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Coluna
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O último ato da Europa?

Crise grega está demonstrando que líderes da UE só pensam em fazer exigências míopes

Joseph E. Stiglitz
Rafael Ricoy

Os líderes da União Europeia continuam embarcados em uma disputa na corda bamba com o Governo grego. A Grécia cumpriu com muito mais da metade das exigências de seus credores. No entanto, a Alemanha e outros portadores de dívida grega continuam exigindo que o país assuma um programa de política econômica que demonstrou ser um fracasso, e que poucos economistas alguma vez pensaram que poderia, chegaria ou deveria ser implementado.

A oscilação na posição fiscal da Grécia, que vai de um grande déficit primário a um superávit foi um fato quase sem precedentes, mas a exigência que pede que o país chegue a um superávit primário de 4,5% do PIB foi desmedida. Lamentavelmente, nesse primeiro momento em que a “troika” – a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional – incluiu essa exigência irresponsável no programa financeiro internacional para a Grécia, as autoridades do país não tiveram mais remédio que aderir.

A insensatez de continuar promovendo esse programa é especialmente aguda hoje em dia, levando em conta a diminuição de 25% do PIB desde o início da crise na Grécia. A troika calculou equivocadamente os efeitos macroeconômicos do programa que foi imposto. Segundo os prognósticos publicados, achavam que, mediante a redução dos salários e a aceitação de outras medidas de austeridade, as exportações gregas aumentariam e a economia poderia voltar rapidamente a crescer. Achavam, também, que a primeira reestruturação da dívida levaria à sustentabilidade creditícia.

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A troika se equivocou em seus prognósticos, muitas vezes. E não por pouco, mas por muito. Os eleitores da Grécia tinham razão ao exigir uma mudança de rumo, e seu governo está correto ao se negar a aceitar um programa profundamente equivocado.

Dito isso, existem possibilidades de chegar a um consenso: a Grécia expressou de maneira clara sua vontade de continuar as reformas e agradeceu a ajuda da Europa para a implementação de algumas delas. Uma dose de realidade por parte dos credores da Grécia – sobre o que é possível conseguir e sobre as consequências macroeconômicas das diferentes reformas fiscais e estruturais – poderia constituir a base para um acordo que seria bom não só para a Grécia, mas para toda a Europa.

Algumas pessoas no continente, especialmente na Alemanha, parecem estar indiferentes a uma saída da Grécia da zona do euro. Afirmam que o mercado já “amortizou” uma ruptura desse tipo. Há autores que inclusive sugerem que seria algo bom para a união monetária.

Acho que tais opiniões subestimam tanto os riscos atuais quanto os futuros que estão envolvidos. Um grau semelhante de indiferença se tornou evidente nos Estados Unidos antes da falência do Lehman Brothers em setembro de 2008. Há muito tempo todos sabiam da fragilidade dos bancos norte-americanos, pelo menos desde a quebra do Bear Stearns no mês de março daquele ano. Apesar disso, por causa da falta de transparência (que, em parte, por sua vez, acontece pela debilidade da regulação), tanto os mercados quanto os formuladores de políticas não avaliaram plenamente os vínculos entre as instituições financeiras.

Na verdade, o sistema financeiro mundial ainda sente as réplicas do terremoto que significou a queda do Lehman. E os bancos ainda não são transparentes, e portanto encontram-se em risco. Ainda não conhecemos o alcance pleno dos vínculos entre as instituições financeiras, incluindo os vínculos que emergem dos derivados não transparentes e as permutas de inadimplências creditícias.

Na Europa, já podemos ver algumas das consequências da regulação inadequada e do design defeituoso da própria zona do euro. Sabemos que a estrutura da moeda única promove a divergência, não a convergência: à medida que o capital e as pessoas com talento deixam as economias afetadas pela crise, esses países ficam menos capazes de pagar suas dívidas. À medida que os mercados compreenderem que uma espiral descendente viciosa está integrada estruturalmente ao euro, as consequências para a próxima crise se tornam profundas. E outra crise é inevitável: encontra-se na própria natureza do capitalismo.

A manobra com o objetivo de retomar a confiança realizada pelo presidente do BCE, Mario Draghi, através de sua declaração em 2012 falando que as autoridades monetárias fariam “o que fosse preciso” para preservar o euro, funcionou até o momento. Mas o conhecimento de que o euro não é um compromisso vinculante entre seus membros fará com que seja muito menos provável que tal manobra funcione da próxima vez. O rendimento dos títulos poderia subir muito, e nenhuma quantidade de declarações para restabelecer a confiança por parte do BCE e dos líderes europeus seria suficiente para derrubá-lo dos níveis estratosféricos, porque o mundo agora sabe que não vão fazer “o que for necessário”. Como o exemplo da Grécia demonstrou, unicamente vão realizar míopes exigências relacionadas com as políticas eleitorais.

A consequência mais importante é a diminuição da solidariedade europeia. O euro supostamente a fortaleceria. Na verdade, teve o efeito contrário.

Não é interessante para a Europa – nem para o mundo – ter um país na periferia da Europa, distante de seus vizinhos, sobretudo agora, quando a instabilidade geopolítica já é tão evidente. O vizinho Oriente Médio está em crise; o Ocidente está tentando conter uma Rússia que ultimamente se tornou agressiva; e a China, que já é o maior poupador do mundo, o maior país em termos de comércio exterior e a maior economia no geral (em termos de paridade do poder aquisitivo), confronta o Ocidente com novas realidades econômicas e estratégicas. Esse não é o momento para a desunião europeia.

Os líderes europeus viam a si mesmos como visionários quando criaram o euro. Eles pensavam que estavam olhando além das exigências de curto prazo que normalmente preocupam os líderes políticos.

Infelizmente, a compreensão da economia era bem menor que a ambição deles; e a política naquele momento não permitiu a criação do marco institucional que poderia ter permitido que o euro funcionasse conforme o previsto. Apesar de que, supostamente, a moeda única ia trazer consigo prosperidade sem precedentes, é difícil detectar um efeito positivo significativo para a zona do euro em seu conjunto durante o período anterior à crise. No período posterior, os efeitos adversos foram enormes.

O futuro da Europa e do euro agora depende de uma questão: se os líderes políticos da zona do euro podem ou não combinar uma pitada de pensamento econômico com um sentido visionário de – e uma preocupação pela – solidariedade europeia. Provavelmente vamos começar a encontrar a resposta a essa pergunta existencial nas próximas semanas.

Joseph E. Stiglitz, prêmio Nobel de Economia, é professor universitário na Universidade de Columbia. Seu livro mais recente, em coautoria com Bruce Greenwald, é Creating a Learning Society: A New Approach to Growth, Development, and Social Progress (Criando uma Sociedade do Aprendizado: Uma Nova Visão sobre Crescimento, Desenvolvimento e Progresso Social).

 

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