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O sucesso do bocejo no lugar do escândalo

Taylor Swift e Mark Zuckerberg lideram uma geração de famosos alérgica à provocação e com ‘hobbies’ saudáveis

Taylor Swift, tomando um iogurte em um parque de Nova York.
Taylor Swift, tomando um iogurte em um parque de Nova York.CORDON PRESS

Em outubro de 2003, Oprah Winfrey decidiu dedicar um programa à supostamente desenfreada vida sexual dos adolescentes. O título era: Será que o seu filho leva uma vida dupla? Entre os especialistas convidados, estava uma tal Michelle Bunford, jornalista especializada nos jovens e nas coisas que eles fazem, que falou a uma plateia atônita sobre a popularidade das rainbow parties entre os cinquenta adolescentes que tinha entrevistado recentemente. Nesses eventos, cada garota pintava os lábios de uma cor diferente e, em seguida, praticava felação com seus amigos, deixando em seus membros uma simpática gama cromática que lembrava as cores do arco-íris. Fez-se um enorme silêncio nos lares norte-americanos.

Em 31 de agosto, o jornal britânico Daily Telegraph publicou um artigo assinado pela jornalista Rachael Dove. Aos 24 anos, a jovem afirmava ter ressaca com duas taças de vinho e preferir ficar em casa tricotando a ir para a balada. Confessava ter um namorado que fazia pão e celebrava a vida anódina de jovens como a cantora neozelandesa Lorde (“quando vou a uma festa, penso: o que significa isto?”), Taylor Swift, ex-namorada de qualquer um que já tenha segurado uma guitarra nos Estados Unidos desde 1998 (“gosto de usar roupas vintage, me fazem sentir como uma dona de casa dos anos cinquenta, e, por algum motivo, eu adoro”), ou Ed Sheeran, o bardo britânico com um aspecto tão anódino que não seria aceito nem como atendente na GAP (“se tivesse uma filha, eu não gostaria fizesse twerking; ouvi Wrecking Ball – um single de Miley Cyrus – a música é boa, mas o vídeo te distrai muito”). Seu artigo nos informava que 20 são os novos 40 e rotulava essa nova geração de jovens saudáveis e perfeitamente prontos para se tornar avós como Geração Bocejo (em inglês, Generation Yawn).

Entre as celebridades citadas como modelos de conduta estavam, além das já mencionadas, as atrizes Blake Lively e Jessica Alba, o enxadrista Magnus Carlsen, o tenista Andy Murray, a blogueira adolescente e permanentemente animada com a ideia de um novo sabor de cupcake Tavi Gevinson, e o fundador do Facebook, Mark Zuckerberg. Todos desenvolvem, fora do seu campo profissional, atividades tão chatas que nem merecem ser listadas. As razões para o advento dessa Geração Bocejo vão desde a paixão por hábitos saudáveis (no Reino Unido, 31 bares fecham a cada semana e, na Espanha, a percentagem de jovens que consomem drogas pela primeira vez caiu 6% nos últimos cinco anos) até a aceitação de que já não existem tabus a quebrar, passando pela crise econômica (é mais caro sair para beber do que sair para pedalar) ou a reação natural a atitudes dos pais. “Tive uma infância caótica. Acho que essa é a minha maneira de me rebelar”, confessou Jazz Mellor, filha de Joe Strummer da banda punk The Clash e fundadora de um clube social no leste de Londres que promove atividades como ponto cruz ou conserto de bicicleta. Entre seus membros convivem adolescentes, gente de vinte e poucos anos e muitos quarentões.

duas maneiras de ver a juventude: o “twerking” ou uma neutralidade suíça

Michael Rovner, nova-iorquino de 42 anos, figura chave para entender a cena alternativa da cidade na década de noventa e atualmente diretor de uma agência de marketing, declarou no ano passado ao The New York Observer: “Quando era jovem, trabalhei em um café onde eram feitas leituras alternativas. Vinham velhotes de 40 anos, olhávamos para eles com desconfiança e fazíamos tudo para sentirem que estavam arruinando a festa. Agora posso ir a um concerto de Sky Ferreira e o pior que um jovem pode fazer é me chamar de senhor”. O artigo defendia a recuperação do gap entre gerações. Mas a realidade parece nos mostrar que, mais de um abismo intransponível entre pais que ouvem Fleetwood Mac e Taylor Swift e filhos que escutam Taylor Swift e Fleetwood Mac, o que existe são duas formas claramente opostas de vender juventude. Por um lado, o twerking de Miley Cyrus. Por outro, a neutralidade quase suíça de Ed Sheeran e outros membros do seu exército do bocejo. Na última edição do MTV VMA, a filha de Billy Ray Cyrus chamou o inglês de “idiota”.

“O público está sempre mais interessado em tudo o que tem a ver com sexo. Por isso, qualquer reportagem sobre os hábitos sexuais dos jovens acaba parecendo realmente alarmante, porque a próxima geração é o futuro desta sociedade. Se os jovens estão em perigo, então o futuro parece aterrorizante. Como a mídia poderia resistir a publicar histórias perturbadoras?”. É assim que Kathleen Bogle, autora de Kids Gone Wild (um livro sobre os mitos midiáticos recentes a respeito dos hábitos sexuais dos adolescentes), explica o fato de essa Geração Bocejo, apesar de ser tão ou mais relevante do que aquela que vem balançando o traseiro há uma década, só ter sido agrupada e embalada quando uma jovem jornalista britânica decidiu sair do armário brandindo um novelo de lã. “Tendemos a pensar que todos os jovens compartilham certos interesses, e isso é falso. O que acontece é que, após a apresentação de Miley no MTV Awards de 2013, os pais pensaram que ela era o exemplo de toda uma geração que tinha dado errado, conclusão à qual nunca chegariam vendo Swift. Mas a realidade é outra. Nos EUA os adolescentes são menos ativos sexualmente do que eram há 20 anos”, diz Bogle. De fato, as rainbow parties jamais existiram. Eram uma lenda urbana.

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