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O coração da Grande Maçã

Milton Glaser, o designer do ‘I Love NY’, explica a origem de seu ícone célebre

Camilo Sánchez
Vista aérea da ilha de Manhattan feita em junho.
Vista aérea da ilha de Manhattan feita em junho.Craig Warga (Bloomberg)

Para o designer Milton Glaser, a complexidade e a diversidade de experiências vividas diariamente em Nova York eliminam o trabalho da típica pergunta pelo melhor restaurante, o melhor hambúrguer ou o melhor bar da cidade. Há tantas alternativas que seria inútil dar uma resposta. É provável que dentro desse caleidoscópio de sensações se encontre o segredo da vitalidade desse criador de 86 anos. "Se você quer manter seu sistema nervoso trabalhando, aqui é o lugar. Em Paris sempre você vai saber que está em Paris. Em Nova York, ao contrário, basta dobrar uma esquina que você topa com um país novo", afirma. Essa é a metrópole do autor do célebre logo I LOVE NY, nascido no Bronx, que conta, entusiasmado, que no próximo inverno [no hemisfério norte] publicará parte importante de sua obra num livro de 400 páginas com o selo da Taschen. Uma edição cujos primeiros exemplares de luxo custarão 1.000 dólares.

A história do Eu coração NY é a seguinte. Diante do rótulo de cidade insegura e violenta, próxima à Gotham dos quadrinhos, as autoridades de Nova York encomendaram a Glaser, em meados dos anos 70, um logo que reavivaria o sentido de pertencimento à cidade. A ideia era trabalhar sobre uma frase que já existia: "I love NY". Uma tarde, num táxi que transitava pela rua 67, a inspiração chegou a Glaser e, sobre um pedaço amassado de papel, mudou a palavra "love" por um robusto coração vermelho. Uma mudança minúscula que iria figurar para sempre na história do design e na memória coletiva da Grande Maçã.

O problema é que Glaser tinha enviado uma proposta diferente algumas semanas antes. "Tive que chamar o responsável para dizer que queria mudar o logo", explica por telefone o designer, de seu estúdio em Manhattan. "Ele me disse que isso não era possível porque a junta já tinha aceitado o anterior e era muito difícil reunir todos os membros outra vez para mostrar a nova proposta. Então fui diretamente ao seu escritório. Quando ele viu a nova versão, com o coração no meio, me disse que realmente estava melhor e que faria o possível para conseguir a mudança." Foi assim que uma das imagens publicitárias mais potentes da história esteve a ponto de ficar no rascunho.

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Onde está a fórmula para tanto sucesso? "Creio que se trata de um truque muito fácil e ao mesmo tempo capcioso. Com o I represento o eu. O coração é símbolo de uma emoção. E NY são as iniciais de um lugar. Então , temos linguagem e símbolos fazendo três coisas diferentes ao mesmo tempo. O espectador deve desmontar o quebra-cabeça configurado por uma letra, um símbolo e duas iniciais. Isso é o que se fixa na nossa mente. É fácil de decifrar e torna-se familiar."

E, depois de um breve silêncio, reflete sobre o impacto de seu trabalho: "Creio que é preciso ser cauteloso com o sucesso. O perigo de se obter tanto reconhecimento com apenas um trabalho é que as pessoas costumam pensar que foi a única coisa que você fez. Apaga toda uma obra." A campanha foi um sucesso. Glaser recebeu 2.000 dólares por seu trabalho. E o Estado arrecadou desde então centenas de milhares de dólares pela utilização do logo. Depois dos atentados de 11 de setembro de 2001 converteu-se, além do mais, num símbolo de resistência para uma população abalada.

Milton Glaser nasceu no Bronx. Um lugar distante no tempo e no espaço. "O jardim botânico e o zoológico do Bronx são lugares maravilhosos. Ligados à minha infância." Mas disse que pouco voltou para lá depois que começou a trabalhar em Manhattan. Afirma que não gosta de "olhar para trás". Por isso fica um pouco esquivo na hora de falar sobre seus lugares favoritos. Conforme a conversa flui, no entanto, começam a aparecer as pistas. Lembra-se das galerias do The Cooper Union, no East Village, onde estudou no período universitário. Também destaca como local de encontro o Union Square Café, que lamentavelmente mudará de sua mítica sede no fim deste ano. Ou o restaurante Eleven Madison Avenue, na avenida de mesmo nome. Explica que um de seus trabalhos favoritos foi o desenho de interiores para restaurantes. Com maior razão se os proprietários forem velhos amigos. Como é o caso da Trattoria dell'Arte, perto do Carnegie Hall. Ou do Rainbow Room Menu, onde se podia encontrá-lo em alguma noite.

Glaser transmite descanso e tranquilidade. Fala de cada trabalho pausadamente. Ele também foi um dos fundadores da New York Magazine. Esteve a cargo da imagem de marcas como a da cervejaria Brooklyn Brewery. Seus desenhos desceram ao metrô de Nova York: os painéis em azulejos numa plataforma da Astor Plaza Station, com figuras geométricas que parecem peças desordenadas de um quebra-cabeça, são obra sua. E o redesenho do Visual Arts Theater, em Chelsea, também correu por sua conta.

Uma das tarefas mais recentes que recebeu, na qual se misturam seu amor por Nova York e sua vocação por criar, foi a publicidade da primeira parte da última temporada de Mad Men. Inspirado num pôster de Bob Dylan de sua autoria, que foi bandeira de toda uma época, resgatou as silhuetas e tons psicodélicos da época e desenhou os cartazes para a série de sucesso.

Na hora de criar, como encontra a conexão entre o logotipo e o observador? "Creio que quando dou explicações sobre esse tipo de assunto estou utilizando uma parte do meu cérebro, que é a parte racional. A outra é a parte sensível. Então, objetivamente, poderia lhe dizer por que um símbolo funciona, mas não poderia explicar por que as pessoas dão certa resposta emocional, nem por que depois de tanto tempo não se cansam, nem por que se sentem identificados com ele. São mistérios da alma e do coração. E esses mistérios não são fáceis de desvendar."

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