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Novos rumos para a velha educação

MEC sai à caça de escolas inovadoras do país para renovar políticas públicas do setor

Escola municipal em Curitiba.
Escola municipal em Curitiba.Cesar Brustolin / SMCS (Fotos Públicas)

No começo de 2002, 21 computadores da escola municipal Presidente Campos Salles, localizada na favela Heliópolis, em São Paulo, foram roubados. O diretor da época, Braz Rodrigues Nogueira, resolveu mobilizar a comunidade para encontrar os responsáveis e recuperar os equipamentos. Bateu de porta em porta, conscientizando os moradores de que os computadores eram propriedade de todos os alunos, e que foram instalados para melhorar o acesso das crianças a diferentes fontes do conhecimento. Três dias depois do ocorrido, Nogueira foi abordado na rua pelo líder de uma facção, que bloqueou a passagem do diretor com um carro. Abaixou o vidro, pediu desculpas e informou que os computadores da escola seriam devolvidos imediatamente. “Naquele momento, decidi derrubar todos os muros que separavam a escola da comunidade”, afirma Nogueira.

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“Heliópolis tinha toque de recolher nas escolas. Várias fechavam à noite e a única escola que ficava aberta era a nossa, graças ao bom relacionamento que construímos ao longo dos anos com a comunidade”, destaca Nogueira que hoje é diretor da Diretoria Regional de Educação (DRE) Ipiranga. Com o episódio, ele destaca que aprendeu uma valiosa lição de gestão. “A principal característica de um líder é manter a esperança do grupo”, conta

Campos Salles derrubou não apenas os muros que isolavam a escola de seu principal público. Derrubou também as paredes internas. As 12 salas da escola foram transformadas em quatro grandes salões. As mesas individuais foram substituídas por mesas maiores, para acomodar quatro alunos cada, trabalhando em equipe na realização de atividades escolhidas por eles, dentro do escopo curricular. Desta forma, explica Nogueira, os alunos são estimulados a sanar dúvidas entre si, a ajudar uns ao outros. As aulas são interdisciplinares, ministradas por três professores ao mesmo tempo. A instituição não fecha as portas nem de finais de semana, quando a comunidade pode realizar atividades culturais que ela propõe. “Educar é responsabilidade de toda a sociedade, da família à escola”, acredita. A estratégia de construir conhecimento em conjunto com a comunidade teve reflexos em diversos indicadores, como os de rendimento e evasão escolar.

O exemplo de Heliópolis revela como a educação segue modelos que se adaptam ao seu contexto específico. Assim, os especialistas apontam que a comparação do modelo de ensino brasileiro ao de países desenvolvidos acaba por nos induzir ao erro de tratar diferentes como iguais. Há uma realidade social, econômica e política bastante peculiar ao país que não deve ser ignorada na hora de discutir qual é o melhor sistema educacional a implantar. Ainda assim, a escola Campos Salles é um exemplo de como nem sempre é preciso despender um grande volume de recursos, nem é mandatário pertencer ao primeiro mundo, para incorporar métodos de ensino inovadores. O tema foi mote do Seminário internacional liderança e inovação na educação, promovido pelo jornal EL PAÍS, em conjunto com a Fundação Santillana, com patrocínio da Fundação Telefônica Vivo, em São Paulo, na última sexta-feira (18).

Segundo o britânico David Albury, especialista em inovação na educação, e diretor da Global Educational Leadership Program (GELP), casos como o da escola de Heliópolis demonstram que o debate em torno da qualidade de ensino não pode estar centrado na quantidade de recursos disponíveis, mas sim na forma como o conteúdo é difundido na sala de aula. “Mesmo sem equipamentos, infraestrutura adequada e tudo mais, algumas escolas têm conseguido promover grandes mudanças na forma como ensinam”, explica. “Performance e orçamento não estão diretamente relacionados. Educação tem um grande orçamento no Brasil, mas boa parte dos recursos não chegam até os alunos, até às salas de aula. É preciso direcionar os gastos com educação em ferramentas que permitam melhorar a experiência do aprendizado”, complementa.

O orçamento da educação é o terceiro maior entre os ministérios, atrás apenas de previdência e saúde. Para este ano, a Lei Orçamentária Anual prevê recursos de mais de 103 bilhões de reais para o setor. Os investimentos contrastam, contudo, com os resultados que o país obtém nos rankings mundiais que avaliam o desempenho escolar dos alunos brasileiros. A última edição do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (PISA) colocou o Brasil no 60ª lugar entre os 76 países avaliados — a Argentina está na posição 62º e a Colômbia, 67º.

