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TRANSPORTE URBANO
Tribuna
São da responsabilidade do editor e transmitem a visão do diário sobre assuntos atuais – tanto nacionais como internacionais

Os ônibus e a poluição em São Paulo

Quando discutimos modelo de concessão, não podemos impor tecnologias específicas

Trânsito em São Paulo.
Trânsito em São Paulo. Dado Galdieri/Bloomberg

A Prefeitura de São Paulo apresentou em junho último os modelos de ônibus que se integrarão ao novo sistema de transporte coletivo da cidade. A frota de veículos articulados crescerá e estes virão equipados com Wi-Fi, ar-condicionado, câmeras de monitoramento e tomadas para o carregamento de celulares. Esta frota estará vinculada ao novo modelo de concessão para o transporte por ônibus apresentado pelo prefeito Fernando Haddad para os próximos 20 anos. O prazo para consulta pública do edital expirou no último dia 31 de agosto.

As novidades compõem um aprimoramento importante no conforto dos veículos. Contudo, esta é uma oportunidade igualmente preciosa para se repensar a qualidade do sistema de transporte coletivo levando em conta a inserção mais sustentável desses veículos no meio urbano, reduzindo seus impactos ambientais locais.

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No ano de 2010, a Prefeitura iniciou o Programa Ecofrota. Seu objetivo primordial consistia em atender a Lei Municipal nº 14.933, de 2009, usualmente chamada de Lei das Mudanças Climáticas. Essa legislação estabelece que todo o sistema de transporte público da cidade de São Paulo deverá operar com combustíveis “renováveis”, até 2018, reduzindo em 10% o uso de combustíveis fósseis a cada ano. A estratégia adotada no programa Ecofrota procurou promover diversas tecnologias como biocombustíveis (biodiesel, etanol e diesel de cana-de-açúcar) e veículos elétricos (trólebus, célula combustível de hidrogênio, híbrido e bateria). Desse modo, buscava-se obter benefícios sinérgicos, com a redução tanto de poluentes quanto de gases de efeito estufa.

No entanto, passado mais da metade do prazo, a proposta, apesar da sua aparente atratividade ambiental e tecnológica, falhou ao se equivocar na estimativa dos tempos necessários para que essas opções tecnológicas se revelassem viáveis técnica e financeiramente. As metas anuais não foram cumpridas e, em abril de 2014, o Programa Ecofrota foi paralisado.

Há de se questionar a falta de continuidade das políticas a serem adotadas pela cidade. Não há razão para os novos ônibus da frota municipal, além de trazer maior comodidade e qualidade do serviço ao usuário, não possam também contribuir para a redução da poluição local e a mitigação das mudanças climáticas. A imposição de critérios ambientais mais estritos para os veículos, principalmente para aqueles que circularão nos corredores de maior densidade, pode induzir uma substituição dos atuais motores a óleo diesel de maneira gradual e factível, tanto nos aspectos ambientais quanto tecnológicos e econômicos. Este momento de substituição da frota e de proposição de um novo modelo de concessão é o ideal para “casar” a qualidade do transporte com a qualidade do ar.

Devemos evitar erros do passado de tentar impor tecnologias específicas. O foco da política pública deve se concentrar na definição dos critérios (internos e externos) a serem atendidos pelos veículos que poderão circular na cidade. Além disso, devemos evitar soluções simplistas e pouco justificáveis. Por exemplo, a Lei de 2009 exclui a possibilidade da utilização do gás natural em ônibus, pois fala, explicitamente, de promover “a substituição gradual dos combustíveis fósseis”.

Se levarmos em conta sua viabilidade técnica e econômica, o gás natural é, sem dúvida, a melhor solução para uso imediato nas grandes cidades brasileiras

Mas é importante notar que o gás natural tem sido utilizado em diversas cidades do mundo, contribuindo muito para a promoção do transporte sustentável, com significativas reduções nas emissões de poluentes. Se levarmos em conta sua viabilidade técnica e econômica, o gás natural é, sem dúvida, a melhor solução para uso imediato nas grandes cidades brasileiras, incluindo São Paulo e os demais municípios da região metropolitana.

Proibir o seu uso por lei, lamentavelmente, significa trocar o “sonho de ter tudo” pela “realidade de ficar com nada” no que diz respeito às urgentes questões ambientais que afligem as grandes cidades. A existência da Lei das Mudanças Climáticas de São Paulo é importante. Porém, suas atuais apostas tecnológicas inviabilizam o cumprimento das metas. Esse quadro precisa ser repensado. Não há mais tempo para transformar a metrópole em um grande laboratório de tecnologias nem sempre comprovadas. O uso do gás natural em veículos pesados atende a muitos critérios de sustentabilidade e suas vantagens ambientais podem ser usufruídas pela cidade no curtíssimo prazo.

Edmilson Moutinho dos Santos é professor e pesquisador do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo – IEE-USP. Thiago Luis Felipe Brito e Rodrigo Galbieri são pesquisadores do mesmo instituto.

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