramo-nos em Londres para matar a saudade, num pub perto da ponte de Westminster, onde se localiza o Big Ben. Sorvendo uma caneca de cerveja, perguntei a ele como era viver em uma ilha. Ele respondeu: Ilha? Se quiser, em pouco tempo estou na França, Espanha, Portugal, Itália ou Alemanha. Alguns quilômetros e muda tudo, o idioma, a cultura, a comida, os hábitos, os costumes. Ilha é o Brasil, prosseguiu, onde pode-se passar uma existência inteira sem nunca ouvir uma língua estrangeira; onde pode-se cortar o território de leste a oeste, de norte a sul, mais de quatro mil quilômetros em ambas as direções, sem anotar praticamente nenhuma variação significativa de nada.

A ausência de experiências divergentes, ou, em outras palavras, a carência de contato com o outro, com o estranho – o que é de fora, o que nos é desconhecido – acaba estimulando comportamentos tacanhos. Por isso, nós, brasileiros, temos uma descomunal dificuldade de lidar com aquilo que não se parece conosco –podemos agir pateticamente como os cataguasenses frente ao nissei vendedor de churros (quando nos sentimos inferiores) ou bestialmente como em relação aos imigrantes haitianos (quando nos sentimos superiores). E é por isso, também, que, ao invés de olharmo-nos no espelho e admitirmos o quanto somos intolerantes, xenófobos, hipócritas e ufanistas, preferimos nos esconder por detrás da dissimulada máscara de cordialidade que nos assenta bem ao rosto.

Temos pois que, antes, escutar o discurso discordante, mirar os olhos de quem não se assemelha a nós, nos colocar na pele do vizinho

Continuamos a repetir clichês inventados por uma elite predatória, interessada no pastoreio de um povo dócil e submisso. “Nosso céu tem mais estrelas / Nossas várzeas têm mais flores / Nossos bosques têm mais vida / Nossa vida mais amores”, cantava o poeta Gonçalves Dias em 1847. Nossa natureza é a mais exuberante, nossas mulheres as mais belas, nossos homens os mais viris, repetimos no século XXI. Somos os cegos da fábula hindu que, incapazes de perceber o elefante como um todo, nos contentamos em deduzi-lo por suas partes, com resultados evidentemente desastrosos.

O superlativo sempre transporta um dado absoluto, impermeável, na maioria das vezes, à comprovação. Deveríamos, ao invés de continuar reforçando lugares-comuns, pensar em termos de comparação. Uma coisa somente é em relação a outra. Temos pois que, antes, escutar o discurso discordante, mirar os olhos de quem não se assemelha a nós, nos colocar na pele do vizinho. Talvez até descobríssemos, afinal, que nosso céu tem mais estrelas, mas não as vemos por causa da poluição; que as flores estão morrendo nas várzeas contaminadas; que estamos destruindo nossos bosques; que estamos oprimindo as mulheres, e os negros, e os índios, e os homossexuais, que estamos dizimando os jovens nas guerras do trânsito e do tráfico; que, portanto, nossa vida poderia sim até ter mais amores, mas no momento tudo encontra-se envenenado pela peçonha da ignorância.

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