Na avaliação de Albury, parte da explicação está na estrutura do aprendizado no país, pautada nos mesmos modelos utilizados há dois séculos. A educação do século XXI, na opinião do especialista, exige métodos mais dinâmicos e aderentes à realidade dos jovens. “Os alunos estão conectados em rede o tempo todo, mas, na escola isso é pouco explorado”, exemplifica. “Os alunos também não são motivados a falar o que querem aprender; a liderarem, portanto, o processo de aprendizado. A grade curricular é pré-formatada, mas ninguém aprende no mesmo ritmo, nem compartilha das mesmas paixões”, complementa.

Albury defende que a diversidade deve ser enxergada como um ativo, e não como um problema, nas salas de aula. Para ele, o professor tem muito a aprender com o aluno que, por sua vez, pode ajudar os colegas que têm dificuldade, ensinando aquilo que sabem melhor. Esta dinâmica, característica do que chama de “educação do século XXI”, pode ser aplicada para minimizar uma das maiores dificuldades que os professores enfrentam nas salas de aula, como a superlotação e a inclusão de alunos com necessidades especiais.

“Há profissionais altamente engajados e apaixonados pelo que fazem e eles precisam ser valorizados. Os salários no Brasil são um problema que precisa ser resolvido, claro, mas a motivação pode partir de outras frentes também”, afirma. Para o diretor do GELP, a forma como o professor aprende a ensinar está ultrapassada. “É muito acadêmica, ideológica e teórica. O país precisa investir na educação continuada de seus professores, priorizando a prática dos diferentes métodos de ensino”, destaca.

O currículo que o Ministério da Educação pretende atualizar é, por enquanto, somente o dos alunos do ensino básico. Na última quarta-feira, o MEC abriu para consulta pública uma proposta de currículo nacional para a educação básica, que deverá ser utilizada pelas 190.000 instituições de ensino desta modalidade do país.

Helena Singer, assessora especial do MEC, pondera que não é somente o currículo que está em reformulação. O ministério planeja esquematizar uma espécie de “mapa da inovação” nas escolas brasileiras. Para isso, abriu uma chamada pública na última quarta-feira (16), com o objetivo de conhecer a distribuição geográfica e o perfil da inovação e criatividade na educação básica e, desta forma, estabelecer políticas públicas para o segmento.

As escolas ou organizações comunitárias que possuem projetos inovadores na educação básica, ou que pretendem implementá-los, devem preencher um formulário padrão no site do MEC até o dia 23 de outubro. A pasta pretende utilizar esse banco de dados para fomentar a reprodução de modelos de sucesso em outras instituições, desenvolver políticas públicas e instigar a pesquisa por meio de parcerias com universidades. “Essas escolas, inclusive, deverão receber professores recém-formados para estágio, uma iniciativa que tende a estimular a disseminação de métodos inovadores de ensino pela rede”, afirma Singer, que preside, ainda, um grupo de trabalho de inovação e criatividade do MEC. Indiretamente, a iniciativa pode fomentar a demanda da comunidade escolar por um ensino mais inovador. “O aluno deve participar mais da construção do projeto pedagógico de sua escola, para que ela esteja mais adaptada às demandas do século XXI”, conclui.

A discussão da inovação, contudo, deve ser feita também no âmbito das instâncias burocráticas. Segundo Ricardo Cuenca, diretor e pesquisador do Instituto de Estudos Peruanos, as escolas enfrentam dificuldades em renovar processos e propor formas diferentes de aprendizado quando as decisões de um diretor de ensino, por exemplo, dependem da aprovação de departamentos e secretarias regionais, de governos municipais e estaduais. “Os diretores respondem para todos os órgãos que estão sob o guarda-chuva do ministério. Não há estímulo para executar tarefas de maneira diferente”, comenta. Segundo levantamento do pesquisador, que estuda o perfil e o papel dos líderes escolares na América Latina, mais de 50% do tempo dos diretores de ensino é gasto com atividades burocráticas de gestão, como administração de recursos, de processos e supervisão de profissionais. Somente 12% do tempo é despendido com questões do dia a dia dos alunos e professores.

Embora Cuenca acredite que a inovação das escolas também passe pela renovação das diretrizes curriculares, ele defende que os governos devem buscar desenvolver políticas que estimulem os líderes escolares a serem agentes de mudança dentro de suas comunidades. Menos de 1% das políticas educacionais desenvolvidas na América Latina nos últimos dez anos tiveram como foco os líderes do setor, estima. “Inovação não se promove apenas pela inserção de tecnologias. É preciso valorizar mais o papel dos diretores e professores da rede pública”, conclui. O "Seminário  Internacional Liderança e Inovação na Educação" contou com o apoio da Unesco, Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e Editora Moderna.

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