Com sequência de atrasos, Sabesp desafia deserto de 2015
As duas principais obras para garantir o fornecimento em 2015 chegarão fora de prazo
Um Geraldo Alckmin de terno azul e sapato de couro entrou no começo de maio na enlameada margem da Billings para inaugurar a obra que deve garantir o abastecimento de água em São Paulo em 2015. A transposição do Rio Grande, braço limpo da represa, para o esvaziado Alto Tietê é a principal aposta para evitar um rodízio drástico nesta crise hídrica. O governador chegou com três meses de atraso porque preferiu “seguir todos os trâmites de licenciamento ambiental”, mas prometeu que em quatro meses a obra estará concluída. No máximo em setembro, disse. "Estou mais cauteloso", brincou Alckmin aquele dia com os jornalistas, uma semana depois de ter negado atraso nos trabalhos, orçados em 130 milhões de reais.
O projeto planeja transferir ao longo de 22 quilômetros de tubulações 4.000 litros de água por segundo da região do ABC até Suzano. São 80 metros de desnível até chegar ao manancial do Alto Tietê, que opera hoje com 23% da sua capacidade, e que, com a obra, poderá começar a abastecer algumas das regiões hoje atendidas pelo Cantareira.
Para quem questionar o novo atraso a resposta é simples: “Vai ficar pronta. É uma obra trivial, sem nenhuma dificuldade técnica”, como afirma com insistência o presidente da Sabesp Jerson Kelman, embora não dê nenhum detalhe sobre os trabalhos. O projeto da obra, solicitado por meio da Lei de Acesso a Informação por este jornal, foi negado e considerado sigiloso por questões de segurança.
Kelman faz apenas uma ressalva, uma brecha, que poderia fazer com que essa importante obra não seja inaugurada em setembro: uma greve ou uma liminar da Justiça paralisando os trabalhos. “Mas não sei quem seria o maluco que faria isso”, chegou a dizer Kelman. O “maluco”, no entanto, existe. Ele se chama Virgílio de Farias e a intenção dele é exatamente parar a obra. “O governador e o presidente da Sabesp desrespeitaram a lei e não submeteram o projeto aos comitês e subcomitês responsáveis pelas bacias. Eles estão destruindo o lugar”, explica o advogado e ambientalista. Farias aguarda um posicionamento da Justiça e entende que a atitude da companhia usurpou competências e fere a legislação estadual que orienta a política de recursos hídricos, de 1991.
Para quem questionar o que aconteceria se a obra não fosse concluída no prazo previsto, por essa ou outra razão, a resposta é ainda mais simples: silêncio. A única pista são os cenários esboçados pelo Comitê da Crise Hídrica, criado pelo governador em fevereiro. Sem as cinco obras emergenciais previstas para este ano, trabalha-se com a possibilidade de um rodízio drástico —de cinco dias sem água por dois com— nas regiões abastecidas pelo Cantareira. “Não seria o fim do mundo, São Paulo já passou por isso, mas é altamente indesejável”, repete Kelman sempre que é convocado. Nesse cenário, apesar das limitações logísticas, a Sabesp reconhece como prioridade o atendimento de 1.578 locais de máximo interesse social, como hospitais, pronto-socorros, grandes clínicas de hemodiálise, presídios e centros de detenção. O desafio não é desprezível: só o Hospital das Clínicas precisaria de 300 caminhões-pipa por dia para manter sua atividade normal. Por inviabilidade técnica, o abastecimento sim será cortado, em caso de rodízio, em órgãos públicos, escolas, clínicas, ambulatórios, centros de acolhida, albergues e alojamentos, centrais de telecomunicações e bolsa de valores.
Kelman apenas faz uma ressalva, uma brecha, que poderia fazer que essa importante obra não seja inaugurada em setembro: uma greve ou uma liminar da Justiça paralisando os trabalhos.
