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Copacabana lota com o Mundial

Uma das praias mais famosas do Rio se divide entre turistas, moradores e manifestantes pacíficos

Homens jogam futebol na praia de Copacabana.
Homens jogam futebol na praia de Copacabana.SERGIO MORAES (REUTERS)

“Eu moro aqui, não se lembra de mim?”, diz o jornalista europeu a Jorge, o dono de uma das inúmeras barracas que oferecem guarda-sóis e bebidas geladas na praia de Copacabana, diante de um dos hotéis mais caros do Brasil. Os preços subiram esta semana na praia mais famosa do mundo. “Ah, sim... Para o senhor são 3 reais, mas para os turistas são 10”, responde entre risos Jorge, que de segunda-feira a domingo se levanta às cinco horas da manhã para empurrar sua barraca desde a favela de Santa Marta, no bairro de Botafogo, e ter tudo pronto às sete, quando a praia já registra um movimento inabitual em outras partes do mundo. A 50 metros dali, dezenas de operários terminam a montagem de um palco enorme que lembra um festival internacional de rock. É o espaço da Fan Fest da FIFA, que será inaugurado (como o resto da Copa) amanhã, quinta-feira, prometendo futebol, cerveja e diversão durante todo o dia para 20.000 pessoas até 13 de julho, domingo.

Em perfeita sintonia com os preparativos da Copa, a paisagem está salpicada de obras, de operários que ajeitam cabos elétricos e colocam chapas no chão. Como seu aspecto indica, não parece que a Fan Fest abrirá dentro de um dia e meio. Mas os visitantes começaram a chegar. Apenas durante o Carnaval foi tão difícil caminhar por um bairro inegavelmente turístico que, não obstante, guarda a essência carioca – menos visível em Ipanema ou no Leblon. Correr ou andar de bicicleta pela ciclovia paralela à Avenida Atlântica, entre os carros e o mar, é agora quase um esporte de risco. Vê-se nas camisetas: os turistas chegaram, especialmente os europeus e latino-americanos.

Os numerosos prostíbulos do bairro abrem suas portas um pouco antes; Daniella, de 22 anos, diz que há meses aprende inglês para este evento: “Vou trabalhar todos os dias, claro!”. A venda de drogas é um pouco mais difícil, mas se dá, como sempre, em plena luz do dia. O Rio de Janeiro é a sede mais cara da Copa e quase todos os dias há aumentos de preço. Os vendedores ambulantes trocaram o artesanato pelas camisetas de futebol falsificadas e as bandeiras do Brasil. Os quartos de hotel custam entre 200 e 500 euros (600 e 1.500 reais). Há policiais praticamente em cada esquina, mas eles não parecem perseguir pequenos delitos. Depois de meses de polêmicas, protestos e mal-estar, “o importante é que tudo saia bem e as pessoas aproveitem”, opina uma agente da Guarda Municipal que observa a intensa movimentação da multidão junto a uma estátua de areia de Messi, Neymar e Cristiano Ronaldo. Trinta metros mais longe, junto à água, a praia ao entardecer oferece uma magnífica imagem de gente jogando futevôlei, bebendo caipirinha e praticando surf.

Garoto ao lado de bola gigante usada como protesto contra o Mundial
Garoto ao lado de bola gigante usada como protesto contra o MundialSilvia Izquierdo (AP)

Entretanto, o mal-estar não desapareceu. Esta manhã, diante do hotel mais senhorial de Copacabana, a cem metros do que terminará sendo a Fan Fest, uma parte da praia amanheceu com doze bolas gigantes fixadas na areia. Elas haviam sido usadas recentemente em um protesto em Brasília; têm cruzes vermelhas pintadas. Diante delas, um cartaz diz: “Uma Copa do Mundo em um país de miséria, financiada com dinheiro público, é um problema moral”. Os responsáveis pela manifestação querem apresentar seis reivindicações às autoridades, à FIFA e aos candidatos às eleições presidenciais de outubro: entre elas, que no jogo de abertura (Brasil-Croácia) seja feito um minuto de silêncio em homenagem aos nove operários mortos nas obras dos estádios que foram construídos para o torneio e que as prioridades para a próxima legislatura sejam a melhoria da saúde, da educação e da segurança pública em um gigante que mostrou suas fissuras ao mundo em seu momento de maior exposição internacional. Muitos turistas param para tirar fotografias, guardam uns instantes de silêncio e voltam para o burburinho.

Duas quadras para dentro, nas ruas entre a Avenida Nossa Senhora de Copacabana e a Rua Barata Ribeiro, alguns indigentes se encolhem onde podem para dormir a sesta. Há um mês havia muitos mais; as denúncias de alguns meios de comunicação brasileiros acerca da ‘limpeza’ de vagabundos das ruas ainda estão para ser demonstradas. Empregados de duas casas de suco afirmam que há alguns dias não recebem a visita de meninos de rua que pedem uma bebida e um salgado aos clientes. “Eu quero que o Brasil seja eliminado”, afirma taxativamente o dono de uma delas: “Não quero ouvir a presidenta dizer que somos os campeões do futebol e que agora seremos os campeões da igualdade e da justiça...”.

Amanhã às 15h, uma hora antes do inicio do primeiro jogo, foi convocada uma manifestação anticopa exatamente diante da Fan Fest da FIFA, em pleno coração da festa. O chefe do Estado Maior das Forças Armadas, José Carlos de Nardi, disse que confia na Polícia Militar do Rio de Janeiro para “proteger a ordem pública”. Será, talvez, uma das imagens da ‘Copa das Copas’. Um segundo cartaz colocado junto das doze bolas marcadas com cruzes vermelhas convida ao otimismo moderado: “Respeito pelo ‘torcedor’ da seleção brasileira, hospitalidade com o turista estrangeiro e liberdade para quem protesta pacificamente”.

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