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Lupita Nyong’o: a estrela que Hollywood procurava

Desde que ganhou o Oscar, tudo que Lupita Nyong’o come, veste e vive tornou-se relevante

Lupita Nyong'ou, em abril.
Lupita Nyong'ou, em abril.PA Wire / Press Association Images / Cordon Press

A história do sucesso fulgurante de Lupita Nyong’o pode ser contada a partir de duas perspectivas. A primeira responde à liturgia dos meios: jovem com talento, beleza e magnetismo que a leva ao cume do mundo nesse tempo recorde que só a era virtual poderia permitir. A segunda atende às engrenagens ocultas de uma indústria voraz, a do espetáculo, em busca permanente de novos ícones para explorar comercialmente. As duas podiam ser verdadeiras. Só a capacidade da própria interessada para lidar com seu status de estrela do momento determinará sua longevidade artística.

Ela mesma confessou incessantemente depois de receber seu Oscar de melhor atriz coadjuvante por 12 Anos de Escravidão que a celebridade não a deixa impressionada. Seu pai é um político importante do Quênia que teve que fugir para o México (onde Lupita nasceu) com a família por defender a democracia, voltando mais tarde. Hoje é senador pelo condado de Kisumu. Sua mãe dirige a Africa Cancer Foundation. E sua prima Ísis, vice-presidenta da plataforma de publicidade para celulares InMobi, é uma das 20 jovens mais poderosas da África, segundo a Forbes.

A atriz confessou que não fica impressionada pela celebridade

A atriz da moda aprendeu a conceder a todos (meios, marcas, público) o que eles estão buscando. Inclusive a si mesma. Depois de sentir o peso da estatueta, ficou em silêncio por um tempo, rechaçando papéis. Sua contratação para Star Wars: Episódio VII por J. J. Abrams, com toda sua repercussão, serviu de veredicto: Lupita não espera uma queda prematura. Seu trabalho deu resultado.

A história conta que passou apenas um ano desde que terminou seus estudos de teatro em Yale até levantar o prêmio mais apreciado do cinema. Embora quando Steve McQueen a escolheu para o papel de escrava, depois de dispensar outras mil candidatas, a atriz, que agora tem 31 anos, já estava há quase uma década no meio. Um verão apareceu em uma filmagem no Quênia, o do filme O Jardineiro Fiel (2005) e acabou trabalhando na produção e como assistente de Ralph Fiennes. Este disse a ela: “O que você quer fazer da sua vida?”. “Atuar”, ela respondeu timidamente. “Faça só se sentir que não consegue viver sem isso.”

Passou pouco mais de um ano desde que terminou a carreira no Teatro até ganhar o Oscar

Há algo que poucas de suas biografias registra: antes de dar o salto a Hollywood, Lupita se converteu em uma mulher provocadora que rifava seu amor entre dois homens. Foi o que representou na série Shuga, todo um fenômeno produzido pela MTV África destinado a provocar consciências no continente abordando temas como a infidelidade, a homossexualidade ou o HIV. Conseguiu o trabalho graças a sua prima, que colaborava com a rede. “Era a típica garota que passava por ali com seu encanto e simpatia, e decidimos lhe dar o papel”, lembra hoje Alex Okosi, o homem levou a MTV para a África. Os espectadores da entrega dos MTV African Music Awards, realizada em junho em Durban (África do Sul), onde foi concedido o prêmio para a personalidade do ano, se lamentavam de que Lupita não tivesse ido pessoalmente e só tivesse enviado uma mensagem em vídeo de agradecimento. O sucesso a afastou da África?, se perguntavam alguns. “De jeito nenhum. Não veio porque estava começando a filmar Guerra nas Estrelas! O interessante é que, apesar de ter se convertido na maior estrela do momento, mostra suas origens onde for. Para ela, é muito importante dividir todo esse sucesso e tornar o povo africano parte dele”, justifica Okosi, organizador do evento. A prova de que uma parte de seu coração continua aí está em seu próximo projeto que, além de protagonizar, produzirá junto com Brad Pitt: a adaptação do romance, Americanah, da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie, aclamada com o prêmio da crítica norte-americana este ano. Também convém lembrar que Lupita fez sua estreia como diretora em 2009 com um documentário sobre a discriminação que os albinos sofrem no Quênia.

Lupita Nyong’ou estreou em 2009 como diretora de um documentário

O certo é que uma visita a seu Instagram na época dos prêmios MAMA revelava que Lupita tinha encontrado tempo para outros eventos nesses dias, como o campeonato de polo organizado por Veuve Clicquot em Nova Jersey ou os prêmios da indústria da moda concedidos pelo Council of Fashion Designers of America em Nova York. Inclusive havia estado uns dias no Marrocos sendo fotografada para a reportagem central da edição de julho da Vogue. Sobre esta publicação, o The New York Post afirmava, frivolamente: “Hoje é um grande dia! A Vogue coloca uma mulher afro-americana em sua capa e, pela primeira vez, não é Beyoncé, nem Michelle Obama, nem Rihanna.” Será que Lupita significa uma mudança na indústria? Nos anos noventa, quando Naomi Campbell dominava as passarelas, costumava denunciar a escassa presença de mulheres negras em editoriais de moda e desfiles. “Parece que só há espaço para uma”, repetia. A hipocrisia deste mundo, no qual até Beyoncé teve que protestar contra determinados usos do Photoshop para deixar sua pele mais branca, poderia fazer de Lupita um vistoso produto de temporada.

Ela mesma fazia referência ao racial em uma entrevista recente com a CNN: “De onde eu venho não se começa a descrever ninguém dizendo ‘é branco’ ou ‘é negro’. Eu era muitas outras coisas antes de ser ‘negra’. Até que aterrissei nos EUA, onde é a primeira coisa ressaltada em mim”. Inevitavelmente, a cor de sua pele acompanha muitas manchetes quando se fala de sua contratação como imagem para grandes firmas de moda (Miu Miu) ou cosmética (Lancôme). Algo tão atípico quanto inerente a um Oscar.

Desde que aterrissei nos EUA a primeira coisa que se ressalta de mim é que sou negra

Da mesma maneira, assim que ganhou o prêmio, os meios quiseram acabar com sua solteirice e jogá-las nos braços de Jared Leto, o ganhador do Oscar de melhor ator coadjuvante. Eram o mais parecido a uma soma perfeita para continuar vendendo notícias: tinham jantado juntos antes da premiação no Crosby Street Hotel de Los Angeles e depois viajaram a Paris convidados para o desfile da Miu Miu. Quando Ellen DeGeneres perguntou a Lupita em uma entrevista abertamente pelo assunto, a intérprete respondeu inteligente: “Achei que tínhamos nos separado por culpa de Miley Cyrus. Foi o último que escutei.”

É assim que Lupita Nyong’o desfila pela escorregadia passarela global da fama. De repente tudo que come, veste e vive se converteu em algo relevante. Sabemos que passou por uma dieta sem glúten, qual é o esmalte que usa nas unhas ou se esteve comprando travesseiros marroquinos em Fez. Converteu-se na perfeita observada, com todas as exigências que isso traz. Está em suas mãos apoderar-se desses clichês para destruí-los.

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