A ligação do Sistema Rio Grande para socorrer o Sistema Alto Tietê, o mais necessário dos projetos, não é o único atraso nesta etapa da crise. Um segundo projeto emergencial também ficou fora do prazo anunciado, conforme noticiou o Estado de S. Paulo. A segunda obra mais importante para garantir o abastecimento na Grande São Paulo, a transposição de água do rio Guaió para o Sistema Alto Tietê, estava prometida para maio, mas só chegará em junho sem que a Sabesp tenha justificado a demora. A obra vai bombear 1.000 litros de água por segundo até o ribeirão dos Moraes, curso d'água que termina no rio Taiaçupeba-Mirim, onde fica a estação de tratamento do Alto Tietê, hoje com capacidade ociosa por falta de água. O volume equivale ao consumo de cerca de 300.000 pessoas, informa a Sabesp.
O grande projeto que oferece maior segurança hídrica na região metropolitana de São Paulo e Campinas no longo prazo também vai demorar, pelo menos, mais um ano. As obras de transposição entre as represas Jaguari, na bacia do rio Paraíba do Sul, e Atibainha, no castigado sistema Cantareira só vai ficar pronta em 2017, embora a primeira fase do projeto tenha sido prometida para 2016. Conforme publicou a Folha de S. Paulo, problemas burocráticos e financeiros adiaram o começo dos trabalhos, orçados em 830 milhões de reais e enquadrados no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do Governo federal. A obra, prioridade no plano de investimentos da Sabesp, deve trazer 8.500 litros por segundo ao sistema Cantareira, que hoje abastece mais de cinco milhões de pessoas.
O Governador Alckmin, em mais um exercício de ver o copo meio cheio nesta crise, afirmou que o atraso da obra “depende do ponto de vista”. “Eu diria que a leitura correta é que essa obra vai ser entregue cinco anos antes. No plano da macrometrópole, era para (começar em) 2020.”
Perguntas e respostas
Vai ter rodízio?
Quais seriam as regiões mais afetadas?
Quanto a população economizou nesta crise?
O que evitou o Sistema Cantareira entrar em colapso?
O presidente da Sabesp Jerson Kelman considera o rodízio ainda neste ano como uma "hipótese remota". Kelman, no entanto, assume as condições que são necessárias para evitar esse cenário na cidade: que a população continue economizando água como até agora (cerca de 30% com relação ao ano passado) e que as obras emergenciais, previstas para aumentar o aporte de água à área originalmente servida pelo Sistema Cantareira, fiquem prontas dentro do cronograma.
Hoje a versão oficial estima que 1% da população sofre sérios problemas de abastecimento por causa da redução da pressão. Seriam aqueles de baixa renda sem caixa de água e os que moram em regiões mais elevadas e afastadas dos reservatórios, embora dezenas de relatos de moradores com abastecimento insuficiente para preencher as reservas de água ou que sofrem vários dias seguidos sem água perfilem um cálculo maior e circunstâncias mais variadas. Se houver, o rodízio afetaria só as regiões abastecidas pelo Sistema Cantareira habitadas por mais de cinco milhões de pessoas. Entre os bairros que dependem do reservatório mais castigado pela crise estão Alto de Pinheiros, Barra Funda, Jardim Europa, Santana, Itaim, a região central da cidade, além de municípios como Osasco ou São Caetano do Sul.
Segundo o último relatório de sustentabilidade da Sabesp, a queda de consumo de água per capita passou de 163 litros por dia e por habitante em janeiro de 2014 para 126 litros por habitante e por dia no final de 2014, mas ainda 18% dos paulistanos continua consumindo mais. A crise hídrica apresentou o principal desafio de reduzir a dependência do Sistema Cantareira, cuja produção caiu 57,6% em um ano.
A boa vontade dos consumidores economizando água tem ajudado, mas não é o que tem feito a produção do Cantareira cair de 33 m3/s até os 13 m3/s atuais. A redução de pressão nas tubulações que, na prática, deixa sem água milhares de pessoas durante grande parte do dia, tem sido a medida mais efetiva para economizar, responsável por 42% da queda no consumo. A transferência de água entre sistemas para liberar a metrópole da sua dependência do Cantareira segue em segundo lugar com 36% da economia, enquanto o bônus para quem economizar equivale ao 19%.
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