_
_
_
_
_

A antítese da Grécia

Existe outro país mediterrâneo que percorreu, parcialmente, o caminho grego: o Chipre

Uma mulher passa adiante de uma sucursal bancária fechada, na segunda-feira em Atenas.
Uma mulher passa adiante de uma sucursal bancária fechada, na segunda-feira em Atenas.ALKIS KONSTANTINIDIS (REUTERS)

Existe outro país mediterrâneo que percorreu – parcialmente – o caminho da Grécia nas restrições ao movimento de capitais. É o Chipre, a pequena ilha próxima à Turquia que ingressou na União Europeia em 2004 e, nove anos depois, precisou ser resgatada devido ao contágio da crise grega e aos excessos de seu setor bancário hipertrofiado. Apesar de tratar-se do primeiro experimento comunitário, a população cipriota reagiu com calma inesperada. “Quando os bancos reabriram, depois de duas semanas, não houve violência. Essa é uma qualidade importante de nossa população”, comentou o ministro da Energia cipriota, Yorgos Lakkotrypis, em encontro recente com jornalistas de Bruxelas em Nicósia, ao qual o EL PAÍS foi convidado.

Mais informações
UE transforma o referendo grego em um ‘sim’ ou ‘não’ à Europa
'Grécia deve votar não', por PAUL KRUGMAN
País libera transporte gratuito e abre bancos para pensionistas
ANÁLISE | 'O governo dos banqueiros', por JÜRGEN HABERMAS
O que vai acontecer com o país?
Tsipras descarta a saída da Grécia do euro “pelo enorme custo”

O lado mais brutal desse resgate – 10 bilhões de euros (35 bilhões de reais) para sanear o país, sob a condição de ser imposto um confisco grande aos depositantes com mais de 100.000 euros (350 mil reais) no banco, limitados os saques de dinheiro a 300 euros por dia e restritas as transferências bancárias – pode ser visto hoje no centro de Nicósia. É difícil encontrar uma rua onde não haja lojas fechadas, prontas para receber novos empreendedores que demoram a chegar. Mesmo assim, o país está começando a emergir da depressão, com um crescimento mínimo de 0,2% do PIB que, este ano, vai romper com as quedas registradas desde 2012.

“Foram nossos próprios erros do passado que nos levaram a isso. Por isso tínhamos que fazer esforços para nos recuperar. Existe na opinião pública um consenso silencioso em torno dessa ideia: que precisávamos pôr ordem na nossa casa”, admite em tom natural o ministro das Finanças, Harry Georgiades. Essa atitude difere muito da atitude a Grécia, que, nas ruas e nas urnas, vem se opondo às medidas de austeridade ditadas como contrapartida dos resgates. Com 858.000 habitantes, o Chipre é uma estranha combinação de climas e costumes do Oriente Médio com um legado britânico (a ilha fez parte do império britânico entre 1914 e 1960) que lhe legou o fato de os veículos transitarem pela esquerda, algumas doses de moderação e também uma organização de Estado mais sólida que a grega.

Depois de ter levantado completamente os controles de capitais, que ficaram em vigor por dois anos, e anunciar que sairá do programa de resgate sem ter usado todo o dinheiro disponível, o Governo conservador de Nikos Anastasiadis agora acompanha a evolução da Grécia com temor. Os responsáveis pelo setor bancário insistem que não há perigo de contágio direto porque as filiais dos bancos gregos no Chipre dependem do banco central cipriota. Mas os vínculos entre os dois países são estreitos – a Grécia é a segunda maior parceira comercial do Chipre --, e qualquer turbulência em Atenas pode ter impacto sobre Nicósia.

“Em alguns casos os bancos cipriotas tinham muito mais títulos gregos que as próprias instituições gregas. Agora estamos blindados”, afirma Bert Pijls, vice-diretor do Hellenic Bank, o único grande banco cipriota cujos depositantes não sofreram confiscos. “Tínhamos um problema bancário; os gregos têm um problema fiscal”, descreve George Pantelli, responsável por assuntos europeus no Ministério das Finanças.

Em última análise, de acordo com todas as fontes consultadas, foi a singularidade do resgate cipriota – a imposição de confiscos superiores a 40% sobre os grandes depósitos – o que explicou a recuperação, embora frágil, do país. Sem esse dinheiro contribuído por particulares – boa parte dos quais russos e outros estrangeiros endinheirados, atraídos pela rentabilidade de até 8% oferecida pela ilha --, o Estado teria tido que fazer mais cortes para sanar as contas públicas. “Foi inevitável. Não houve outra maneira”, conclui Yiangos Demetriou, diretor de supervisão do banco central cipriota.

Apesar dos avanços, o Chipre ainda tem um longo caminho pela frente para superar a crise. O maior prejuízo é a taxa de desemprego de 16%, alarmante para um país que em 2008 tinha um índice simbólico de apenas 3%. E metade das dívidas ativas corre o risco de não ser paga, segundo cálculos da Comissão Europeia.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_