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Coluna
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O país das maravilhas

Se todos sabemos que não iremos a lugar algum sem uma radical transformação do sistema educacional, por que nos contentamos em afundar no pântano da ignorância?

O escritor e jornalista Juan Arias, comentando meu artigo "O nosso fundamentalismo", indaga se o conservadorismo da sociedade brasileira não estaria fundamentado em nosso precário sistema educacional. Talvez esse seja o ponto essencial para podermos refletir sobre esse colosso territorial chamado Brasil, não só em relação ao reacionarismo da população em geral, mas também à nossa incapacidade de concebermo-nos como nação, ou seja, conjunto de pessoas que se vinculam visando a atingir um objetivo comum.

Em entrevista ao jornal Zero Hora do dia 1º de março, o senador Cristovam Buarque (PDT-DF), especialista no assunto, faz uma série de considerações a respeito do estado da educação no Brasil e diagnostica: se começássemos um trabalho sério nas escolas de base hoje, o país alcançaria um ponto de excelência apenas daqui a 20, 30 anos... No entanto, do jeito que vamos, conclui, estamos ficando para trás. Permanece no ar um questionamento singelo, como devem ser as indagações mais profundas: se eu sei, se você sabe, se todos sabemos que não iremos a lugar algum sem uma radical transformação do sistema educacional, por que nos contentamos em afundar no pântano da ignorância?

Cristovam Buarque constata, desolado, que “por algum motivo” não damos importância à educação. “Ninguém é considerado rico no Brasil por ser culto. Você é considerado rico pela casa, pela conta bancária, pelo tamanho do carro, mas não pelo grau de cultura e educação. Mesmo quem gasta dinheiro para estudar não está em busca de cultura, está em busca do emprego que a educação lhe dá”. Infelizmente, essa assertiva é verdadeira e crucial para tentarmos entender o nosso desprezo pela cultura letrada.

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O Brasil sempre aparece nos últimos lugares do ranking de avaliação de educação. Convivemos com um atraso atávico neste setor. Até 1808, quando a família real portuguesa se refugia no Brasil, sequer possuíamos imprensa e a entrada de livros esbarrava num rigoroso crivo da censura.

Enquanto nossos vizinhos latino-americanos contavam com universidades desde os primórdios da colonização (séculos XVI e XVII), as nossas primeiras instituições de ensino superior datam do começo do século XX.

Até a década de 1950, metade da população adulta era analfabeta – índice que encontra-se hoje em torno de 9%, embora o analfabetismo funcional, ou seja, a incapacidade de interpretar textos simples e de fazer operações matemáticas corriqueiras, ainda atinja um em cada cinco brasileiros.

O quadro mudou, certamente, por conta do compromisso do Estado em ofertar ensino gratuito obrigatório a todos os brasileiros entre 4 e 17 anos (alicerçado na Lei de Diretrizes e Bases de 1996) e de garantir cotas raciais e sociais em universidades públicas para afrodescendentes, indígenas e alunos oriundos de escolas públicas (baseado na Lei de Cotas, de 2012). Mas se melhorou em relação à possibilidade de acesso, e isso é um ganho inegável e indiscutível, piorou bastante no que concerne à qualidade da educação disponível.

Infelizmente, nosso sistema educacional continua sendo um instrumento de segregação social e, por consequência, de manutenção no poder de uma elite econômica, que é também política e cultural. A alfabetização e os ensino fundamental e médio, essenciais para a formação do aluno para o resto da vida, definem a que classe você pertence e na qual permanecerá. Segundo dados do IBGE, metade da população com mais de 25 anos não concluiu sequer o ensino fundamental; 15% não concluíram o ensino médio; e apenas 11% concluíram o universitário – desenho nítido da pirâmide social brasileira.

As famílias pobres, sem opção, matriculam os filhos em escolas públicas, que funcionam em prédios obsoletos, com infraestrutura mínima, sem segurança, sem biblioteca, administrados por professores, em geral, mal formados e sem incentivo, acossados pela baixa remuneração e falta de segurança e desrespeitados por pais e alunos. O resultado é que, segundo relatório da Unesco, o estudante está na sala de aula, mas não aprende – 22% se formam sem capacidades elementares de leitura e 39% não têm conhecimentos básicos de matemática. Por outro lado, a maioria dos pais não se sente responsável pelo desempenho dos filhos na escola, ignorando assim que a educação, embora inclua a instrução, a ultrapassa. Essa visão utilitária e limitada impede que a comunidade interfira na resolução dos problemas da escola.

Já as famílias ricas conduzem seus filhos para escolas privadas, que contam com boa infraestrutura, regimes pedagógicos diferenciados, bibliotecas, ambiente adequado, professores bem remunerados, etc. Mais tarde, esses alunos ocuparão a maioria das vagas das melhores universidades públicas – aos alunos pobres restam as universidades privadas, de duvidosa reputação. Em suma: os alunos ricos estudam de graça em boas instituições, sem nenhuma contrapartida social, enquanto os pobres pagam para assistir aulas em estabelecimentos deficientes.

Somos um país, mas não somos uma nação. A ignorância é o terreno fértil para a propagação de ideias conservadoras – o escritor sérvio Danilo Kis, em seu romance Um túmulo para Boris Davidovich, afirma que quem lê vários livros busca a sabedoria, quem lê um único, busca a ignorância. O desdém pela cultura, que atinge o Brasil de alto a baixo, envenena nossa percepção: aqui, o que é de todos, não é de ninguém. Todos nos aferramos às nossas pequenas conquistas e, para não perdê-las, abraçamo-nos a qualquer discurso reacionário, que ao fim e ao cabo, prega sempre o egoísmo, o cinismo, a mediocridade.

Luiz Ruffato é escritor e jornalista

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