Atos racistas atravancam o ambiente futebolístico no Brasil
Enquanto algumas personalidades recriminam as atitudes discriminatórias, outras preferem ignorá-las
Quando a presidenta brasileira Dilma Rousseff criticou através do Twitter em janeiro os fãs do clube peruano Real Garcilaso por acossar e insultar o futebolista negro do Cruzeiro, o Tinga, com gritos similares aos de um macaco, mal podia imaginar que algumas semanas depois teria que se referir novamente aos atos racistas nos campos de futebol, mas desta vez dentro de seu país, a menos de 100 dias do início da denominada ‘Copa das Copas’.
Nos últimos dias, um jogador e um juiz da primeira divisão sofreram humilhações em um país que, como lembrou Rousseff também pelo Twitter, é “a maior nação negra fora da África” e cuja Copa pretende ser convertida em uma alegação contra o racismo.
Na semana passada, no fim de uma partida do Campeonato Paulista entre Mogi Mirim e Santos, o jogador visitante Arouca foi açoitado e chamado de “macaco” por um grupo de torcedores enquanto falava com a imprensa no estádio Romildão. O grupo de indivíduos gritava para que ele fosse jogar em alguma seleção africana. No dia seguinte do jogo, o jogador emitiu um comunicado para a imprensa qualificando o sucedido de “lamentável e inaceitável”, mostrando “muito orgulho por suas raízes africanas” e lembrando que “algumas das páginas mais bonitas da história da nossa seleção foram escritas por jogadores como Leônidas, Romário e pelo Rei Pelé, também negros”.
O episódio teve considerável eco midiático, que se multiplicou quando poucas horas depois se soube que o árbitro Márcio Chagas da Silva, de 37 anos, havia sido objeto de insultos e palavrões no dia anterior (“macaco imundo”, “tem que matar essa negrada”, “escória”, “seu lugar é na floresta”, “volta para o circo”) durante os 90 minutos que durou o encontro entre Esportivo e Veranópolis, do Campeonato Gaúcho. Quando chegou ao seu carro, o encontrou riscado e amassado e com várias bananas sobre o capô, em forma de insulto. “Vários jogadores me disseram que este tipo de atitude é meio que comum quando a equipe não está em má fase”, disse o árbitro, que entregou uma ata detalhada à Federação Gaúcha de Futebol.
Chagas da Silva já havia vivido um episódio similar, há uma década, quando o técnico daquele momento do clube Encantado, Danilo Mior, o chamou de “negro de merda”. Mior foi suspenso por 60 dias. “Não quero que meu filho sofra o mesmo daqui a dez anos”, afirmou o juiz ao jornal Zero Hora, de Porto Alegre, como justificativa de sua denúncia. O caso será avaliado esta semana pelo Tribunal do Estado do Rio Grande do Sul e provavelmente custará ao Esportivo os pontos obtidos naquela partida. Além disso, estão previstas possíveis sanções econômicas, fechamento do campo e inclusive de exclusão do próximo campeonato.
Entre as personalidades que se pronunciaram nestes últimos dias sobre esses episódios de racismo nos estádios se destacam o campeão do mundo Rivaldo, que hoje joga e preside o Mogi Mirim, cuja parte dos torcedores ofenderam o jogador do Santos, o Auroca. “Sou contra esta atitude de pessoas que não respeitam o próximo”; “Nós vamos buscar nos monitores do estádio e em filmagens para ver se houve (discriminação) e, caso positivo, punir os mesmos". A Federação Paulista de Futebol (FPF) anunciou na sexta-feira o fechamento provisório do estádio do Mogi Mirim.
Mas nem todas as vozes têm a mesma opinião sobre a possível solução a este mal, que nos últimos anos teve surtos similares nos estádios da Espanha, Inglaterra, Itália, México ou Rússia. O técnico do Santos, Oswaldo de Oliveira, afetado pelos insultos ao seu jogador, declarou que “Só existe uma única saída: a punição. Não tem o que discutir [...] As pessoas desse nível só podem ser chamadas de idiotas”. Por outro lado, o poderoso técnico da seleção nacional, Luiz Felipe Scolari, que pouco fala com a imprensa, opinou em declarações recolhidas pelo jornal Folha de São Paulo que “é melhor ignorar esses estúpidos e não dar publicidade a eles”. “Este debate é uma bobagem”, insistiu: “Não deveríamos nem debater isso. Não adianta punir, a solução é ignorar. Os meios não podem dar moral e ficar falando dessas pessoas. Este caso não tem solução, esses babacas nunca vão aprender”.
Diferente parece o enfoque da presidenta Rousseff, que decidiu convidar líderes religiosos do mundo todo para que se manifestem contra o racismo; suas mensagens serão lidas, escreveu, “durante a #CopaDasCopas”, que será também a #Copa pela Paz e a #CopaContraORacismo”. Enquanto isso, a denúncia do Cruzeiro contra o Real Garcilaso pelos incidentes de janeiro no estádio de Huancayo continua sem se resolver, e a Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL) permitiu que jogasse na próxima partida da Libertadores, esta semana, no estádio Huancayo.
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