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Engenheiro dos EUA avisou há um ano sobre a fraude da Volkswagen

“Não demos com a língua nos dentes. Apenas abrimos os olhos dos reguladores”, diz

Foto: reuters_live | Vídeo: EFE / El País Vídeo

Daniel Carder não poderia imaginar que seu estudo sobre as emissões de gases dos carros movidos por motores a diesel estaria no centro do que pode ser uma das maiores fraudes corporativas da história. Os resultados dos testes de rendimento feitos em dois modelos fabricados pela Volkswagen e outro pela BMW eram públicos desde 2014, diz Carder. Mas não era possível prever uma fraude desse tamanho, durante tanto tempo, explica esse engenheiro de 45 anos.

“Ficamos tão surpresos como o resto do mundo quando a agência de proteção ambiental fez o comunicado na sexta-feira”, explica o diretor interino do centro para combustíveis alternativos, motores e emissões de gases da Universidade da Virginia Ocidental. O engenheiro comenta em uma conversa telefônica ao EL PAÍS que sua equipe é composta por nove pessoas, além de trinta estudantes.

Logo que a entrevista começou, Carder explicou que o estudo foi pedido pelo International Council on Clean Transportation para verificar como as normas norte-americanas contra a contaminação poderiam ser aplicadas na Europa e demonstrar também que os motores a diesel podem ser uma alternativa de baixa emissão de gases nocivos. Para isso trabalharam com três veículos: um Jetta, um Passat e um BMW. Foram feitos testes em laboratório e em estradas.

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Eles esperavam que os três veículos tivessem bom rendimento. “Os resultados mostraram que o BMW funcionou bem nos dois cenários”, conta. Mas os carros da Volkswagen ultrapassavam em até 30 vezes os limites das emissões fora do laboratório. “Quando vimos a discrepância pensamos que poderia ser um problema técnico e pedimos ao fabricante que nos deixasse testar outros carros”, diz.

O engenheiro explica que não queria apresentar os resultados sem realizar uma amostragem mais ampla. “Existem milhões de carros circulando”, afirma. Não recebeu resposta e o exame veio a público em maio de 2014 em San Diego. Nesse evento estavam funcionários da EPA (Agência de Proteção Ambiental dos EUA, na sigla em inglês), entre outros especialistas. Por sua parte, o International Council on Clean Transportation começou a enviar os dados às autoridades.

"Não demos com a língua nos dentes"

Enquanto isso, os técnicos da Volkswagen entraram em contato com os pesquisadores do centro, mas nunca com os representantes da EPA. “Não fomos nós que demos com a língua nos dentes”, afirma. De fato, diz que ele e sua equipe haviam praticamente se esquecido desse caso, “porque esteve morto durante mais de um ano”. Ninguém, nem mesmo a imprensa especializada, se deu conta do alcance do estudo.

“A única coisa que fizemos foi abrir os olhos dos reguladores”, comenta Carder, que não sabia até sexta-feira que o resultado do centro estava sendo citado como argumento na troca de comunicados entre a EPA e a Volkswagen, na qual chegaram a ameaçar não fornecer a certificação para a venda de novos veículos. A empresa alemã acabou admitindo que projetou um sistema informatizado para falsificar os dados dos testes.

Os técnicos desse centro de estudos de engenharia na Universidade a Virginia Ocidental deram como certo, após o longo silêncio, que a Volkswagen havia realizado um recall para revisão voluntária de seus veículos para resolver o problema. “Pensamos que haviam resolvido o problema”, insiste, porque sua sensação era a de ter estabelecido uma certa cooperação. “Nós enviamos dados a eles”.

O trabalho do centro dirigido por Carder é principalmente acadêmico, mas também realiza estudos para terceiros e trabalha com os fabricantes no processo de certificação. O engenheiro explica que utilizam sua própria tecnologia para realizar os testes em estrada, instalando sensores nos canos de escapamento que vão gerando dados em tempo real a dispositivos de medição instalados nos veículos.

Trajetos de teste

Para esse estudo em especial, os três carros percorreram várias centenas de quilômetros em Los Angeles e San Diego. Um dos veículos fez o trajeto de ida e volta a Seattle. Além disso, foram submetidos a testes nos laboratórios do California Air Resources Board. Carder evita especular sobre o sistema utilizado e se declara surpreso também pela admissão tão clara feita pela Volkswagen.

Ele dá uma pista: a gestão de temperatura dos motores a diesel. E é aí que vê o problema para os atuais proprietários dos carros afetados. Carder dá como certo que quando o sistema de controle das emissões for mudado, esses veículos perderão potência e serão menos eficientes para poder manter o rendimento. Isso não somente reduzirá o preço de revenda, como afetará a garantia.

O engenheiro pede que o estudo de seu centro não seja utilizado como argumento para colocar em dúvida a tecnologia a diesel. “O carro da BMW funcionou perfeitamente e cumpriu os parâmetros exigidos nos dois ciclos”, afirmou. “As pessoas gostam muito de especular sobre o futuro do diesel, mas não é essa a questão”. Ele só espera que o caso sirva para melhorar o processo de certificação dos veículos.

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