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Sabesp ignorou ordem e assinou contratos com grandes consumidores

Arsesp proibiu em junho assinatura de contratos com desconto, mas companhia fechou 11

María Martín
Excesso de lixo no Rio Pinheiros.
Excesso de lixo no Rio Pinheiros.Rafael Neddermeyer/ Fotos Públicas

A Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), o órgão que regula e fiscaliza a Sabesp, solicitou em junho de 2014 a interrupção de assinatura de novos contratos com desconto para grandes consumidores, mas a decisão foi ignorada pela Sabesp. A companhia de saneamento fechou, desde aquela data, 11 novos acordos no valor de mais de 30 milhões de reais, garantindo tarifas privilegiadas de água e esgoto aos maiores consumidores de São Paulo. A ordem da Arsesp se fundamentou na escassez de água que começou a enfrentar São Paulo desde o ano passado. "Já não importa o percentual pequeno de consumo dessas empresas [cerca de 4% do total], e sim a falta d’água. Quando esta crise chegar ao fim, a Sabesp poderá comercializar a água normalmente", afirmou a Arsesp ao EL PAÍS.

O principal cliente que começou a se beneficiar, em plena crise hídrica, de uma tarifa mais baixa do que a aplicada para o resto dos consumidores comerciais e industriais foi a SPTrans. A companhia municipal de transporte público de São Paulo gasta por mês 20 milhões de litros, o suficiente para abastecer 1.322 famílias durante 30 dias. A empresa assinou seu contrato em 11 de agosto de 2014 e paga 8,48 reais por cada mil litros, enquanto a tarifa convencional, acima de 50.000 litros, é de 13,97 reais. As 19 ligações que abastecem a SPTrans recebem água de quatro reservatórios, inclusive dos dois mais castigados pela crise: o Cantareira, que hoje opera com 15,2% da sua capacidade, e o Alto Tietê, com 23% do total.

São Paulo, submersa na pior crise hídrica dos últimos 84 anos, entra agora no período seco dependente de várias obras emergenciais para evitar um rodízio drástico – de cinco dias sem água por dois com – nos bairros abastecidos pelo Cantareira. A principal dessas obras, a interligação do Sistema Rio Grande, braço limpo da Billings, para o Sistema Alto Tietê, deve ficar pronta em setembro, após três meses de atraso.

O segundo cliente mais relevante, por volume de água contratado, é a fábrica de produtos lácteos Vigor. Os 14 milhões de litros mensais consumidos pela empresa, que paga 9,08 reais por cada mil litros, provêm do Sistema Cantareira. A fábrica de pneus Titan, a Asoociação E-Business Park, a Bolsa de São Paulo e o condomínio Centenário Plaza, conhecido como Robocop, estão também entre os que assinaram contratos após a proibição. Os dados sobre os contratos foram obtidos pela Agência Pública via Lei de Acesso a Informação.

Até esse momento, a Arsesp não tinha se posicionado contra estes contratos que seguem a lógica de oferecer tarifas mais baixas quanto maior é o consumo. Pelo contrário, a Agência defende os acordos com os mesmo argumentos – e mais– que a Sabesp.

Perguntas e respostas

O que são os contratos de demanda firme?

O que mudou nos contratos diante a crise?

Por que a Sabesp é questionada?

São contratos assinados entre a Sabesp e consumidores industriais e comercias que consomem mais de 500 m³/mês (500.000 litros). Eles oferecem descontos tanto no preço da água como no tratamento de esgoto e visavam evitar que os maiores consumidores de São Paulo procurassem fontes alternativas de água, como poços e caminhões-pipa, e formassem parte da rede pública. Os contratos são específicos para cada cliente: as empresas são obrigadas a contratar um volume fixo de água e a companhia calcula qual será o preço aplicado. Até a chegada da crise, o cliente pagava o mesmo valor mesmo se o consumo fosse menor. Ou seja, economizar água não representava nenhuma vantagem econômica.

Embora tenha sido cogitado excluí-los, os clientes premium da Sabesp estão submetidos as multas por aumento de consumo, mas não recebem os bônus oferecidos por redução de consumo.

Foi liberado também o consumo mínimo de 500 m³ por mês, sendo que os contratos dos clientes que gastem menos que esse patamar não serão suspensos. Essa exceção, porém, só será considerada durante três meses, mas após esse tempo, a empresa será excluída do contrato.

Antes da crise, os contratos obrigavam a manter exclusividade com a Sabesp, mas a partir de fevereiro, a companhia permitiu também que os grandes clientes buscassem formas alternativas de consumo, o que levou a 70% deles a abrirem poços para o seu abastecimento.

Embora a Sabesp afirme que não estava assinando novos contratos em decorrência da crise, o Ministério Público tem informações de acordos até abril de 2015.

A Greenpeace focou suas ações durante a crise hídrica nos contratos de demanda firme. A organização, assim como outros coletivos e especialistas, pede a suspensão desses contratos como "um passo fundamental para o enfrentamento responsável da crise. Enquanto elas recebem esse estímulo para consumir mais, a população sofre com o racionamento não-declarado e dias sem abastecimento. Essa injustiça tem que acabar", afirma a ONG.

Outra das principais críticas feitas à companhia durante a gestão da crise é a falta de transparência. A primeira lista incompleta de clientes de demanda firme e seus respectivos consumos e tarifas foi publicada pelo EL PAÍS em fevereiro, mas a Sabesp não divulgou até hoje uma relação completa. Até na relação de dados mais detalhada, oferecida pela companhia, sempre falta, no mínimo, o nome dos clientes.

Assim foi demonstrado no documento final da consulta pública convocada pelo órgão para discutir o último aumento da tarifa solicitado pela Sabesp. Nela, a sociedade civil, ONG's e associações rebateram os argumentos apresentados pela companhia para justificar o reajuste pretendido de 22,7%.

Diante de um dos argumentos do Greenpeace, que questionava a manutenção de descontos para os maiores consumidores enquanto aumentava-se a tarifa, a Arsesp discordou. A Agência defendeu que o preço aplicado a esses clientes ainda está muito acima do preço médio da companhia. Afirmou ainda que estes contratos acabam subsidiando as tarifas residenciais e que ela autoriza esses descontos para "melhorar a competitividade da Sabesp".

Segundo a Arsesp, no mercado dos grandes consumidores, a Sabesp enfrenta concorrência de empresas particulares que fornecem água a preços mais atrativos. Esta tese, porém, é contrária à defendida pela Sabesp em um documento entregue em dezembro de 2014 à CPI municipal que investiga os contratos da companhia com a Prefeitura. Na ocasião, a Sabesp, acusada pelos vereadores de "sucatear" toda estrutura de fonte alternativa de água, afirmou, baseada em uma tabela comparativa, que "o preço médio da água fornecida pelos caminhões-pipa é superior ao preço praticado pela Sabesp".

A Arsesp, desenhada como órgão fiscalizador independente vinculado à Secretaria de Estado do Governo,teve entre suas funções durante esta crise, a autorização do reajuste de tarifas e da aplicação das multas, por parte da Sabesp, aos clientes que aumentassem seu consumo.

O órgão não quis confirmar o descumprimento da Sabesp, mas afirma que o corpo técnico estudará a questão em base aos últimos dados entregues pela companhia sobre os contratos de demanda firme vigentes. "Se a Sabesp descumpriu (ou não) as diretrizes que a Agência impõe terá consequências", afirmou. A Sabesp, procurada todos os dias durante uma semana, ignorou os pedidos de informação da reportagem.

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