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Como se apagavam indígenas das fotos antes da era do Photoshop

Uma exposição em Quito mostra imagens nas quais se cobria ou apagava as etnias

Francois Laso, curador da exposição.
Francois Laso, curador da exposição.EDU LEÓN

O Museu da Cidade, por meio da obra do fotógrafo José Domingo Laso (1870-1927), nascido em Quito, oferece um panorama da cidade no início do século XX. Mas, além da estética das imagens antigas, quer mostrar o papel que a fotografia teve na construção da sociedade quitenha, que se mirava na Espanha e considerava que seus indígenas eram anacrônicos.

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François Laso, fotógrafo e bisneto de José Domingo, recuperou parte dos livros e postais que seu predecessor produziu entre 1911 e 1925, e escreveu uma tese na qual conclui que “a fotografia não é ingênua” e que o trabalho de seu bisavô é perpassado por “uma matriz de segregação muito profunda”.

Para respaldar o “olhar higienista da elite do século XX”, nas palavras do bisneto, Laso apagou os indígenas de suas fotografias e vendeu ao mundo imagens de uma cidade branca e moderna.

Na exposição, batizada de La Huella Invertida (a marca invertida, em português), pode-se ver o prefácio do álbum Quito a la vista (Quito à mostra), no qual o fotografo expressa seu compromisso de mudar a visão de que o Equador é “um país selvagem e conquistável”, e critica que os estrangeiros se concentrem no elemento indígena que aparece sempre “enfeiando tudo e dando uma ideia pobríssima de nossa população e de nossa cultura”. Por isso, dedica-se a fazer com que todas as fotografias saiam “limpas e isentas desses grupos”.

Para eliminar os indígenas, o fotógrafo riscou as placas de vidro, que eram os negativos do passado, e cobriu os borrões com vestidos brancos e chapéus de aba larga

Para eliminar os indígenas, o fotógrafo riscou as placas de vidro, que eram os negativos do passado, e cobriu os borrões com vestidos brancos e chapéus de aba larga para fazê-los passar por damas da alta sociedade. Ninguém o criticou porque tudo estava de acordo com as políticas da época e com o pensamento hispanista.

François explica que se desejava transformar Quito em uma cidade moderna, limpa e perfeita como outras no continente e que os indígenas eram praticamente um estorvo. “Os indígenas que são apagados são os mais pobres, os vagabundos, os excluídos... Além disso, são apagados de lugares como a Plaza de la Independencia, mas deixados no espaço que lhes corresponde, como os mercados, ou aparecem sem nome [para esconder sua identidade e sua vinculação com o Equador] no álbum antropométrico que meu bisavô fez para Jacinto Jijón y Caamaño”, afirma o pesquisador.

José Domingo Laso não foi criticado até os anos 90, quando a pesquisadora Lucía Chiriboga percebeu os borrões. Seu bisneto retomou a pesquisa convencido de que a matriz racista que se vê no trabalho de seu ancestral prevalece até hoje, por isso fala de um pretérito presente. “Hoje em dia os indígenas são excluídos dos bairros, são relegados às periferias ou se escondem ao deixar de se vestir como indígenas”, diz e acrescenta que “o racismo mordaz existente neste país foi modelado pela fotografia”. Por isso a intenção de François Laso é que a exposição não seja uma janela, mas um espelho do passado.

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