Sabesp ignorou ordem e assinou contratos com grandes consumidores
Arsesp proibiu em junho assinatura de contratos com desconto, mas companhia fechou 11
A Agência Reguladora de Saneamento e Energia do Estado de São Paulo (Arsesp), o órgão que regula e fiscaliza a Sabesp, solicitou em junho de 2014 a interrupção de assinatura de novos contratos com desconto para grandes consumidores, mas a decisão foi ignorada pela Sabesp. A companhia de saneamento fechou, desde aquela data, 11 novos acordos no valor de mais de 30 milhões de reais, garantindo tarifas privilegiadas de água e esgoto aos maiores consumidores de São Paulo. A ordem da Arsesp se fundamentou na escassez de água que começou a enfrentar São Paulo desde o ano passado. "Já não importa o percentual pequeno de consumo dessas empresas [cerca de 4% do total], e sim a falta d’água. Quando esta crise chegar ao fim, a Sabesp poderá comercializar a água normalmente", afirmou a Arsesp ao EL PAÍS.
O principal cliente que começou a se beneficiar, em plena crise hídrica, de uma tarifa mais baixa do que a aplicada para o resto dos consumidores comerciais e industriais foi a SPTrans. A companhia municipal de transporte público de São Paulo gasta por mês 20 milhões de litros, o suficiente para abastecer 1.322 famílias durante 30 dias. A empresa assinou seu contrato em 11 de agosto de 2014 e paga 8,48 reais por cada mil litros, enquanto a tarifa convencional, acima de 50.000 litros, é de 13,97 reais. As 19 ligações que abastecem a SPTrans recebem água de quatro reservatórios, inclusive dos dois mais castigados pela crise: o Cantareira, que hoje opera com 15,2% da sua capacidade, e o Alto Tietê, com 23% do total.
São Paulo, submersa na pior crise hídrica dos últimos 84 anos, entra agora no período seco dependente de várias obras emergenciais para evitar um rodízio drástico – de cinco dias sem água por dois com – nos bairros abastecidos pelo Cantareira. A principal dessas obras, a interligação do Sistema Rio Grande, braço limpo da Billings, para o Sistema Alto Tietê, deve ficar pronta em setembro, após três meses de atraso.
O segundo cliente mais relevante, por volume de água contratado, é a fábrica de produtos lácteos Vigor. Os 14 milhões de litros mensais consumidos pela empresa, que paga 9,08 reais por cada mil litros, provêm do Sistema Cantareira. A fábrica de pneus Titan, a Asoociação E-Business Park, a Bolsa de São Paulo e o condomínio Centenário Plaza, conhecido como Robocop, estão também entre os que assinaram contratos após a proibição. Os dados sobre os contratos foram obtidos pela Agência Pública via Lei de Acesso a Informação.
Até esse momento, a Arsesp não tinha se posicionado contra estes contratos que seguem a lógica de oferecer tarifas mais baixas quanto maior é o consumo. Pelo contrário, a Agência defende os acordos com os mesmo argumentos – e mais– que a Sabesp.
Perguntas e respostas
O que são os contratos de demanda firme?
O que mudou nos contratos diante a crise?
Por que a Sabesp é questionada?
São contratos assinados entre a Sabesp e consumidores industriais e comercias que consomem mais de 500 m³/mês (500.000 litros). Eles oferecem descontos tanto no preço da água como no tratamento de esgoto e visavam evitar que os maiores consumidores de São Paulo procurassem fontes alternativas de água, como poços e caminhões-pipa, e formassem parte da rede pública. Os contratos são específicos para cada cliente: as empresas são obrigadas a contratar um volume fixo de água e a companhia calcula qual será o preço aplicado. Até a chegada da crise, o cliente pagava o mesmo valor mesmo se o consumo fosse menor. Ou seja, economizar água não representava nenhuma vantagem econômica.
Embora tenha sido cogitado excluí-los, os clientes premium da Sabesp estão submetidos as multas por aumento de consumo, mas não recebem os bônus oferecidos por redução de consumo.
Foi liberado também o consumo mínimo de 500 m³ por mês, sendo que os contratos dos clientes que gastem menos que esse patamar não serão suspensos. Essa exceção, porém, só será considerada durante três meses, mas após esse tempo, a empresa será excluída do contrato.
Antes da crise, os contratos obrigavam a manter exclusividade com a Sabesp, mas a partir de fevereiro, a companhia permitiu também que os grandes clientes buscassem formas alternativas de consumo, o que levou a 70% deles a abrirem poços para o seu abastecimento.
Embora a Sabesp afirme que não estava assinando novos contratos em decorrência da crise, o Ministério Público tem informações de acordos até abril de 2015.
A Greenpeace focou suas ações durante a crise hídrica nos contratos de demanda firme. A organização, assim como outros coletivos e especialistas, pede a suspensão desses contratos como "um passo fundamental para o enfrentamento responsável da crise. Enquanto elas recebem esse estímulo para consumir mais, a população sofre com o racionamento não-declarado e dias sem abastecimento. Essa injustiça tem que acabar", afirma a ONG.
Outra das principais críticas feitas à companhia durante a gestão da crise é a falta de transparência. A primeira lista incompleta de clientes de demanda firme e seus respectivos consumos e tarifas foi publicada pelo EL PAÍS em fevereiro, mas a Sabesp não divulgou até hoje uma relação completa. Até na relação de dados mais detalhada, oferecida pela companhia, sempre falta, no mínimo, o nome dos clientes.
Assim foi demonstrado no documento final da consulta pública convocada pelo órgão para discutir o último aumento da tarifa solicitado pela Sabesp. Nela, a sociedade civil, ONG's e associações rebateram os argumentos apresentados pela companhia para justificar o reajuste pretendido de 22,7%.
Diante de um dos argumentos do Greenpeace, que questionava a manutenção de descontos para os maiores consumidores enquanto aumentava-se a tarifa, a Arsesp discordou. A Agência defendeu que o preço aplicado a esses clientes ainda está muito acima do preço médio da companhia. Afirmou ainda que estes contratos acabam subsidiando as tarifas residenciais e que ela autoriza esses descontos para "melhorar a competitividade da Sabesp".
Segundo a Arsesp, no mercado dos grandes consumidores, a Sabesp enfrenta concorrência de empresas particulares que fornecem água a preços mais atrativos. Esta tese, porém, é contrária à defendida pela Sabesp em um documento entregue em dezembro de 2014 à CPI municipal que investiga os contratos da companhia com a Prefeitura. Na ocasião, a Sabesp, acusada pelos vereadores de "sucatear" toda estrutura de fonte alternativa de água, afirmou, baseada em uma tabela comparativa, que "o preço médio da água fornecida pelos caminhões-pipa é superior ao preço praticado pela Sabesp".
A Arsesp, desenhada como órgão fiscalizador independente vinculado à Secretaria de Estado do Governo,teve entre suas funções durante esta crise, a autorização do reajuste de tarifas e da aplicação das multas, por parte da Sabesp, aos clientes que aumentassem seu consumo.
O órgão não quis confirmar o descumprimento da Sabesp, mas afirma que o corpo técnico estudará a questão em base aos últimos dados entregues pela companhia sobre os contratos de demanda firme vigentes. "Se a Sabesp descumpriu (ou não) as diretrizes que a Agência impõe terá consequências", afirmou. A Sabesp, procurada todos os dias durante uma semana, ignorou os pedidos de informação da reportagem.
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