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Coluna
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O cardeal Temer

O presidente do PMDB, temido e admirado a partes iguais, é um desses políticos que todos os poderosos querem ter a seu lado

Juan Arias

Existem figuras políticas que são mais do que o que representam juridicamente por estarem cobertas pelo véu de certo misterioso poder oculto que lhes empresta uma espécie de sacralização. Isso faz com que sejam admiradas e temidas ao mesmo tempo.

Uma dessas figuras é Michel Temer, presidente do PMDB, hoje vice-presidente da República, mas que a seus 74 anos já foi tudo na política: membro ativo da Constituinte, quatro mandatos de deputado, três vezes Presidente do Congresso e carta indispensável de qualquer baralho governamental. Foi assim no governo de Fernando Henrique do Cardoso, no de Lula e hoje o é no governo de Dilma Rousseff.

Michel Temer, de família católica do rito oriental maronita, também é respeitado pela maçonaria, assim como pelos evangélicos, embora ninguém negue sua índole laica assim como sua nula inclinação por fundamentalismos e populismos.

Ele é – na política – mais britânico que tropical. Mais cobiçado que amado, aquele que todos os papas da política preferem ter a seu lado. Lembra os grandes cardeais da Cúria Romana do Vaticano, que mesmo sempre sonhando vestir a batina branca de Papa estavam condenados a ser os mediadores e tecelões cinzas de tramas em todos os conclaves que deviam escolher um novo pontífice.

Temer é desses políticos que nunca perdem a compostura, que todos sabem que sabe quase tudo, mas do qual nunca tirarão nada do que sabe e não quer que se saiba até quando ele decida que se deve saber.

É dos que aguentam tudo para conseguir o que querem. Às vezes pode parecer que se deixa até humilhar e ser relegado, como aconteceu em suas relações com Dilma Rousseff, em cujo governo foi até agora uma figura apenas decorativa como vice-presidente. Até que as águas do Planalto transbordaram com a crise e a Presidenta precisou dele para salvar-lhe a pele, como os papas precisam às vezes desses cardeais que não escolheriam como confidentes, mas que sabem que sem eles tudo seria pior.

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Os golpes baixos resvalam nos batalhadores da política e da Igreja porque são conscientes de seu poder. Por isso costumam ser homens de sorrisos mais que de gargalhadas.

Homem de corredores e de bastidores mais que de palcos iluminados, Temer é dos que sabem andar sobre ovos sem que estes se quebrem entre os pés porque conhece como poucos a arte de caminhar na ponta dos pés.

Com um currículo acadêmico invejável depois de passar pelas prestigiosas universidades de São Paulo, a USP e a PUC, na qual se doutorou, Temer sabe usar seus conhecimentos de direito constitucional e a arte da advocacia para não se deixar apanhar pelas armadilhas dos inimigos.

Foi chamado como moderador e bombeiro entre um governo em crise de credibilidade e um Congresso que parece um adolescente que de repente se percebe adulto rebelde e independente. Pertence ao grupo de políticos indispensáveis para controlar as transições difíceis e complexas, capazes de evitar o pior. São eles também os condenados a viver sempre ao lado do rei sabendo que nunca conquistarão sua coroa. Fica-lhes o consolo de poder escrever um dia em suas memórias que sem eles o rei não teria conseguido a glória.

Temer não é homem popular embora sua jovem, bela e discreta esposa o cubra de um halo de inveja nas ruas.

O que talvez poucos recordem é que foi Temer o autor de uma das leis que hoje melhor protege os cidadãos contra os abusos do comércio: a do Código de Defesa do Consumidor. As mulheres também lhe devem ter sido o criador, em São Paulo, da primeira delegacia de polícia para defendê-las da violência machista.

A cor de políticos como Temer é sempre o cinza. Suas funções de operadores na sombra os impede de aparecer brilhando. Mas o cinza, como sabem os pintores, tem uma particularidade: não é uma cor primária, mas se forma com cores de contrastes como o branco e o preto, ou o verde e o vermelho.

Assim, Temer, o cinza, pôde até agora jogar com todas as cores do arco-íris da política sem que ninguém pudesse sentir-se totalmente dono dele e de seus mistérios.

O cinza é também a cor de certas enguias e a psicologia das cores atribui-lhe nada menos que as qualidades do Juízo Final.

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