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A agonia dos shoppings de Sorocaba

Mais da metade dos centros comerciais do município paulista estuda como ser rentável

María Martín
Shopping Villagio, pouco antes do almoço.
Shopping Villagio, pouco antes do almoço.Victor Moriyama

Laura Pausini cantando em espanhol é a única coisa que se escuta no Shopping Villàggio, em Sorocaba, uma cidade de 600.000 habitantes no interior de São Paulo. Nem passos, nem crianças, muito menos dinheiro entrando nos caixas. Com 90% de suas 98 lojas fechadas, a canção Se Fue da italiana é a única trilha sonora deste shopping fantasma inaugurado em 2010 por um cardiologista. O silêncio e a decadência se repetem em outros shoppings da cidade, que experimentou um autêntico boom ao inaugurar cinco empreendimentos desse tipo nos últimos cinco anos. Com sete shoppings, Sorocaba é a terceira cidade com mais shoppings por pessoa no Estado de São Paulo, atrás apenas da capital paulista e de Campinas. O município ocupa, ainda, a 61ª posição no Brasil no ranking que mede a superfície disponível dos centros comerciais a cada 100 habitantes nas cidades que têm esse tipo de comércio.

No Shopping Plaza, os alto-falantes nem sequer tocam música. Um Burger King, uma loja de quebra-cabeças, uma loja do Boticário e uma loja do time local sobrevivem entre espaços vazios. O pequeno shopping não abre aos domingos nem feriados; o negócio fracassou três anos após sua inauguração por empresários da construção civil e agora estuda como se reinventar. "A partir de agora até dezembro vamos mudar radicalmente o perfil", anuncia o gerente comercial Ricardo Bueno, contratado especialmente para atrair consultórios médicos privados e transformar o local em um grande centro de serviços. "O mercado nos obrigou a mudar. Agora teremos desde autoescola até cursos de especialização", afirma.

A poucos metros dali, Cidade Sorocaba, um shopping gigante tenta dar certo desde 2013. Projetado para atrair os habitantes da zona norte da cidade, onde se concentra a crescente e consumidora classe C, com renda familiar de até 7.475 reais, o centro de compras tem muitos ingredientes para ser um sucesso, mas 19% de seus espaços vazios escondem a asfixia sofrida por alguns lojistas. Um deles relata sua angústia desde que, em outubro, investiu 100.000 reais para montar seu negócio nesse enorme espaço. "Estou frustrado, irritado, triste. O número de clientes caiu muito e fechei o mês de maio no vermelho", diz o empresário que não quer ser identificado. “Recuperar o investimento? Pelo contrário, estou perdendo dinheiro todo dia. Acabo de negociar a redução do aluguel e acho muito difícil renovar meu contrato", lamenta.

O empreendimento, este sim controlado por empresários do setor, afirma que recebe 26.000 pessoas por dia e que as vendas cresceram 6,22% este ano. O centro também se orgulha de ser o quinto do país com o maior número de lojas de grande porte e conhecidas, como Casas Bahia, Renner, C&A, Riachuelo, Marisa... marcas que já pediram à direção para investir na promoção do shopping, porque as lojas não estão atingindo as expectativas, diz um dos gerentes de uma das principais lojas. "Tivemos uma inauguração com resultados recordes, mas há cinco meses não atinjo as metas de venda", lamenta o responsável. "Este era para ser o centro mais importante de Sorocaba, a expectativa era muito alta devido à região onde está localizado, mas ainda não amadureceu”, explica o gerente que destaca a queda da renda, a desconfiança do consumidor e a saturação do mercado de shoppings da cidade como causas do desempenho tímido dos negócios. "Se soubéssemos, não teríamos aberto [uma loja] em um shopping center de maneira alguma."

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Os bolsos dos moradores de Sorocaba, cuja economia depende da indústria que também empurra o poderoso setor comercial e de serviços, estão sendo atingidos pela crise, mas a taxa de desemprego na cidade (6,1%) ainda é muito menor do que a do Estado de São Paulo (8,5%) e da média nacional (6,9%). "Os shoppings são como a indústria automobilística, que pensávamos que nunca iria parar de crescer. A capacidade de atração desta região é de mais de dois milhões de pessoas, mas houve muitas inaugurações nos últimos anos e vão ter de se adaptar", diz o secretário de Desenvolvimento Econômico e do Trabalho de Sorocaba, Geraldo Almeida. "É preciso levar em conta que vivemos um anticiclo com diminuição da renda, desemprego, altas taxas de juros e desconfiança do consumidor", acrescenta Almeida.

Sorocaba, segundo a Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce), é um caso único em um país onde as dificuldades de transporte, a falta de espaços públicos e a insegurança deram origem a 527 shoppings e levaram a um crescimento da ordem de 10% em 2014 . "Sorocaba é uma infeliz coincidência, porque é um mercado muito bom, com boas estradas, alta renda per capita e uma grande influência na região", afirma Glauco Humai, presidente da Abrasce. Isso chamou a atenção de investidores que acabaram construindo vários shoppings ao mesmo tempo, sem perceber. “O retorno será mais lento, mas vão acabar encontrando seu público. Em quatro anos, a realidade será outra", diz Humai.

 Ancorada em uma das grandes rodovias que atravessam a cidade, o veterano Elias Antonio José, o primeiro a construir um shopping na região, em 1981, explica como há tempos vem transformando seu negócio. O Shopping Panorâmico, que há quatro anos recebia 20.000 pessoas, hoje tem um volume que não supera 3.000 clientes e se mantém graças a grandes varejistas como Decathlon e a rede de supermercados Assaí. "Não sinto muito a crise graças a essas grandes lojas. Fechei 160 lojas e transformei o andar de cima em um hotel, reduzi os aluguéis e só tenho nove das 170 lojas vazias", diz o empresário de 83 anos, conhecido na cidade pelo perfil popular de seus dois shoppings. "Trabalho com pessoas pobres, são os que dão lucro e as que se hospedam no meu hotel. Rico nem passa por aqui”, confirma. Em frente ao seu escritório, Débora Fernanda, proprietária de uma loja de presentes e utensílios domésticos, lamenta a queda de quase 40% de suas vendas no mês passado e ilustra a época de vagas magras, com as dezenas de currículos que recebeu nos últimos meses.

Enquanto mais da metade dos shoppings da cidade pensa em como se reinventar para dar lucro, um enorme buraco em uma das principais ruas da cidade anuncia um novo e gigantesco centro de compras, uma torre de escritórios e três edifícios residenciais. O Shopping Tangará, voltado às classes mais altas do município, chega mais tarde do que previsto, mas vai chegar, somando-se à recorrente promessa de se tornar um centro de referência de lazer e comércio na cidade dos shopping centers.

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