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BUENOS AIRES SOB PRESSÃO

“É mais barato o Brasil ajudar a Argentina agora do que sofrer depois”

Exportadores cobram um papel mais concreto do governo brasileiro no impasse argentino

Cristina Kirchner e o seu ministro da Economia, Axel Kiciloff
Cristina Kirchner e o seu ministro da Economia, Axel KiciloffDavid Fernández (EFE)

Principal parceiro comercial da Argentina, o Brasil deveria assumir um protagonismo maior diante da crise do país vizinho, que ganhou contornos dramáticos durante a negociação com os fundos abutres, afirmam os especialistas ouvidos pelo EL PAÍS. Apesar de o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ter classificado, nesta quinta-feira, o impacto do calote argentino no curto prazo como “nulo”, os exportadores brasileiros continuam apreensivos com uma previsível queda na demanda pelos seus produtos, em meio a um cenário de forte desvalorização cambial e queda da atividade entre os hermanos.

A diplomacia brasileira e o Ministério da Fazenda deveriam sair a campo para encontrar uma alternativa, segundo Roberto Gianetti da Fonseca, presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “Assim como os Estados Unidos ajudaram o México em 1995, e a Alemanha estendeu a mão para outros países da União Europeia na crise de 2009, cabe ao Brasil um papel de protagonista e mediador nesta situação atual”, avalia. “É mais barato ajudar a Argentina agora do que sofrer com a eventual crise que ela virá a sofrer depois deste momento”, completa.

Para Fonseca, é preciso mais do que discursos apoiando o Governo de Cristina Fernández de Kirchner nesta queda de braço com os credores internacionais. “Não sei a fórmula, mas o Brasil tem de encontrar uma forma criativa de resolver o problema, para ajudar a terminar o impasse em Nova York”, diz. “Agora é necessário ter essa confiança de líder regional para não deixar a Argentina entrar em default”, explica.

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José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), segue a mesma linha. Segundo ele, o país poderia oferecer, a princípio, uma linha de crédito entre governos, porque no âmbito empresarial as limitações de liquidez seriam maiores. O objetivo inicial seria estancar os efeitos nocivos que o calote teria nas relações comerciais bilaterais. Os hermanos são atualmente os terceiros maiores parceiros comerciais do Brasil.

De janeiro a junho deste ano, as exportações brasileiras para a Argentina recuaram 20% ante o mesmo período de 2013 – a participação do país vizinho no total das vendas brasileiras ao exterior chegou a 6,7%, ante os 8,1% registrados nos primeiros seis meses do ano passado. A fim de pagar os seus credores e suprir as suas necessidades de financiamento, o Governo argentino se viu contra as cordas nos últimos anos, tendo de restringir as compras de produtos de outros países e gerar superávit – quando o valor arrecadado nas vendas ao exterior superam as importações.

Para piorar ainda mais as perspectivas, nesta quinta-feira uma segunda agência de classificação de risco rebaixou a nota argentina. A Fitch se juntou à Standard & Poor's e colocou os hermanos em situação de ‘default restrito’, refletindo o vencimento do prazo para que Buenos Aires chegasse a um acordo com os credores que se recusaram a negociar a dívida com descontos.

“Não podemos deixar de levar em consideração o papel que a Argentina tem nas relações comerciais com o Brasil, na condição de segunda força do Mercosul, e assim evitaríamos ainda a abertura de mais uma porta ao concorrente”, acrescentou Castro, em referência direta à crescente presença chinesa na América Latina.

Ainda de acordo com o presidente da AEB, não seria nada impossível um cenário em que Pequim ajudasse a financiar a Argentina, roubando espaço do Brasil nessa relação. “O país asiático quer entrar cada vez mais na região e poderia condicionar isso à compra de seus produtos”, avalia. “Isso dificultaria ainda mais o nosso comércio”, acrescenta. Esse papel, consequentemente, seria desempenhado pelo Brasil.

Já segundo o argentino Roberto Troster, ex-economista-chefe da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), diferente do que ocorre com a maior parte das nações, as transações comerciais entre a Argentina e o Brasil são feitas por um mecanismo de compensação das moedas locais e não em dólar. Portanto, neste momento em que a Argentina enfrenta problemas em divisas norte-americanas – que devem prejudicar as importações de outras nações – as empresas brasileiras podem suprir o mercado do país vizinho. “É uma janela de oportunidades para as empresas brasileiras”, avalia Troster.

Até a véspera do anúncio do calote, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) confiava no sucesso da negociação entre os argentinos e os fundos abutres. “A Argentina é um mercado essencial para o Brasil, representa mais de 20% do que nós (o setor industrial) exportamos”, declarava José Augusto Coelho Fernandes, diretor de Política de Planejamento e Estratégias da entidade.

As empresas, no entanto, já se preparavam para as consequências do calote, de acordo com Fernandes. Entre os riscos, além da queda das vendas ao país vizinho, calculam eventuais problemas de recebimento de produtos já exportados. “As empresas estão sempre avaliando os cenários de riscos, como este. Isto faz parte do jogo”, comenta o dirigente da CNI.

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