Um padre zapatista contra a morte de jovens negros em São Paulo
Padre que atuou com zapatistas no México luta contra extermínio de negros em São Paulo “Se bater panela na periferia alguém vai ouvir?”, lança Martin Islas
Nos anos de 1990 o religioso Martin Islas caminhava sete horas na selva do Estado mexicano de Chiapas. O relevo acidentado, cheio de colinas, tornava a jornada ainda mais desgastante. "Era morro acima e morro abaixo", lembra. Naquela época o missionário ajudava a mobilizar os indígenas naquilo que mais tarde se tornaria o movimento zapatista. “Foram doze anos de preparação, de trabalho de base antes que ele explodisse para o mundo”, recorda o hoje padre, que à época trabalhava na paróquia de San Cristóbal de Las Casas, cidade que marcou o início do levante popular iniciado em 1o de janeiro de 1994. Curiosamente, ele nasceu em Veracruz, “lá onde chegaram os espanhóis conquistadores”. Ao conhecer Chiapas a fundo, a miséria dos povos tradicionais da região o chocou: “Se você ficasse doente lá, morria. As pessoas rezavam para não adoecer”.
Se antigamente ele percorria estreitas trilhas de terra montanha acima para chegar às aldeias zapatistas, hoje o missionário cruza outra selva: São Paulo. Mais especificamente, suas periferias. Integrante do Comitê Contra o Genocídio da Juventude Preta, o missionário consola, agora, a dona Zilda, cujo filho foi uma das 19 vítimas da chacina ocorrida em Osasco e Barueri no dia 13. Ou orienta mães cujas famílias foram destroçadas pela violência em Mogi das Cruzes, ou algum bairro afastado do centro. O objetivo do comitê é incentivar estes homens e mulheres a se unirem ao Movimento Mães de Maio, grupo formado por parentes de vítimas de violência policial, que, em suas palavras, luta contra o “terrorismo do Estado” nas periferias.
“Jesus Cristo seria zapatista. Ou seria uma das Mães de Maio”, diz, entrelaçando o passado no México e seu presente. A experiência com os indígenas mexicanos marcou para sempre o missionário. “Se resgatou naquele processo algo que se havia esquecido, de busca de identidade, de fazer rupturas”, afirma Islas. Para ele, o zapatismo conseguiu reviver a essência do senso de coletivo das comunidades. “É uma síntese de todo um processo, não apenas revolucionário, mas teológico, pedagógico, tudo junto”, diz. “Acho que o zapatismo não é um grupo em Chiapas. Qualquer pessoa pode ser zapatista, desde que tenha uma visão e interpretação de mundo do ponto de vista dos de baixo e à esquerda”, afirma.
“Duas coisas me puxaram para trabalhar com a situação dos jovens periféricos”, diz Islas, sentado em uma cadeira de escritório na sede da revista Ocas, publicação de interesse social vendida por moradores de rua e ex-presidiários em busca de um recomeço. “Uma delas foi o rap. Eu prestava muita atenção nas letras, aprendia as gírias, e entrei em contato com o pessoal do Fórum do Hip Hop”, explica. O grupo busca fomentar iniciativas culturais e também discutir a situação das favelas. Segundo ele, o hip hop “é um movimento periférico, de maioria negra, que empodera o jovem, permite que ele se posicione e discuta sua identidade, se expresse”. “Assim como o zapatismo”, emenda o padre, que cita Consciência Humana e Facção Central, que teve um videoclipe censurado por encenar um sequestro relâmpago, como alguns de seus grupos favoritos.
“Por que se mata mais na democracia do que na ditadura?
O segundo fato que fez com que Islas se voltasse para as violações de direitos humanos cometidos nas periferias foram os crimes de maio de 2006, nos quais dezenas de jovens foram mortos em retaliação a atentados cometidos contra policiais. Até hoje a maioria dos casos não foi esclarecida, e existe forte suspeita de que os assassinatos tenham sido cometidos por grupos de extermínio ligados à PM. “Por que se mata mais na democracia do que na ditadura?”, questiona. O padre critica o que chama de apatia da classe média com relação aos crimes cometidos nas favelas. “Se bater panela na periferia alguém vai ouvir?”, indaga. De acordo com ele, a classe média “tem força de ajudar a mudar as coisas mas infelizmente eles fecham [se unem] com os de cima. Eles vivem em outro mundo”.
Enquanto participava do ato em homenagem às vítimas da chacina de Osasco dia 20 de agosto, durante uma noite marcada por forte garoa, Islas foi convidado a falar no pequeno equipamento de som improvisado na rua. Para um público de cerca de cem pessoas, a maioria parentes e amigos dos mortos, ele fez um pedido: “Basta de fazer um minuto de silêncio! Um minuto de silêncio se faz eterno, e ninguém faz mais nada. Enquanto isso eles estão matando!”, disse. Depois do discurso, uma jornalista disse ao padre: “Nossa, você é um padre comunista!”. “Antes de comunista, sou cristão”. A resposta do missionário, com um sorriso no rosto, deixou a moça desconcertada.
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