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Goleada diplomática em Havana

A seleção de Cuba e o Cosmos entram em campo para celebrar o degelo entre EUA e a ilha

Raúl González, do Cosmos, durante o jogo.Foto: reuters_live | Vídeo: Reuters-LIVE! / EFE
Pablo de Llano (ENVIADO ESPECIAL)

“O futebol é lindo, é paixão. O futebol é algo grande, é dinâmico, é o máximo”. Faltavam adjetivos para Júnior Ramírez qualificar o que sente pelo esporte da moda em Cuba. Aos 24 anos, ele é meia do Ciudad de La Habana. Na manhã de segunda-feira, estava na frente do Pedro Marrero, o estádio de futebol da capital, rodeado de um grupinho de adolescentes esperando a abertura das bilheterias para comprar um ingresso para o amistoso entre a seleção cubana e o Cosmos de Nova York desta terça-feira. Um jogo de futebol que foi mais que um jogo de futebol.

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Fazia 16 anos que um clube esportivo profissional dos Estados Unidos não pisava na ilha: foram os Orioles de Baltimore, um time de beisebol. E se falarmos exclusivamente de futebol profissional, a distância é maior: o Chicago Sting, em 1978. Tanto tempo depois, agora é a vez do Cosmos, liderado por Raúl, que jogou no Real Madrid, conhecido em Cuba como El Ángel del Madrid. "Assim era chamado na ESPN", explicou Roberto Granja, de 40 anos.

Enquanto Junior Ramírez e os outros faziam fila do lado de fora para comprar um ingresso, dentro do estádio dezenas de jornalistas estrangeiros rodeavam os jogadores do Cosmos para perguntar sobre o significado simbólico do encontro. “O importante é o futebol”, respondeu o capitão Carlos Méndez com a proverbial discrição dos jogadores, mas em seguida, diante do olhar ansioso dos repórteres, concedeu outra frase que, sem ser um discurso de geopolítica, trazia algo mais de conteúdo: “E o futebol pode construir pontes”.

Desde que Raúl Castro e Barack Obama anunciaram em 17 de dezembro o início do restabelecimento das relações entre Cuba e Estados Unidos, o Cosmos é o primeiro clube norte-americano a visitar a ilha. Essa partida de futebol é também a do degelo, um encontro amistoso que simboliza, em torno de uma bola, o encerramento político da Guerra Fria. Nada melhor para isso que o esporte que mais inflama a juventude cubana hoje em dia.

Um dos que esperavam por um ingresso era Yosvani Fuentes, um rapaz de 16 anos com uma expressão de esperança mais típica de um menino de oito e dono de um caudal de rumores futebolísticos de última hora mais típicos de um jornalista de 32, ou de 48, permanentemente conectado ao Twitter. Dizia que esta manhã disseram que já era quase certo que o Real Madrid contrataria Rafa Benítez como treinador, que Benítez quer Bale na lateral esquerda, que Marcelo e Ramos “vão para o banco”, que Marcelo é muito ofensivo para Benítez, que o zagueiro brasileiro joga “muito pra frente”.

O futebol experimentou um grande crescimento em Cuba nos últimos anos

Reinier González, narrador esportivo do Tele Rebelde, o canal nacional de esportes, foi chamado de “louco” na segunda metade dos anos 1990, quando apostou em dar mais destaque ao futebol no rádio e na televisão. Duas décadas depois, o louco González será o mestre de cerimônias da partida do degelo, e também seu locutor. Duas décadas depois, muitos cubanos não podem viver sem futebol. “Entre os jovens é, de longe, o esporte número um. É um fenômeno da globalização que também chegou a Cuba, assim como a outros países de tradição do beisebol, como República Dominicana ou Venezuela”, explica.

Na segunda-feira à tarde, Raúl deu uma entrevista coletiva especial acompanhado do ex-jogador mais lendário do Cosmos: Pelé. Raúl agradeceu a oportunidade de poder visitar Cuba com seu time. Pelé, mais falador que o austero atacante espanhol, recordou quando viajava com o Santos a países em conflito para jogar partidas pela paz nos anos 1960. A lenda brasileira contou que em 1969 a guerra do Congo parou enquanto o Santos estava ali, como deferência a sua visita. Nesta terça-feira não foi preciso frear nenhum conflito armado. Cuba e o Cosmos jogaram, os cubanos se divertiram e o degelo, gota a gota, continuará.

Antuán Ugarte, de 37 anos, motorista de cocotaxi, um veículo redondo que circula a uma velocidade média de 40 quilômetros por hora, explicava na arquibancada não ter rancor dos vizinhos do norte: "Sabemos que sempre foi um problema entre Governos".

As equipes entraram no campo às cinco da tarde. A seleção de Cuba e o Cosmos. Aos oito minutos, gol. Lucky Mkosana. O primeiro do Cosmos.

O entusiasmo dos torcedores cubanos se manteve durante todo o partido, mas a festa, despreocupada diante da superioridade dos visitantes, foi murchando a medida que o Cosmos goleava a seleção de Cuba no primeiro tempo. Quatro a zero. No segundo tempo, a equipe de Nova York tiraram o pé do acelerador e Cuba fez um gol: 4x1, resultado final. O Cosmos ganhou o amistoso Os cubanos, mais do que isso. Viram Pelé na arquibancada, o Ángel del Madrid no campo e sua seleção jogando um partida que muitos não imaginavam ver.

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